"As próximas semanas serão cruciais, com o início dos debates no Congresso Nacional" (Edwin Tan/Getty Images)
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Publicado em 23 de abril de 2024 às 10h00.
Por Guilherme Rocha*
Assim como em outros setores, a inteligência artificial tem-se mostrado bastante útil à área do Direito, demonstrando eficiência e agilidade na prestação de serviço dos advogados. Com certa frequência, os profissionais estão recorrendo ao ChatGPT, talvez a mais famosa das ferramentas, para obtenção de auxílio em pesquisa, análise, correção e padronização de documentos.
Resolvemos testar esse novo instrumento de trabalho perguntando sobre quais seriam os riscos envolvidos na revogação prematura do Perse, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos que foi instituído pela Lei nº 14.148/2021 e alterado pela Lei nº 14.592/2023 e que trouxe um pacote de regras fiscais para compensar os efeitos das medidas de isolamento social impostas durante a pandemia ao setor de eventos e turismo.
Antes de analisar a resposta, é importante entender que o ChatGPT é treinado a partir de grandes volumes de texto provenientes da internet, permitindo que adquira densa informação sobre diversos assuntos. Muito embora seja uma ferramenta poderosa e útil, também apresenta limitações, como a impossibilidade de oferecimento de soluções e assessoria jurídica personalizada.
A ferramenta apresentou algumas preocupações dos setores de eventos e turismo, como por exemplo:
Não é novidade para ninguém que desde a edição da MP nº 1.202/2023, criada sob a justificativa de cumprimento da meta de déficit fiscal zero para 2024, os setores de eventos e turismo se veem numa encruzilhada. E não é para menos, as próximas semanas serão cruciais, com o início dos debates no Congresso Nacional para conversão ou não em Lei da mencionada MP. Paralelamente, tramita o PL 1026/2024, de iniciativa da base governista, que tenta, por outra via, estabelecer alíquotas reduzidas e outras restrições para o Perse, sem extingui-lo integralmente como se fez por meio da MP.
É inquestionável que o Perse se mostrou essencial para a retomada destes setores – talvez os mais afetados pela pandemia. A Exposição de Motivos nº 00175/2023, que instrui a MP, ignorou completamente o fato de que somente com o Perse foi possível a geração de emprego e renda. Trouxe como fundamento para a revogação ser o Programa excessivamente custoso, com impacto entre R$ 17 e R$ 32 bilhões. Ocorre que a margem de erro informada denota que o Ministério da Fazenda não sabe afirmar o real impacto e tampouco indica a metodologia utilizada.
Nunca é demais lembrar que o Perse foi concedido pelo prazo de 60 meses, condicionado ao atendimento aos requisitos previstos na Lei nº 14.148/2021 e na Portaria ME nº 7.163. Sua abrupta revogação gera incerteza e freia bruscamente os investimentos por novos negócios no País, afrontando a proteção dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança legítima. Isso porque o art. 178 do Código Tributário Nacional é claro ao prever que a isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada.
O próprio STF já se debruçou sobre matéria análoga, assentando na Súmula 544 que “isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”. É importante registrar que isenção e alíquota zero ostentam equivalência funcional quanto à eliminação do tributo devido. São fenômenos idênticos e tal jurisprudência, a nosso ver, se aplica perfeitamente ao presente caso.
Voltando ao ChatGPT, perguntamos se a revogação do Perse poderia ser contestada judicialmente e, prudentemente, a IA recomendou que se buscasse a orientação de um advogado especializado na área para obter a assistência mais precisa e atualizada.
Não há dúvida de que há argumentos concretos para que os contribuintes questionem a revogação dos benefícios concedidos pelo Perse, seja por meio da MP 1.202/2023 ou do que surgir pela tramitação do PL 1026/2024, devendo o Poder Judiciário ser provocado para pacificar a questão.
Por fim, é importante fazer a seguinte reflexão: não podemos desconsiderar a contribuição da tecnologia, mas o olhar do especialista – neste caso, do tributarista, sempre será um diferencial.
* Guilherme Rocha é sócio do Raphael Miranda | Mello | Raposo | Barbosa Advogados e especialista em Consultivo e Contencioso Tributário, Administrativo e Judicial.
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