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Fernando Shayer: engajamento e aprendizagem na volta às aulas presenciais

A escola deve prover experiência de aprendizagem que vá além da repetição do conteúdo que está no YouTube e usar a tecnologia a serviço do engajamento

O ato de aprender envolve integrar e consolidar novas informações (Maskot/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 23 de novembro de 2021 às 13h17.

Última atualização em 23 de novembro de 2021 às 14h07.

Por Fernando Shayer*

Depois da invenção do fogo, da roda (e do futebol), o próximo grande feito da humanidade será a invenção de algo que substitua o ferrinho do dentista. Há poucas experiências tão necessárias, mas tão sofridas, do que passar horas sendo torturado com uma pequena britadeira nos dentes. Na ausência de uma tecnologia silenciosa e prazerosa, a cada seis meses (para alguns, a cada seis anos), passamos por esse massacre. Saímos reclamando, mas voltamos. Não temos opção.

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Nessa última década, vivemos, por outro lado, uma série de serviços que se transformaram completamente. Não vamos à agência bancária, fazemos um pix. Pedimos comida, medicamentos e bens de consumo em casa, sem filas ou horas no trânsito. Não tomamos chuva atrás de um táxi disponível, pedimos um Uber. Por que não fazíamos isso antes? Muito simples: porque não tínhamos essas opções.

Quando penso nessas mudanças, me recordo das aulas de história geral que eu tive na escola: longas, áridas, em que eu ficava 50 minutos quieto, copiando o conteúdo da lousa ou anotando as falas da professora. Eu aguentava isso, também, por completa falta de opção. Se eu não aprendesse o conteúdo na sala de aula, não o aprenderia mais em lugar algum. Na verdade, em quase nenhum, porque eu tinha uma enciclopédia em casa.

O mais incrível de tudo é que isso acontece ainda hoje: assim como no dentista, seus filhos, algumas gerações depois, em plena Revolução Digital, ainda passam pela mesma experiência pedagógica dolorida, todos os dias.

No entanto, há agora duas diferenças importantes em relação ao que vivemos no passado. A primeira é que há outra opção. Basta entrar no YouTube e digitar “aula de Revolução Francesa”, ou de qualquer outro tema, e você encontrará instantaneamente inúmeras aulas, em diferentes formatos, tais como desenhos animados, músicas, aulas expositivas gravadas por professores e videodocumentários internacionais. São conteúdos muito engajadores, normalmente de curta duração, feitos muitas vezes por educadores e que retêm a nossa atenção imediatamente. E a de seus filhos mais ainda. Para que gastar tempo e dinheiro na escola, se você tem tudo isso em casa, de graça? A sala de aula tem de oferecer mais do que isso.

A segunda diferença tem de ver com a pandemia. As crianças que nasceram antes de 2011 são da geração Z, e as que nasceram depois da geração Alpha. Elas cresceram num mundo em que ninguém mais sai de casa sem celular, em que todos mandam dezenas ou centenas de mensagens por dia. Um mundo “figital”, físico + digital, um termo que o pessoal de marketing e tecnologia gosta de usar: interagimos no mundo físico (não somos personagens dentro de um joguinho eletrônico, pelo menos até segunda ordem), mas sempre com o mundo digital nas mãos.

Esse processo de digitalização de nossa experiência cotidiana se acelerou brutalmente durante a pandemia. Como teria sido ficar 18 meses em casa sem a Netflix, o Spotify, as notícias dos sites e jornais digitais, o WhatsApp e o Instagram? Mais do que isso: imagine como teriam sido as filas de supermercado sem a entrega delivery? Se fossemos obrigados a nos expor mais ao risco de contaminação nas filas das farmácias ou nos escritórios, se não existisse a alternativa remota? Teria sido ainda pior.

Para as crianças, o efeito da digitalização foi mais exponencial. Nessa fase, a interação social é chave. Não ir à escola nem ver ou brincar com os amigos tem um efeito muito negativo no desenvolvimento cognitivo e emocional de uma criança. Por isso, mesmo que não seja ideal a sociabilização dos jovens apenas por meio digital, ela é muito melhor do que o isolamento completo. Como contrapeso, cresceu de tal forma e por tanto tempo a profundidade do vínculo entre os jovens e os smartphones, iPads e computadores, que o padrão de interação deles com o mundo externo tornou-se essencialmente figital. Se, para você, esquecer o celular em casa dá uma sensação de ter abandonado um braço, para eles é muito pior, porque toda a sua experiência social sempre passou também por uma tela.

Com a pandemia, essas duas novas gerações ficaram ainda mais acostumadas a criar, por exemplo, vídeos no TikTok, a se comunicar, por meio dos inúmeros aplicativos pelos quais falam com os amigos a todo o tempo, a interagir com pessoas de diferentes partes do mundo por meio de jogos eletrônicos como Roblox e Minecraft, e a criticar, acessando notícias relevantes como sobre Black Lives Matter e Greta.

Na volta às aulas presenciais, isso se refletirá no engajamento dos alunos dentro da sala de aula. Uma experiência pedagógica que seja exclusivamente analógica, e em que os professores dêem palestras áridas de conteúdo e não estimulem os alunos a criar, se comunicar, interagir ou criticar, será como expô-los ao ferrinho de dentista durante 6 horas por dia, cinco dias por semana. Ninguém merece.

Nessas circunstâncias, o corpo dos alunos estará presente, mas o cérebro, o coração e a alma estarão em outro lugar. Em Ciência da Aprendizagem, há inúmeros estudos que indicam que a aprendizagem e o resultado acadêmico diminuem quando os estudantes não estão intrinsecamente motivados, isto é, quando sua motivação é apenas extrínseca, de ser aceito pelos seus pais e professores. O papel da escola na volta às aulas presenciais será esse: prover uma experiência de aprendizagem que vá além da repetição do conteúdo gratuito que está no YouTube e usar a tecnologia a serviço do engajamento e do aprendizado.

*Fernando Shayer é cofundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

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