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"Investidor precisa saber qual é a regra do jogo", diz Everardo

Especialista fala sobre os efeitos da insegurança jurídica na atração de investimentos para novos negócios no Brasil

Everardo Maciel: "O dinheiro é covarde" (Bússola/Reprodução)
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Bússola

Publicado em 25 de agosto de 2022 às 14h15.

Por Bússola

A insegurança jurídica é apontada por dez entre dez especialistas como um dos principais entraves para a atração de investimentos e novos negócios em qualquer país. O assunto volta ao centro do debate todo ano eleitoral, já que o Brasil não alcança bons resultados nos principais rankings indicadores do quesito.

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A Bússola inicia hoje a publicação de uma série de entrevistas com grandes nomes do mercado e da academia sobre insegurança jurídica e seu impacto no desenvolvimento econômico e na atração de investimentos para o Brasil, além de sua influência na tomada de decisão das companhias já instaladas aqui. Inaugura a série o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.

Reconhecido como um hábil e sagaz especialista tributário e testemunha, desde a década de 70, das mais diversas propostas de alteração deste intrincado sistema e de seus efeitos na economia, não há projeto de reforma que tenha escapado à sua lupa, o que oferece a ele uma visão privilegiada dos movimentos de governo e mercado. O também professor menciona a falta de clareza e a imprecisão da redação das leis, a instabilidade jurídica, a falta de respeito a decisões anteriores e o excesso de normas como complicadores da situação.

Para Maciel, o cumprimento das leis requer o conhecimento das regras e, para isso, elas precisam ser claras e estáveis. Para ilustrar, ele estima que, desde a promulgação da Constituição de 1988, uma nova emenda foi aprovada por trimestre. “Se você admite que cada emenda tem em média 12 normas, o que é uma hipótese conservadora, temos quatro normas por mês, o que dá uma nova norma constitucional por semana. Eu não consigo conhecer o que muda todo dia.”

Somente o capítulo que trata da questão tributária, acrescenta Maciel, tem mais palavras do que toda a Constituição americana. “Isso é herança do processualismo italiano e do excesso de detalhismo de algumas vertentes que influenciaram a concepção da Carta Magna brasileira, que tem índole analítica e minúcias que deveriam estar num decreto, em uma portaria”, afirma.

O resultado é o excesso de judicialização das questões, onerando ainda mais empresas e estado, como no caso do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tem um contencioso de R$ 3,5 trilhões em disputa. “Concorre também para isso a má qualidade crescente das leis, elas são ruins e estão piorando”, afirma. Ele cita a Emenda Constitucional 87 (sobre o ICMS), que em um artigo diz que ela produziria efeitos a partir de 2015; no seguinte, diz que seria em 2016. “É 15 ou 16? E não se trata de uma questão filosófica, é algo puramente objetivo.”

De acordo com Maciel, tudo isso combinado – processualismo, indeterminação conceitual, índole excessivamente analítica da Constituição – produz a insegurança jurídica. Na análise do ex-secretário da Receita: “Você não sabe o que é. E o que você sabe o que é, pode deixar de ser. Do ponto de vista do investidor, costumo dizer que o dinheiro é covarde, evita pisar em terreno instável, o investidor precisa saber qual é a regra do jogo”, afirma.

Ele acrescenta que já aconselhou uma empresa do setor energético a sair do país após distorções na interpretação da lei que geraram uma espécie de perseguição. E menciona, ainda, as disfunções da fisiologia do estado brasileiro – foco de reflexão de Maciel há alguns anos e que pode resultar em uma publicação. O tributarista cita a insegurança jurídica entre essas disfunções e sugere que é difícil emplacar soluções para elas.

Questionado se sua pesquisa sobre essas disfunções do estado já representaria uma proposta de reforma para o governo, ele riu. “Em torno dessas disfunções, tem muita gente que ganha dinheiro. Eu convencer as pessoas que elas vão deixar de ganhar dinheiro é difícil, né?”.

Imposto

Sobre a criação de impostos específicos para certos perfis de produtos, Maciel classifica a possibilidade como hipocrisia do Estado, que visaria, segundo ele, recompor a arrecadação fiscal que pode sofrer perdas previstas em diferentes propostas de reforma tributária. "Isso é perigoso”, diz.

“São coisas como essas que comprometem os investimentos. Você não vai investir naquilo que você não sabe o que é. Levando ao limite, alguém se anima a fazer investimentos na Síria? Por mais carinho que eu tenha pelo país, é muito inseguro. É como eu disse, o dinheiro é covarde”, declara.

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