Márcio de Freitas: Tempos de conflito mantêm incerteza no horizonte
A tendência é que a linha dura do ministro do STF e a linha de defesa de Bolsonaro se batam cada vez mais conforme campanha eleitoral se aproxima
Bússola
Publicado em 9 de setembro de 2021 às 14h55.
Última atualização em 9 de setembro de 2021 às 17h54.
Por Márcio de Freitas*
O médico que receita ivermectina para covid-19 comete o mesmo equívoco de quem vê o presidente Jair Bolsonaro isolado depois dos atos em que milhares saíram em apoio ao governo no 7 de setembro. Foi uma vitória levar tanta gente às ruas. O gênio saiu da garrafa. O problema será como fazê-lo retornar. A movimentação dos caminhoneiros bloqueando estradas em vários pontos do país após a manifestação é resultado disso.
A estratégia do bolsonarismo é defensiva, mesmo com discurso de ataques às instituições. Bate diretamente no judiciário que investiga a campanha de 2018, prende aliados no mundo político, propagandistas virtuais e garroteia fontes de financiamento de apoiadores na internet. O Supremo Tribunal Federal tem um puxadinho no Tribunal Superior Eleitoral, que é comandado sempre por um ministro da primeira corte.
Na campanha de 2022, o presidente do TSE será o ministro Alexandre de Moraes. A tendência é que a linha dura do ministro e a linha de defesa de Bolsonaro se batam cada vez mais à medida que a campanha eleitoral se aproxima.
Tornar a imagem do juiz parcial é uma linha de ação de quem deseja continuar morando no Palácio da Alvorada. O eleitor de Bolsonaro acredita piamente nessa parcialidade. Usa os inquéritos e investigações contra aliados do presidente para embasar a tese. Joga com o descrédito das futuras decisões da Justiça Eleitoral para manter seu eleitorado mobilizado e coeso. E monta a tese maior de que há uma conspiração contra o governo em curso para tentar derrotá-lo no próximo ano, ou inviabilizá-lo antes.
Ministro linha dura, Moraes tornou-se o grande adversário do bolsonarismo. E, por isso mesmo, o alvo de contra-ataque. Mas ele se soma à imprensa, outra propagadora de notícias negativas, críticas e de pesquisas hoje com cenário adverso ao presidente.
Ao bater no Supremo, mesmo que apenas em um ou dois ministros, comprou-se um conflito com todos os 11 ministros. E com setores do judiciário que tem no DNA a reação corporativa. A junção desse poder com a imprensa, acrescentou uma forte linha de resistência. Até porque o governo havia se resolvido bem com o Congresso, com a adesão do Centrão e com as linhas generosas de emendas orçamentárias suprapartidárias.
A escalada do conflito contaminou relações políticas que se mantinham estáveis. O Senado se descolou do governo na onda da CPI da Pandemia. E a instabilidade espraiou-se ao ente inefável chamado mercado, já acuado com inflação e ameaça de crise energética. Bolsas caíram e o real se desvalorizou com a incerteza e insegurança interna no país.
O horizonte político indica um beco sem saída. A instabilidade é urdida pelo próprio governo. Apesar de mostrar musculatura e relativa força, Bolsonaro demonstrou não saber o que fazer com seus atributos. Foi preciso um recuo tático, registrado na declaração pacificadora elaborada nesta quarta-feira, dois dias depois do Dia da Independência, com a ajuda do ex-presidente Michel Temer, um histórico harmonizador de diferenças. A falta de rumo mostrou a necessidade de profissionais da política para costurar um movimento, ainda visto com desconfiança num primeiro momento.
Quanto tempo irá durar essa nova postura? Ninguém sabe. Mas pode ter estancado a corrosão que levava a base empresarial e financeira a apoiar movimentos contrários ao governo, como o protesto marcado para o dia 12 de setembro. Há contradição neste gesto com sua base radical, que também não se sabe como reagirá...
O eleitor de direita sempre concordou com discurso radical de Bolsonaro, em cada vírgula. E sempre o apoiou em outros temas: responsabilizar os governadores pelos efeitos da covid-19 sobre a economia; pautando a desconfiança nas urnas eletrônicas; a favor da “liberdade de expressão" e contra a ameaça “comunista”."
Os apoiadores se casaram, em comunhão de bens e espírito, com os discursos proferidos e repetidos por Bolsonaro. Poderá haver sentimento de traição ou decepção com a mudança de postura após a grande mobilização do dia 7. Há uma direita nas ruas porque ela reside na sociedade. Se o seu tamanho é de 15%, 20%, 30% é discussão menor. O fato é que Bolsonaro mobilizou esse núcleo, mesmo com resultados incertos para apresentar neste momento. Só que se tornou um governo da minoria, pela minoria, para a minoria. E isso inviabiliza qualquer presidente da República, eleito para governar o conjunto do país.
Se o país não encontrar rumo e a direção da estabilidade, seja agora ou na próxima eleição, a instabilidade será o signo de toda uma geração. Afinal, 2013 foi logo ali e nem era só por R$ 0,20. Essa incerteza permanente já está custando caro demais ao país.
*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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