Energia solar: modernização do setor elétrico brasileiro ajudaria a criar as bases para a expansão do mercado livre de energia (Bússola/Divulgação)
Mariana Martucci
Publicado em 11 de agosto de 2020 às 19h13.
Última atualização em 12 de agosto de 2020 às 16h02.
A modernização do setor elétrico brasileiro ajudaria a criar as bases para a expansão do mercado livre de energia, trazendo nova dinâmica e mais competitividade para o segmento, além de corrigir as distorções do atual modelo regulatório, que começa a mostrar sinais de esgotamento.
Essa é uma das conclusões do debate da primeira live temática sobre o setor elétrico realizada pela Bússola, plataforma de conteúdo criada em parceria entre a Exame e o Grupo FSB, realizada nesta terça-feira (11/08). A moderação ficou a cargo de Leandro Conti, diretor da Bússola.
Atualmente, podem migrar para o mercado livre consumidores com carga mínima de 2 MW. É possível também migrar quando a carga mínima é de 500 kW, mas, para isso, os consumidores têm que comprar energia de fontes renováveis. Entre as propostas em debate estão a abertura do mercado até os consumidores residenciais, como já acontece em países da Europa.
Para Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, a proposta que vem sendo debatida é bem-vinda, mas o sucesso da iniciativa depende de outros fatores como o fortalecimento da figura do comercializador varejista (que agruparia consumidores de energia com carga de até 1 MW).
Isso evitaria um número grande de registros na CCEE, que atua como operador do mercado, eliminaria do consumidor final a atribuição de gerir a compra da energia e tiraria das distribuidoras o papel de contratação, que focariam essencialmente ao negócio de infraestrutura de redes.
A modalidade já existe no mercado, mas ainda existem poucas comercializadoras habilitadas a atuar como varejistas. Altieri entende que a expansão do mercado livre deve ser contínua, gradual e organizada
Edson Silva, diretor-presidente da Energia Sustentável do Brasil - ESBR, consórcio liderado pela ENGIE e proprietário da hidrelétrica de Jirau (RO), avalia que o modelo atual trouxe muitos benefícios, como propiciar a ampliação da infraestrutura de energia, mas a adoção também apresenta efeitos colaterais, como o risco de crises sistêmicas – por ser uma indústria de rede, um problema complexo num segmento acaba refletindo em toda a cadeia.
Ele lembra que já tivemos no passado crises de falta de energia e de preços elevados – agora, temos uma crise de sobra de energia. A pandemia trouxe queda no consumo e sobras contratuais de energia para as distribuidoras. Dados da própria CCEE indicam sobrecontratação prevista de 8% a 10% em 2020 no melhor cenário, salienta Rui Altieri.
Com a modernização, segundo Silva, da ESBR, espera-se uma centralização menor do que a atual, ao se manter a centralização no planejamento da expansão da oferta baseado na separação entre a compra da capacidade de geração – conhecido no setor pelo jargão “lastro” – e a comercialização de energia.
Ainda sobre a atual crise causada pela pandemia, Altieri recordou que o país teve recuo médio de 4,8% no consumo de energia – entre abril e maio – e o Brasil deixou de consumir 7.500 MW médios, volume capaz de atender aos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo por um mês. O cenário indica reversão, com elevação de consumo no mercado livre. “A expectativa é que no mês de agosto [o país] comece a recuperar”, projetou Altieri.
Outro ponto ressaltado por Silva foi a integração entre os mercados de gás natural e de eletricidade, que pode ser impulsionada com a exploração das reservas do pré-sal. De acordo com o executivo da ESBR, um poço do pré-sal pode ter capacidade de extração entre 15 milhões e 18 milhões de metros cúbicos diários de gás natural, volume esse que atenderia a uma geração da ordem de 4 GW.
O diretor-presidente da ESBR afirmou, porém, que as regras para a integração entre os mercados de gás e energia ou o papel central do governo, com definição de contratação, podem garantir a entrada dessa fonte de forma competitiva. Nem todo o gás do pré-sal será destinado à geração termelétrica – o uso na indústria é muito relevante.
Silva ressaltou que o país possui dominância hidrelétrica, com potencial elevado para energia eólica e solar, além de grandes reservas de gás natural. No caso das renováveis, o Brasil beneficiou-se do aumento da competitividade das fontes renováveis no mundo nos últimos anos, por causa de subsídios globais necessários em prol da descarbonização imposta pelo Acordo de Paris.
No entanto, no Brasil e no mundo, esses subsídios tenderiam a desaparecer para que se tenha custos realistas de preços, sem distorções. “Por isso é importante o reequilíbrio dos preços, para que haja competição. Se os preços forem distorcidos, jamais haverá concorrência salutar”.
Já Altieri, da CCEE, ressaltou que o momento atual, de retração de consumo por causa da pandemia, abre espaço para a substituição de usinas térmicas a óleo contratadas na década passada, de custo de combustível mais elevado, baixa eficiência e muito poluentes, por usinas a gás. Essa oportunidade existe porque as atuais usinas a óleo terão contratos com distribuidoras encerrando-se a partir de 2023, criando espaço para as térmicas a gás.
Um dos efeitos mais visíveis seria a queda do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), valor de referência do setor. “Temos que ter uma parceria muito forte com a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] para fazer as melhores escolhas”, disse.
Outro tema da live foi o risco hidrológico, cuja solução está em vias de ser votada no Congresso Nacional. Conhecido no setor pela sigla em inglês GSF, o tema relaciona-se a um passivo em aberto de R$ 8,67 bilhões por decisões judiciais, que tem origem na crise hídrica ocorrida há cinco anos, que resultou em geração das hidrelétricas abaixo da garantia física (ou seja, a quantidade máxima de energia que pode ser comercializada por essas usinas).
A saída já foi definida em consenso pelos agentes do setor, mas o desfecho depende de uma lei que prorroga as concessões das hidrelétricas. O risco hidrológico é inerente ao negócio da geração, já compreendida e prevista pelo mercado, mas outros fatores sem relação com o regime de chuvas causaram o impasse, como atraso em obras de transmissão, importação de energia ou geração térmica por segurança energética.
A saída trata da compensação dos geradores para esses fatos que influíram na geração das usinas ficar abaixo da prevista. “Se conseguirmos equacionar, a partir daí teremos um alicerce muito forte para a modernização”, disse Altieri.
Além dos temas, a live abordou o crescimento das fontes renováveis e a integração entre os mercados de gás e eletricidade. Para assistir o debate na íntegra, clique aqui.