Márcio de Freitas: Putin perdeu a guerra da comunicação
O serviço de inteligência russo falhou na avaliação básica do perfil do presidente da Ucrânia
Bússola
Publicado em 11 de março de 2022 às 16h30.
Por Márcio de Freitas*
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
O presidente russo Vladimir Putin perdeu a guerra da comunicação. Para um ator. E logo a Rússia, onde o Teatro de Arte de Moscou (TAM) foi berço de uma escola de interpretação para o mundo, com a técnica desenvolvida por Constantin Stanislavski. O governo da Rússia não conseguiu prever a capacidade de Wolodymyr Zelensky construir um grande personagem, no maior papel de sua vida.
O serviço de inteligência russo falhou na avaliação básica do perfil do presidente da Ucrânia. E por falta de conhecimento da sua própria cultura, afinal foi a partir das montagens cenográficas do TAM que se projetaram os textos de Máximo Gorki, Anton Tchekhov, Gogol, com o primado da técnica que Stanislavski criou e espalhou pelo mundo. É desse trabalho que bebeu Marlon Brando, essência de transmutação em personagens — por inspiração direta dos atores russos e suas composições de personagens do tempo do TAM.
Falha básica, mas com o distanciamento histórico e pouco amor ao teatro, até pode se justificar. Pior ainda é não notar a cultura mundial das redes sociais e da comunicação instantânea — tudo ali, na frente da cara, na tela do celular. Putin foi derrotado pelas imagens atrozes que vararam as conexões mundiais.
Parecia simples entrar com os tanques blindados nas pequenas cidades ucranianas, bombardear as instalações e dominar o país em dias. Parecia. Simples mortais, sem colete ou fuzis, com os punhos e a indignação se puseram à frente de toneladas de ferro, aço, explosivos e metralhadoras. Ato de coragem desesperada, bravura insana e loucura cívica dos ucranianos.
As imagens se espalham, assim como as de famílias inocentes vitimadas pela impiedade dos ataques, mesmo em rotas de fuga onde deveria haver um cessar fogo. Civis, áreas residências, maternidades e, para pavor mundial, uma usina nuclear foram atingidos — sem foco ou mira certeira numa guerra de objetivos turvos.
Os discursos de Zelensky pelas redes sociais, denunciando as barbáries, o transformaram de comediante de pastelão em herói trágico, vítima da maldade putinesca. Não tem a retórica ou força de um Winston Churchill, mas tem a dramaticidade do horror de tempos desfigurados pela truculência.
Putin acabou sendo abandonado discretamente, no cenário internacional, por quase todos aliados. Mesmo a China, percebendo os danos comerciais de seus interesses atingidos pelo enorme impacto causado pelo conflito no ambiente de negócios no mundo, passou a defender o diálogo como solução para a guerra.
Nicolás Maduro, um dos primeiros a bater continência a Putin, agora avança sobre a oportunidade de reavivar a economia da Venezuela com a proibição ao petróleo russo, imposta por Joe Biden. De inimigo, Biden virou oportunidade para Maduro, um governante com sérios problemas financeiros no seu empobrecido país, mas sentado sobre imensas reservas de petróleo. Se antes os Estados Unidos aplicavam sanções aos venezuelanos, agora podem rever a punição porque o inimigo russo é muito mais letal.
O pragmatismo norteia as relações internacionais, e os principais atores podem mudar de personalidade conforme tenham que interpretar novos papéis. A arte de criar novos personagens ultrapassa os palcos, e muitas vezes entra na vida real. Alguns, entretanto, jamais conseguem deixar de representar o vilão, que encarnam com perfeição. E Putin está sendo muito eficiente nesta sua interpretação.
*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube
Veja também
Qual a relação entre Ucrânia, Rússia, sanções e cripto
Como as empresas estão se posicionando frente à guerra
Podcast A+: Como está a corrida presidencial a 7 meses das eleições?