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Geekonomy: A dura vida de quem esperava uma E3 diferente

Reconhecida como principal evento de games desde 1995, E3 de 2021 decepciona e amarga sua própria irrelevância em momento de aquecimento da indústria

Com seu início em 1995, o evento anual só deixou de acontecer em 2020 por conta da pandemia. (E3/Reprodução)

Com seu início em 1995, o evento anual só deixou de acontecer em 2020 por conta da pandemia. (E3/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 20 de junho de 2021 às 10h00.

Por Cauê Madeira*

O meu erro é bem humano. É um crime que não evitamos. Esse princípio alguém jamais destrói. Errei, erramos. Ataulfo Alves se foi sem ter a ideia do que era um videogame, visto que o primeiro modelo comercial de um arcade só foi a público por volta de 1971. O compositor morreu dois anos antes. Mas hoje me valho de seus versos para ilustrar, na maior sofrência digna de filosofia de botequim, essa vida cheia de emoções que é a de ser um aficionado por assuntos geek.

O erro aqui é o da expectativa. Tal como um relacionamento desequilibrado, meio tóxico, o público dos games eleva suas apostas para além do que é possível, esperando encontrar a cada ano uma nova revolução em suas franquias de jogos favoritas. E acabam quebrando a cara. Não existe chão para o profundo túnel da esperança exagerada.

A última semana foi tomada, no universo da cultura pop, pela Electronic Entertainment Expo, ou simplesmente E3, há anos considerada como a mais importante feira internacional dedicada a jogos eletrônicos. Com seu início em 1995, o evento anual só deixou de acontecer em 2020 por conta da pandemia. E ouso dizer que essa edição digital de 2021 foi um fracasso.

Não quero parecer injusto. Há que se reconhecer a importância histórica da E3, que por muito tempo serviu como o grande acontecimento da indústria. Foi em sua primeira edição, por exemplo, que foram divulgadas as primeiras especificações do Ultra 64, que viria a ser rebatizado como Nintendo 64 e marcou um importante momento da guerra dos consoles da quinta geração, até então praticamente tomada pela disputa entre Nintendo e Sega. Nessa geração a Sony se consagrou no mercado com seu PlayStation, que teve seu preço revelado na mesma feira, no mesmo ano.

Há muitos momentos históricos relacionados à indústria de games e esse marco anual que sempre foi a E3. Mas em meio a tantas reestruturações – hoje é aberto para o público consumidor, mas já foi um showcase anual voltado para o trade e em duas ocasiões apostou em um modelo mais comedido focado em negócios – algo ficou solto.

A impressão que fiquei é que esse evento online foi bastante superficial e mal estruturado. Houve uma tentativa de se criar um espaço digital dentro do site da feira, simulando a experiência dos estandes presenciais. No fim, não era nada além de páginas internas simples, uma espécie de site de imprensa que, em vários momentos do evento, sequer foram atualizados em tempo real. Esquecido por quem preferiu acompanhar o streaming diretamente ou recorreu ao bom e velho Twitter ou aos veículos especializados.

Fora isso, embora tenham surgido anúncios de jogos e títulos bem interessantes, o que se viu foram videoconferências individuais das empresas, com pouquíssima demonstração de gameplay, baixa criatividade e incidência de possibilidades interativas e pouquíssimas oportunidades para, afinal, jogar os títulos anunciados. É como se, por uma coincidência, as várias publishers do mercado tivessem marcado seus anúncios para uma mesma semana sem combinar.

Aliás, se você parar pra ver, praticamente nenhuma das empresas que participaram da E3 mencionou de fato o evento. Optaram, na maioria das vezes, por citar apenas o nome de seu próprio evento. Nintendo Direct; Ubisoft Forward; Square Enix Presents. Pode conferir lá nas redes sociais de cada. A menção à feira nos veículos oficiais é baixíssima.

E claro, há que se levar em consideração a óbvia e necessária preocupação com a saúde em um momento de pandemia, o que por si só justifica a transição para o online. Mas com mais de um ano nessa situação e milhões de eventos para fazer benchmarking, a experiência da E3 poderia ter sido mais bem estruturada. Em respeito ao legado da feira, talvez fizesse sentido pular mais um ano, retomando em 2022 com a edição presencial que todos merecem.

A desidratação da E3, no entanto, não começou com a pandemia. Aos poucos, muitas companhias retiraram sua presença anual, a mais notória sendo a Sony e seu Playstation, que pela segunda vez fica de fora. E como dito ao justificar sua ausência em 2019, a feira "não é o principal local para o que a Sony busca focar neste ano".

E talvez estejam certos. Há tempos a indústria deixou de ser um nicho só para se tornar um grande aglomerado dos mais diversos nichos possíveis. Cada empresa, cada console, cada título, cada plataforma conta com sua própria comunidade, com seus eventos e relacionamentos próprios. O público geek, aquele que não apenas consome, mas estuda, cobra das empresas, se importa e cria grande expectativa, talvez nunca mais estará satisfeito em um evento como esse.

O erro que reporto aqui, sim, tem um grande peso na expectativa de seu público. Mas há que se saber quando é a hora de parar.

Talvez, afinal, seja o momento para a E3 deixar de existir, ao menos no formato que é hoje, para não velejar de vez em direção à obsolescência. Não quero ser dramático. Há vida após a E3, isso é óbvio. E o mercado vai bem, isso é mais óbvio ainda. Mas não posso deixar de encerrar essa pequena e dramática reação de um inveterado geek velho sem recorrer, uma última vez a Ataulfo.

Vai, vai mesmo.

Eu não quero você mais

Nunca mais

Tenha a santa paciência

Ponha a mão na consciência

Deixe-me viver em paz

*Cauê Madeira é sócio-diretor de Growth na Loures Consultoria

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