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Manuel Otero: a genuína competitividade dos agricultores das Américas

“A região da América Latina e do Caribe assume responsabilidade de garantir a segurança alimentar global”, diz diretor Geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA)

"A competitividade, que parece se expandir no futuro, é fruto de uma construção de décadas", afirma o articulista. (Tom Werner/Getty Images)
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Publicado em 11 de março de 2024 às 16h34.

Por Manuel Otero*

As crises simultâneas que enfrentamos levaram a agricultura e a segurança alimentar para o topo da agenda global.

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As guerras, os sinais inequívocos de uma estagnação da economia mundial e uma maior intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos afetam de maneira significativa a geopolítica dos alimentos.

Com a economia global e o comércio internacional mostrando baixos ritmos de expansão e a persistência do mundo desenvolvido por políticas monetárias contracionistas, aAmérica Latinae oCaribeiniciam o ano projetando uma desaceleração em sua taxa de crescimento econômico em relação a 2023 para parcos 1,5%, percentagem que poderia ser ainda menor em caso de uma intensificação de choques externos.

No contexto de um mundo cada vez mais complexo, nas últimas semanas, os protestos dos agricultores europeus sacudiram regiões do Velho Continente, fazendo com que a Comissão Europeia paralisasse de imediato a aplicação de uma norma para reduzir os limites no uso de agroquímicos.

A União Europeia (UE), que adota como mecanismo de estímulo para o setor a Política Agrícola Comum (PAC), cujos objetivos e programas são renovados quinquenalmente, incorporou à PAC 2023-2027 diversas metas de sustentabilidade — como o programa “ Da Horta à Mesa ”, que faz parte do Pacto Verde — e destinou€386,6 bilhões para garantir a sua execução. Desses recursos, 72% estão destinados a pagamentos diretos aos agricultores.

O descontentamento dos agricultores europeus, que demandam um maior auxílio por meio de subsídios e outras medidas de apoio, apontou também como um risco uma avalanche de importações de alimentos baratos, caso se conclua o acordo comercial com o Mercosul. Esse pacto birregional, já adiado, parece condenado a não ver a luz jamais.

Esse conjunto de fatos destaca um ponto que não pode ser minimizado: a competitividade genuína dos produtores agropecuários do continente americano, em especial os da América Latina e do Caribe, regiões que, praticamente sem subvenções, assumem a responsabilidade de garantir a segurança alimentar global, constituindo-se nos maiores exportadores líquidos de alimentos do mundo.

Considerando as Américas, um em cada quatro produtos agropecuários comercializados em âmbito global provêm do continente, representando mais de 28% das exportações totais de produtos agropecuários em geral e a mesma proporção em produtos alimentares.

Essa competitividade, que parece se expandir no futuro, é fruto de uma construção de décadas.

A região dispõe de uma riqueza natural que contribui para o eficiente ecossistema que caracteriza a sua produção agroalimentar. A esses recursos (terra, água, biodiversidade), soma-se uma história de políticas que não sustentam o setor por meio de ajudas financeiras, mas que foram bem-sucedidas por sua perspectiva de longo prazo orientadas aos mercados internacionais e que se combinam com um setor privado com capacidades produtivas e empresariais excepcionais, criativo e tenaz.

Da interação colaborativa entre essas esferas conectadas à ciência, à tecnologia e à inovação tem germinado um potente setor produtivo.

Políticas setoriais, melhoria de sementes e variedades, pousios, desenvolvimento de institucionalidades para a vigilância sanitária, maquinário adequado, novas formas de associação e inovação nas formas de produção, inclusive a expansão de Agtechs para a digitalização da agricultura, são algumas das ferramentas que promoveram o desenvolvimento do setor agroalimentar da América Latina e do Caribe.

Há experiências bem-sucedidas que constituem exemplos de equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade , como o plantio direto, os sistemas agrossilvipastoris, a melhoria dos pastos naturais, a crescente rastreabilidade das cadeias produtivas, a pecuária sustentável, a extensão da bioeconomia e a disseminação de boas práticas, que geram soluções efetivas e viáveis e pavimentam a construção dessa competitividade inquestionável.

O setor agropecuário tem um papel insubstituível nas vidas econômica e social de nossos países, que assumem, juntamente com a tarefa de alimentar o mundo de maneira sustentável, a necessidade de promover a agricultura familiar como um bastião para a consolidação da paz social na região. Os nossos produtores agropecuários e nossos agricultores familiares constituem a coluna vertebral da ruralidade no continente.

Se os desafios da agenda global são promover o crescimento, criar empregos de qualidade, combater a pobreza e a desigualdade, apoiar a resiliência perante a mudança do clima, proteger a água, a biodiversidade, a saúde e a nutrição e mitigar as causas que geram as migrações, é inevitável pensar no desenvolvimento agropecuário com uma visão sistêmica e sustentável — com os agricultores das Américas como os grandes protagonistas — como parte das soluções, não dos problemas.

*Manuel Otero é diretor geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

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