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ENTREVISTA: Se um produto traz malefícios, proíbe; tributar não resolve

Everardo Maciel, ex-secretário da Receita, fala sobre impostos, reforma tributária e Zona Franca de Manaus

Para ex-secretário da Receita só um "governo inepto" poderia aumentar impostos em plena pandemia (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Da Redação

Publicado em 29 de maio de 2021 às 10h30.

Última atualização em 7 de junho de 2021 às 13h08.

Por Bússola

Consultor Tributário e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, Everardo de Almeida Maciel, ex-secretário da Receita Federal, mantém-se em destaque no meio acadêmico como um dos mais celebrados analistas sobre temas relacionados à área tributária. Nesta entrevista exclusiva para a Bússola, ele fala sobre os impostos cobrados sobre produtos considerados prejudiciais, os sin taxes (impostos do pecado).

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“Se um produto traz malefícios, proíbe o consumo, a tributação não resolve o problema”. O ex-secretário, também trata a reforma tributária, que considera “não republicana”. O ex-secretário analisa também a reforma tributária, que considera “não republicana”, observando que, como se disse em relação às propostas de reforma tributária na Colômbia, “somente um governo inepto seria capaz de encaminhar um projeto aumentando impostos de alguns setores no meio de uma pandemia”.

Maciel fala ainda sobre o conceito de imunidade tributária em um momento em que o governo federal avalia a possibilidade de redução de benefícios fiscais constitucionais como os concedidos na Zona Franca de Manaus.

Bússola: Assim como aconteceu com o cigarro, há projetos de leis, no âmbito da reforma tributária, que propõem a criação de imposto extra sobre bebidas como refrigerantes e sucos. O que o senhor pensa a respeito de impostos cobrados sobre produtos considerados prejudiciais à sociedade?

Everardo Maciel: O uso de tributos para regular condutas remete ao século 17. Os alvos preferenciais eram o jogo, o tabaco e a bebida, tributados pesadamente no âmbito do que se denominou “impostos do pecado” ( sin taxes, em inglês).

No México, a tributação sobre bebidas com açúcar não deu resultado nenhum. Se um produto traz malefícios, deve-se proibir o consumo, a tributação não resolve o problema. No Canadá, o que foi que aconteceu com o aumento do tributo sobre o cigarro? Aumentou o contrabando.

Taxar produtos considerados prejudiciais é um método inadequado de tributação. Então vamos fazer o contrário também, vamos legalizar a maconha para gerar tributos. Tem que cobrar o mínimo de coerência.

Bússola: Ainda falando de reforma tributária, qual a sua percepção sobre as propostas que prometem simplificar o sistema tributário brasileiro?

Everardo Maciel: Vou começar citando um exemplo: em 1995, o Brasil resolveu instituir a isenção do Imposto de Renda sobre os lucros ou dividendos. Na época, todos os países estavam fazendo isso. O tempo passou e muitos deles começaram a desistir, exceto o Brasil. Agora o plano Biden quer retornar com isso.

Então o sistema tributário brasileiro, apesar dos defeitos, é um dos mais modernos do mundo.

Sobre as PECs que estão no Congresso [PECs 5 e 110], fico perplexo em imaginar que um projeto de reforma tributária que interessa à sociedade brasileira não seja conduzido pelo Estado, porque isso requer imparcialidade e, portanto, não pode estar na alçada privada.

Trata-se de um mero projeto de redistribuição que consiste em reduzir a carga tributária para uns e aumentar para outros. Um equívoco que abala a legitimidade das reformas, tornando-as não republicanas.

Além do mais, somente um governo inepto seria capaz de encaminhar um projeto de reforma tributária aumentando impostos no meio da pandemia.

Bússola: Isso significa que o senhor considera que a reforma pode não ser justa ou eficaz?

Everardo Maciel: Vou citar um exemplo: de acordo com as pretensões do governo, a venda de livros passaria a ser tributada em 12%.  Do ponto de vista da arrecadação, nada significa. O autor de um livro é remunerado em 10% do preço de capa, mas com a alíquota de 12% fica inviabilizada a remuneração dele.

Com a PEC 45, pequenos e médios prestadores de serviços teriam um aumento desproporcional de carga tributária, com a justificativa de que são subtributados, enquanto os maiores beneficiários seriam as instituições financeiras.

Quem paga essa conta são, por exemplo, escolas e serviços médicos, o que pode repercutir sobre o preço das consultas e das mensalidades.

Bússola: Em artigo publicado recentemente, o senhor criticou a pretensão do governo de financiar o auxílio emergencial por meio de medidas como a instituição do imposto sobre grandes fortunas e a revogação da isenção de IR para a distribuição de dividendos. Qual é o problema desse tipo de medida?

Everardo Maciel: Imposto sobre grandes fortunas é uma iniciativa que qualifico como demagógica. Criado na década de 1980 no governo Mitterand, na França, acabou influenciando a Constituição Brasileira de 1988 e, hoje, quase nenhum país no mundo tem mais esse tipo de imposto.

Por uma combinação de razões, converteu-se apenas em uma “provocação tributária” sem eficácia nenhuma, que apenas estimulou a migração de domicílios fiscais para o exterior.

Sobre revogar a isenção de IR para a distribuição de dividendos, considero um erro. Hoje, o contribuinte é livre para reinvestir, investir em outro negócio ou consumir. Ao tributar dividendos, reduz-se a liberdade econômica e aumentam-se as possibilidades de evasão fiscal.

Bússola: A PEC Emergencial, que se converteu na Emenda Constitucional 109, estabeleceu regras voltadas para redução dos benefícios fiscais federais, impactando as imunidades tributárias, entre elas as relativas à Zona Franca de Manaus. Qual sua opinião sobre isso?

Everardo Maciel: Na pretensão de encontrar fonte de financiamento para despesas decorrentes do enfrentamento da pandemia, a Emenda Constitucional (EC) nº 109, de 2021, decorrente da PEC Emergencial, estabeleceu regras voltadas para redução dos benefícios fiscais federais, de modo que, no prazo de oito anos, não ultrapasse 2% do PIB.

O artigo 165, § 6º, da Constituição Federal, define que “O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”.

O objetivo era mostrar o que está impactando regionalmente o país, mas nunca se tratou de despesa regionalizada. Note que o artigo fala em isenção, e não em imunidade. Qual a diferença?

Imunidade é um imperativo constitucional, você não tem que discutir. A isenção não. É um produto da lei, portanto infraconstitucional. Aí criaram a renúncia fiscal, ficou mais romântico e misturou tudo.

Apesar de prever a diminuição de incentivos e benefícios tributários, a EC nº 109 congelou, pelo prazo de oito anos, os critérios aplicados àquelas imunidades e às relativas à Zona Franca de Manaus.

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