Emannuelle Junqueira: o croqui do clima
A COP26 terminou com um “croqui” na mão; de nada adiantam metas ousadas e discursos poderosos se eles não ganham vida
Bússola
Publicado em 2 de dezembro de 2021 às 19h50.
Última atualização em 3 de dezembro de 2021 às 14h38.
Por Emannuelle Junqueira*
Lápis e papel na mão fazem parte da minha rotina. Todo processo de criação no meu trabalho começa com um estudo aprofundado sobre as dores e as vontades, os reais desejos de uma cliente. Entendê-los é fundamental para a etapa seguinte, em que vou pensar no melhor para cada uma de forma específica, levando em consideração o corpo, a personalidade e tudo o mais que consegui captar.
Isso vai para o papel: com os croquis, consigo passar minha visão do que considero ser a melhor ponte entre ela e seu sonho. Realizá-lo é o grande objetivo do meu trabalho.
Mas, se não sair do papel, nada disso acontece. E todo o trabalho anterior, de aproximação, trocas e sintonia, torna-se inútil.
Neste ano duro para o mundo, a COP26 terminou com um “croqui” na mão.
Claro, considerado cheio de lacunas por muitos especialistas — com razão —, mas algo palpável, que parece, assim espero, ser possível. De fato, foi duro ver como as diferenças entre os países — desenvolvidos e em desenvolvimento — não são consideradas.
Nuances e detalhes preciosos são ignorados nesses acordos, mesmo sendo essenciais para a viabilidade do seu cumprimento. Sem um instrumento que permita aos países mais pobres o acesso a recursos financeiros para investimento em ações contra os eventos climáticos, ficará difícil para que esses países, de forma objetiva e prática, consigam avançar no tema.
E, como sabemos, não há divisão nesse caso: estamos todos no mesmo mundo, ele é um só. E o sucesso ou fracasso de um também é de todos.
Penso que, diante da inércia que persiste durante anos no planeta, um acordo factível é o que precisamos agora. Longe de isso soar como uma satisfação, é apenas a ânsia de ver algo sendo feito de verdade. A meta que fixamos para limitar o aumento da temperatura nas próximas décadas não atende à urgência em que nos encontramos, mas é preciso começar por algo.
O que temos ali são planos, metas discutidas por líderes mundiais e descritas em documentos importantes, com assinaturas históricas. Agora, vem o momento em que iremos — ou deveríamos — acompanhar todos trabalhando juntos para tirar tudo isso do papel.
Quando penso no ambiente, a sensação de desespero e sufoco não vem do fato de não termos um plano ou de não sabermos o que fazer. Sabemos. Temos muitos planos. Alguns parecem, na teoria, serem excelentes. O grande desafio é colocá-los em prática. Afinal, vivemos em um país onde leis “pegam”. A de usar cinto de segurança no carro? Pegou. Não jogar lixo na rua? Não pegou. Trágico e cômico, mas puro suco do Brasil.
De nada adiantam metas ousadas e discursos poderosos se eles não ganham vida. E quem dá vida a tudo que nos propomos a fazer somos nós, sociedade.
Acredito que o grande desafio — na vida, não apenas nas discussões — é fazer com que as pessoas se importem. Abracem. Entendam e queiram, de fato, uma mudança. É comportamento humano, são pessoas construindo a sociedade em que querem viver.
O clima vem sofrendo alterações constantemente e sabemos que nós estamos causando isso. Discussões mundiais falam sobre isso, mas nada acontece, nada sai do papel se nós, sociedade, não quisermos.
Nós podemos provocar mudanças em grandes empresas, em mercados inteiros, porque eles se baseiam no nosso comportamento. No que queremos, no que ouvimos, no que propagamos, no que procuramos. Nos cabe, sim, mostrar o que queremos. O que buscamos.
A luta contra as mudanças climáticas precisa ser abraçada pela sociedade. As pessoas precisam se sentir próximas do tema, enxergar em suas atitudes as possibilidades de mudança para que tenhamos, aí sim, um movimento palpável de mudança. Maior e mais forte do que qualquer um — não importa se começou por meio de um documento ou um acordo.
Tudo o que começa por vontade própria, partindo de cada uma e de todas as pessoas, tem muitas chances de se tornar um hábito. A verdadeira mudança começa em nós — clichês são verdades que todos estão cansados de saber e no caso, nada mais verdadeiro que esse.
É por meio de nossas escolhas, das menores, como separar o lixo em casa, às maiores — onde investir, de quem comprar —, que faremos o nosso futuro.
Podemos seguir comentando a COP26 e os próximos encontros para discutir o clima como hoje, sem que nenhuma atitude seja adotada, de fato, e dizendo que os acordos são fracos e não atendem à realidade.
Ou, podemos trazer o assunto para a nossa rotina, compartilhando conhecimento e ideias, disseminando informações como se faz com vídeos e memes na internet. Colocando-o no dia a dia de quem realmente pode provocar mudanças. Com o apoio ou sem de suas lideranças governamentais, o ser humano sempre pode fazer mais do que se espera dele.
Podemos adotar o que está nos documentos como base para o nosso próprio compromisso. Para as mudanças que gostaríamos de ver o mundo adotando. Podemos e devemos ser as melhores pessoas para o mundo onde estamos. O poder da população aparece quando nos unimos: seja por meio do voto ou de ações, juntos, podemos sim, mudar o que desejamos.
O que você pode fazer para deixar o mundo melhor? Individualmente e para o coletivo: são essas perguntas que temos para responder. Faça seu croqui com o que você enxerga. E tire-o do papel. Planejamento sem execução é vontade. Já colocá-lo em prática é o que traz a realização.
*Emannuelle Junqueira é diretora criativa da marca que leva seu nome, designer, empreendedora e apresentadora do Prova de Noiva no Discovery H&H