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O papel das emoções no pensamento e como isso afeta a educação

Ensinar alunos como se fossem máquinas que decoram e reproduzem conteúdos é deixar de lado aquilo que os torna mais especiais

Processo de pensamento inclui as emoções, por isso, somos seres racionais-emocionais (mixetto/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 3 de outubro de 2021 às 08h17.

Última atualização em 3 de outubro de 2021 às 19h47.

Por Fernando Shayer*

Poucas coisas dão mais saudades do Brasil, quando se mora no exterior, do que uma padaria que sirva um pão de queijo quentinho com uma média (o bom e velho café com leite, servidos em doses iguais). Da próxima vez em que isso acontecer, tente responder a seguinte pergunta: a média é o café, o leite, tanto o café quanto o leite, ou uma terceira coisa, além do café e do leite, que se produz apenas quando eles se misturam?

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Nós estamos tão acostumados a compreender os fenômenos por meio da análise das partes isoladamente, que nos esquecemos de que elas fazem parte de um todo maior. Isso é o que se chama em ciência de reducionismo: nós poderíamos buscar compreender a média a partir do café, ou do leite, até porque, sem qualquer uma dessas partes, não haveria a média. Mas isso não bastaria, porque o todo é diferente do que a mera soma das partes.

Outro exemplo de pensamento sistêmico é o das palavras, ou dos números. O numeral 12 só existe se tiver o um e o dois, mas ele não é nem o um, nem o dois, nem um mais dois: ele é uma outra coisa, diferente, o 12, que emerge da interação ordenada entre o um e dois.

A mesma coisa acontece com o pensamento. Durante muito tempo, acreditou-se na ciência que existiria um pensamento “puramente racional”. Com base nessa premissa, desenvolveram-se muitos modelos, inclusive na economia, que tratam de “agentes racionais”. Em administração, buscou-se contratar empregados focados em metas, que entregassem os resultados sem reclamar, esquecendo-se que, ao contratar um colaborador, vinha junto uma pessoa. Em educação, essa crença ajudou a solidificar a figura do “bom aluno”, aquele que fica em silêncio, não dá trabalho, toma tudo o que lhe é dado como verdade e vai bem nas provas.

Desde o início dos anos 90, no entanto, a partir de uma série de pesquisas neurocientíficas lideradas, dentre outros, pelo português Antonio Damasio, cada vez mais se sabe que o pensamento é um processo tanto racional quanto emocional. Note bem: diferentemente do que se pensava, não é apenas que emoção (positiva) leva a um melhor resultado acadêmico ou a mais aprendizagem. Isso qualquer professor com um dia de experiência de sala de aula já sabe.

Na verdade, o que se tem concluído é que o próprio processo de pensamento inclui as emoções. O pensamento é a média da padaria, que emerge a partir da interação das suas partes, cognição e emoção, que atuam integrada e indissociavelmente.

Essas pesquisas indicam também que as atividades cognitivas mais complexas, como tomada de decisões e pensamento crítico, são compostas por emoções.  Para chegar nessa conclusão, os cientistas estudaram adultos que haviam sofrido lesões numa parte específica do córtex pré-frontal do cérebro.

Apesar de, em laboratório, preservarem sua capacidade cognitiva, que se mede por meio de testes de QI, e não terem perdido a sua base de conhecimento de conteúdos, dados e fatos, esses indivíduos perderam atributos como a empatia e a compaixão, violaram regras sociais e éticas básicas sem mostrar quaisquer sinais de arrependimento ou remorso e tomaram riscos desproporcionais.

Sem esses atributos, eles passaram a tomar decisões muito piores, incluindo-se, por exemplo, más decisões de investimento, e suas vidas pessoais e profissionais seguiram rumos diferentes daqueles anteriores às lesões. Para quem gosta de história, vale a pena pesquisar o caso notório de Phineas Gage, similar ao desses pacientes, e que, no século 19, teve uma barra de ferro de um metro atravessada em seu crânio depois de um acidente na construção de uma ferrovia.

Isso tudo tem um impacto muito relevante para a educação. Esses indivíduos se mostraram incapazes de aprender com suas experiências anteriores, repetindo os mesmos erros reiteradamente. Em outras palavras, o pensamento dessas pessoas foi severamente impactado pela perda desses atributos emocionais, ainda que eles não tenham tido perdas cognitivas. Aprendizagem, memória e tomada de decisões dependem das emoções assim como de pensamento classicamente conhecido como lógico.

Como seres humanos, não somos racionais, como aprendemos na escola, mas, sim, racionais-emocionais. É esse diferencial que, evolutivamente, nos permitiu sobreviver e florescer, mantendo a nossa regulação interna (algo chamado de homeostase) e capacidade superior de convivência social. É porque integramos ao nosso pensamento lógico habilidades emocionais tão marcantes, que nos adaptamos ao meio muito melhor do que qualquer outra espécie. Isso significa que esses atributos, incluindo-se nossa insegurança, ambiguidade e incerteza devem ser celebrados, e não reprimidos, dentro e fora da escola. Isso não é um problema, é a solução.

Robôs não choram e não reclamam, mas não sonham, não criam, não inspiram e não resolvem problemas complexos. Ensinar alunos como se eles fossem máquinas que decoram e reproduzem conteúdos nas provas é deixar de lado aquilo que os torna mais especiais.  Como seres racionais-emocionais, os alunos devem interagir uns com os outros, porque é no contexto da interação social que eles desenvolvem atributos emocionais fundamentais ao pensamento.

Além disso, se a qualidade da emoção que a aluna associa à experiência de aprendizagem é maior, ela tenderá a aplicar o conteúdo à vida real com maior facilidade no presente e no futuro. Esse é um dos principais papéis da escola, dar aos alunos repertório para lidar com a complexidade da vida, mas que será mais facilmente acessada se a emoção associada ao aprendizado for positiva. Se ir à escola for como ir ao dentista, uma experiência útil, mas horrorosa, os alunos serão resistentes ao aprendizado para o resto de suas vidas. Não se lembrarão do gosto delicioso do pãozinho de queijo, mas sim, daquele barulho chato do motorzinho nas nossas bocas.

*Fernando Shayer é cofundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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