Julho sem plástico: não basta reciclar, é preciso reduzir o descarte
O movimento traz a ideia de que as pessoas podem se recusar a utilizar plásticos de uso único em suas vidas diárias. Entenda no artigo de consultores em ODS e sustentabilidade para empresas
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Publicado em 20 de julho de 2024 às 15h00.
Última atualização em 23 de julho de 2024 às 17h51.
Por Rafael Kenji e Thaís Scharfenberg*
O plástico é um material feito a partir de um processo chamado de polimerização, que une cadeias de monômeros naturais ou sintéticos, muitas vezes a partir do petróleo. Os três principais tipos de plástico são o Polietileno Tereftalato ( PET ), o Policloreto de Vinila (PVC) e o Polimetilmetacrilato, ou acrílico. Por serem compostos por cadeias extensas de polímeros não degradados por bactérias e fungos presentes normalmente no meio ambiente, os materiais feitos de plástico levam, em média, de 200 a 400 anos para se decompor. Sua queima gera gases tóxicos ao meio ambiente e sua reciclagem requer um extenso processo de separação de materiais, já que não é adequado misturar tipos diferentes de plástico para a reciclagem.
Presente na rotina de todas as pessoas ao redor do planeta, o plástico se tornou muito popular logo após sua criação, em 1862. Contudo, seu descarte se tornou um grande problema, já que após utilizado, ele permanece durante centenas de anos no ambiente. Existem relatos de mergulhadores que encontram plástico datados da primeira guerra mundial nos corais em Fernando de Noronha, e de pedaços de plástico de bala e garrafas da Ásia nas cadeias de corais de Pernambuco, com décadas de existência.
Estudos da UNEP, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, revelam o quanto a situação é alarmante. São produzidas cerca de 400 milhões de toneladas de resíduos plásticos por ano e a produção global de plástico primário deverá atingir 1.100 milhões de toneladas até 2050. Apesar dos esforços atuais, estima-se que 75 a 199 milhões de toneladas de plástico sejam encontradas atualmente nos oceanos.
Para enfrentar esse problema, uma alternativa foi criada pelo francês Maurice Lemoine, em 1926, o plástico biodegradável, ou bioplástico, que após a decomposição por bactérias, produz água, CO2 e biomassa. Este tipo de plástico foi gradativamente substituído em sacolas de supermercado e canudos. Contudo, para que o bioplástico seja corretamente biodegradado, ele precisa ser separado e passar por um processo de compostagem nas usinas industriais de compostagem, para que em até 180 dias ele seja degradado.
Em primeira vista, o plástico biodegradável parecia ser a solução ao uso do material tradicional. Porém, o grande problema envolvendo o plástico biodegradável está na falta de locais adequados de coleta e tratamento. Dados do IBGE apontam que existem menos de 100 usinas de compostagem no Brasil, sendo que grande parte delas está desativada.
Movimento Julho sem Plástico
Apenas a troca do plástico tradicional pelo biodegradável não resolverá o problema causado pelo material, já que fora das usinas de compostagem industrial o plástico biodegradável terá o mesmo destino que o tradicional: lixos, esgotos e oceanos, onde demorarão dezenas e até centenas de anos para se decompor, formando microplásticos que são ingeridos por animais de vida marinha, e até mesmo reingeridos pelo ser humano, podendo se acumular nos órgãos. Um estudo recente da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia detectou microplásticos em bebês recém-nascidos.
Para diminuir o impacto do descarte do plástico, foi criado o Movimento Julho sem Plástico. O movimento parte do princípio que as pessoas sabem que reduzir a utilização dos materiais em suas diversas formas tem um impacto positivo no meio ambiente, mas poucas enxergam o poder das suas ações individuais, como a simples substituição do canudo de plástico pelo de metal. Nesse sentido, o movimento, que começou na Austrália em 2011, se concentrou em soluções práticas e aplicáveis de forma individual, para então demonstrar a diferença que a ação coletiva pode fazer.
Trabalhando com conceitos da ciência comportamental, o movimento traz a ideia de que as pessoas podem se recusar a utilizar plásticos de uso único em suas vidas diárias. Em 2021, os participantes reduziram os resíduos não recuperáveis em aterros sanitários em 1,2 bilhão de kg e os resíduos recicláveis em 900 milhões de kg, incluindo o consumo de plástico em 0,3 milhão de toneladas.
Enquanto o consumo ainda se mantém alto, a reutilização é uma das maneiras de diminuir o descarte do material, como a produção de vassouras ecológicas feitas com plástico reciclado no Rio de Janeiro, em um projeto do instituto ISECENSA (Instituto Superior de Ensino do Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora).
Opções de substituição do plástico
Com o avanço da tecnologia, novos materiais foram criados, com o objetivo de diminuir a dependência do plástico, como produtos mais sustentáveis e de decomposição natural. Um grande exemplo é a embalagem feita de mandioca da empresa brasileira Já fui Mandioca, que utiliza fécula da mandioca-brava para a produção de embalagens para alimentos. Após o descarte, a embalagem é completamente compostável, mesmo que descartada no lixo tradicional.
No varejo, muitas lojas da Europa e Estados Unidos já estão substituindo o plástico bolha pelo papel kraft para embalagens, chamado também de papel colmeia, que além de ser reciclável e compostável, ocupa menos espaço que o plástico bolha e garante segurança no transporte, evitando quebras e danos nos produtos embalados.
Gigantes do setor de tecnologia também já se comprometeram com a sustentabilidade, como o plano Apple 2030, com a opção da empresa de tecnologia por materiais recicláveis e renováveis em seus produtos e embalagens, além do transporte de baixa emissão de carbono. Há alguns anos, a Apple não usa plástico em suas embalagens, trocando o material por papel e fibras de tecido, exceto o plástico necessário para proteger os produtos contra descarga eletrostática.
Não basta reciclar, é preciso reduzir o descarte (e o consumo)
De acordo com o WWF, Fundo Mundial para a Natureza, o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo, atrás apenas de países como Estados Unidos, China e Índia. O país também é um dos que menos recicla o plástico, com menos de 2% do material descartado reciclado, apesar de reciclar cerca de 60% das garrafas PET descartadas, um dos tipos de plástico comercializados, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET).
Devido ao alto descarte, vinculado à grande dependência do uso do plástico no Brasil, com baixos índices de reciclagem, para resolver os problemas gerados pelo material no meio ambiente, não basta apenas a reciclagem do produto, já que boa parte dele chegará aos lixões da maneira inadequada. É necessário reduzir o consumo do plástico, com a implantação de novas tecnologias que substituem o material.
A redução do descarte só será eficaz quando também for vinculada à redução do consumo do plástico, em todas suas formas, seja ele o tradicional ou o biodegradável. As ações individuais, quando somadas, mudam culturas e mostram que o plástico não é tão essencial no dia a dia das pessoas, podendo ser facilmente substituído por materiais mais sustentáveis como o metal e vidro reutilizáveis, bambu e papel.
*Rafael Kenji é médico e Thaís Scharfenberg é internacionalista, consultores em ODS, ONU e sustentabilidade para empresas.
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