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Nem à direita nem à esquerda. No centro: todos de costas para todos

Classificar-se como centro nem sempre é coerente com o passado de determinados políticos

Centro é uma miragem no deserto quando o eleitor busca um oásis para matar a sede de alternativa. (Cris Faga/Andressa Anholete/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 27 de maio de 2021 às 20h12.

Última atualização em 27 de maio de 2021 às 20h28.

Por Márcio de Freitas*

Nos idos de 1960, Henry Kissinger perguntou ao então governador do Rio de Janeiro Carlos Lacerda como ele se classificava no espectro político, de direita à esquerda. “De centro”, respondeu Lacerda. O ex-assessor de presidentes dos Estados Unidos questionou Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora, sobre a mesma definição e ouviu: “De centro”.

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Kissinger comentou então ser estranho Lacerda, opositor radical do então presidente João Goulart, e Wainer, um dos poucos proprietários de veículos de mídia a apoiar o governo do gaúcho, usassem a mesma classificação sobre posicionamento político. Ao que Wainer respondeu: “Ambos estamos no centro, mas um de costas para o outro”.

É mais ou menos o que acontece com o centro político brasileiro hoje, que assiste a polarização do eleitorado se concentrar entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem uma massa teórica que os una, um programa de governo similar ou projeto de país coincidente, os nomes flutuam no espectro político todos no centro, mas todos de costas uns para os outros.

Se autoclassificar de centro nem sempre é coerente com a história recente de alguns personagens colocados nesse mesmo balaio. Deve-se admitir que coerência, no caso de alguns políticos, depende das peculiaridades do momento eleitoral e dos desejos expressos pelo eleitorado.

Exemplo: o governador João Doria (PSDB) disputou a prefeitura de São Paulo com um discurso agressivo contra a esquerda no sentido amplo e contra o Partido dos Trabalhadores em particular. Polarizou antecipando a onda na qual surfou Bolsonaro dois anos depois, quando o próprio movimento Bolsodória, na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, acentuou essa a identificação destra do tucano de forma ainda mais categórica.

Doria se distanciou de Bolsonaro durante seu governo e, agora, tenta se vacinar com relação a esse passado usando anticorpos tão fortes quanto os que aplicou nas disputas contra o PT. O imunizante ainda não fez efeitos nas pesquisas até o momento.

O ex-prefeito, ex-deputado, ex-ministro, ex-governador e ex-candidato Ciro Gomes tem longa história política. A passagem dele por partidos da direita, ao centro e mais à esquerda demonstra que é mais fácil verificar a mutação na etiqueta ideológica do que conseguir definir o rótulo de forma clara.

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta é do DEM, ex-PFL, ex-Arena. E foi ministro de Bolsonaro. É liberal na economia, e não esconde as ligações com certa elite empresarial. Sua agenda nunca passou perto das causas de minorias ou buscou convergência para transformações. Ele é afeito ao diálogo político, tem habilidade e conseguiu vitórias durante sua passagem pelo Ministério da Saúde, mas ganhou destaque mais por divergências com o presidente sobre o vírus do que por discordâncias com a agenda conservadora e de direita de Bolsonaro.

Outros personagens são tão recentes na vida pública que ainda é difícil de serem “checados”, como o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB), quem tem boa comunicação mas é pouco experiente na política nacional. E alguns ameaçam e sequer entram na arena, como o apresentador de TV Luciano Huck. Este tem aparência liberal na economia e votou em Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018, mas agora faz oposição pública ao presidente. Suas ações sociais e seu posicionamento sobre costumes são muito mais próximos da agenda de petistas ou de partidos de esquerda.

Sergio Moro está fora do país e vai murchando a possibilidade de seu nome vir a constar na urna para 2022. E Tasso Jereissati (PSDB) é um senador respeitado, conceitualmente forte e consistente do ponto de vista ideológico mas cujo melhor momento político parece já ter passado.

Como não existe vazio em política, o ex-presidente Lula pescou o ambiente solto e joga seu peixe ao mar. Trouxe no anzol o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fisgado numa foto que aproxima Lula do centro para efeitos de discurso e marquetagem eleitoral.

Ainda assim, o centro é uma miragem no deserto quando o eleitor busca um oásis para tentar matar a sede política de alternativa. O fato de alguns pré-candidatos verem no centro uma oportunidade para chegar ao poder, faz com que mudem posições históricas para se encaixarem ao que creem ser o desejo do eleitor. São princípios adaptados a um fim.

*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação

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