Evolução positiva da pandemia no Brasil está diretamente associada ao processo de vacinação (Governo do Estado de São Paulo/Flickr)
Bússola
Publicado em 30 de novembro de 2021 às 16h59.
Última atualização em 30 de novembro de 2021 às 17h47.
Por José Márcio Camargo*
O aparecimento de uma nova variante do coronavírus em países no sul do continente africano acendeu o sinal de alerta entre os infectologistas quanto à possibilidade de um novo surto da pandemia. Os dados disponíveis ainda não nos permitem avaliar a gravidade da nova variante. Por um lado, as primeiras informações indicam um grau de transmissibilidade maior do que o de outras variantes. Por outro, não existem ainda informações suficientes para avaliar se a gravidade da doença é maior ou menor e se esta nova variante é mais ou menos resistente às vacinas disponíveis.
No Brasil, o número de casos e de óbitos tem mostrado desaceleração desde junho de 2021. Após uma forte segunda onda no primeiro semestre, quando o número de casos ultrapassou a casa dos 60.000 por dia e o número de óbitos mais de 3.300 por dia, o número de novos casos caiu a níveis próximos a 9.000 por dia e o de óbitos a 230 por dia na média móvel das últimas semanas. E continua em queda.
Segundo os epidemiologistas, esta evolução positiva da pandemia no Brasil está diretamente associada ao processo de vacinação. De um lado, o Ministério da Saúde já disponibilizou mais de 360 milhões de doses de vacinas, das quais cerca de 300 milhões já foram aplicadas pelos municípios, através do SUS. Por outro lado, existe uma tradição de vacinação arraigada no país, com pouca ou praticamente nenhuma resistência a vacinas.
Esta combinação de disponibilidade de vacinas, tradição de vacinação e a existência de um Sistema público de Saúde gratuito para toda a população (SUS) permitiu que em menos de um ano o país tenha conseguido vacinar 75% de sua população com uma dose e 63% com duas doses de vacinas, o que é um grande sucesso para um país de 210 milhões de habitantes. Segundo os epidemiologistas, esta é uma das principais razões do bom comportamento da pandemia no Brasil.
Entretanto, se o cenário a nível nacional é bastante positivo, os dados a nível regional e por renda per capita mostram um comportamento pouco homogêneo e, em alguns casos, preocupante. Em termos regionais, enquanto as regiões Sudeste e Sul têm, respectivamente, apenas 7,5% e 9,0% de suas populações acima de 12 anos não vacinadas, o Nordeste e o Norte têm 14,2% e 23,1% de suas respectivas populações acima de 12 anos não vacinadas. Estes são níveis de não vacinação similares aos de países que estão vivendo a quarta onda da pandemia na Europa, como Áustria (24,8%), Suíça (24,4%) Alemanha (23,1%) e Suécia (16,1%).
Além da questão regional, o acesso a vacinas também é desigual quando olhamos por nível de renda. Existe uma forte correlação negativa entre a renda per capita dos estados e a porcentagem da população acima de 12 anos não vacinada e uma correlação positiva entre a porcentagem da população do estado que está abaixo da linha de pobreza e a porcentagem da população acima de 12 anos não vacinada. Em outras palavras, quanto menor a renda per capita do estado, menor a porcentagem da população acima de 12 anos já vacinada; e quanto maior a porcentagem de pobres, maior a porcentagem da população acima de 12 anos não vacinada.
Em suma, apesar da existência do SUS, cujo objetivo é exatamente universalizar o acesso às políticas de saúde, as dificuldades de acesso regional e a pobreza continuam sendo fatores determinantes da desigualdade de acesso da população a vacinas. No caso da Região Norte, as distâncias e o difícil acesso podem justificar, pelo menos em parte, a baixa taxa de vacinação. De qualquer forma, é fundamental que o SUS agilize o processo de vacinação nesta região para evitar que as condições sejam favoráveis a uma retomada da pandemia. No caso do Nordeste e dos pobres a ainda elevada proporção de não vacinados é injustificável. Afinal, com a disponibilização das vacinas, não existe razão para que os mais pobres não sejam vacinados através do SUS. Estes são os desafios da vacinação.
*José Márcio Camargo é professor titular do departamento de economia da PUC/Rio (aposentado) e economista-chefe da Genial Investimentos
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