Empreendedora: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, Angela Davis (Rawpixel Ltd/Thinkstock)
Bússola
Publicado em 5 de dezembro de 2021 às 10h47.
Última atualização em 5 de dezembro de 2021 às 12h16.
Por Dina Prates*
No dia 19 de novembro, comemoramos o dia do empreendedorismo feminino, data que visa celebrar e impulsionar o protagonismo das mulheres empreendedoras com o objetivo de combater as desigualdades do mercado e as violências de gênero. A data é uma iniciativa da ONU Mulheres — Organização das Nações Unidas.
Neste dia, as redes sociais e diversos veículos de comunicação trouxeram a narrativa de mulheres empreendedoras e o trajeto de resistência e empoderamento econômico para construir o seu negócio. No Brasil, as empreendedoras ativas somam mais de 30 milhões, um número que cresce, refletindo a constante busca pela autonomia e a contraposição das violências do mercado de trabalho sofridas por mulheres diversas.
Além disso, uma segunda data marca o mês de novembro, o 20 de novembro, dia da Consciência negra, criada em 1971 pelo Grupo Palmares na cidade de Porto Alegre. Essa data marca a luta da população negra por direitos, liberdade e o resgate histórico, mas para além da luta, celebra a resistência e a potencialidade das pessoas negras brasileiras.
O que duas datas tão próximas e tão diferentes têm em comum?
A luta das mulheres negras empreendedoras, que construíram historicamente a subsistência econômica de muitas famílias brasileiras. O devido crédito de mulheres de negócio, deve ser delegado às mulheres negras brasileiras, que muito antes da escravidão dos povos africanos, já eram mercadoras e comerciantes.
De acordo com estudos do Sebrae (2021), as mulheres negras representam cerca de 47% das empreendedoras brasileiras, um número que cresce anualmente, refletindo a potência financeira desses empreendimentos. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (GEM), o Brasil é a 7ª nação com mais mulheres empreendedoras no mundo. Essa é uma das maiores relações entre o dia do empreendedorismo feminismo e a consciência negra, as mulheres que gerenciam negócios que movimentam economicamente as comunidades brasileiras, para além de ausências, precisamos falar de presenças.
Segundo o estudo do Instituto Locomotiva (2018), as mulheres negras estão à frente de grande parte dos negócios gerenciados por pessoas negras. A presença massiva na atividade empreendedora, deve-se a dois fatores importantes: as desigualdades do mercado de trabalho e a tradição empreendedora das mulheres negras.
A tradição empreendedora ressaltada pelo Instituto Locomotiva deve ser compreendida como herança ancestral africana, já que muitas sociedades africanas atribuíam às mulheres a subsistência doméstica, assegurando a elas, papéis econômicos importantes.
As mulheres africanas eram responsáveis por grande parte do comércio na Costa Ocidental da África, onde as funções e ofícios desenvolvidos tinham objetivo do sustento coletivo. Ainda que, o termo empreendedor negro, ou afroempreendedor seja mais conhecido, nos últimos 20 anos, podemos considerar, que atividade exercida pelas mulheres africanas era uma forma de empreendedorismo.
A autora Vania Bonfim afirma que “o arcabouço civilizatório trazido pela mulher africana estava enraizado em suas estruturas cognitivas, orientando sua percepção do mundo”. Essa percepção de mundo, é traduzida como a ideia de saberes ancestrais por Adriana Barbosa no TEDx São Paulo de 2018. Adriana é a idealizadora da Feira Preta, a maior feira de empreendedores negros (as) da América Latina. Ela sempre ressalta em seus discursos a relevância do empreendedorismo feminino negro.
“Saberes ancestrais são as nossas tecnologias, as nossas formas de fazer normalmente a gente não olha o empreendedorismo sobre as nossas formas de fazer e a gente vem há pelo menos 130 anos.”
Apesar da potência empreendedora das mulheres negras, as desigualdades refletem diretamente na falta de acesso a oportunidades de crescimento e desenvolvimento de negócios. Os estudos do Sebrae, afirmam que os empreendimentos mais afetados durante a pandemia, foram os empreendimentos gerenciados por mulheres negras. Em geral, são os empreendimentos com menor porte e menor faturamento. Por isso, é tão importante falarmos de oportunidade. A citação de Harriet Tubman, abolicionista negra que viveu nos Estados Unidos até 1913. proferida pela atriz Viola Davis na cerimônia do Emmy Awards em 2015, cabe perfeitamente nessa reflexão.
“Na minha mente, eu vejo uma linha. E sobre essa linha, eu vejo campos verdes, flores lindas e belas mulheres brancas com seus braços esticados para mim, ao longo dessa linha. Mas eu não consigo chegar lá. Eu não consigo superar essa linha.”
Naquele momento a atriz recebia o prêmio de melhor atriz pela sua atuação na série How to get away with murder, série de autoria e direção da diretora Shonda Rymes. A atriz nos remete a refletir sobre a dificuldade de acesso das mulheres pretas a oportunidades que não são criadas no mercado. Apesar dos avanços e desenvolvimentos das políticas de diversidade e inserção de mulheres em espaços de poder e de negócio, através das lutas do movimento de mulheres negras e movimentos feministas, as mulheres pretas permaneceram fora de diversos espaços e acessando poucas oportunidades. Logo, quando falamos de empreendedorismo feminino, para além de compreender a estrutura machista da sociedade, é preciso um olhar apurado pelo racismo e machismo perpetuado há séculos sobre o trabalho das mulheres negras.
O mês de novembro encerrou, as discussões sobre empreendedorismo feminino e consciência negra, talvez, não sejam assuntos tão pautados nos próximos meses, mas a importância e a urgência persiste. Saliento que, mais do que empreendedorismo por necessidade, vamos falar sobre herança ancestral e impulsionar uma legião de mulheres que persiste resiliente e resistente, combatendo todo o histórico de ausência de oportunidades. Como afirma Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”
*Dina Prates é consultora e educadora financeira, mestra em sociologia e sócia-fundadora do Instituto Estrela Preta.
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