Edson Vismona: Cidades mais seguras e éticas
É preciso pensar os diversos aspectos que impactam a evolução das cidades para que sejam mais acolhedoras
Bússola
Publicado em 20 de outubro de 2021 às 15h41.
Última atualização em 21 de outubro de 2021 às 13h13.
Por Edson Luiz Vismona*
Aprendemos que, na essência, a civilização tem por fundamento a convivência. Na nossa evolução desenvolvemos meios para a solução dos conflitos, definindo regras, expressas em leis que devem por todos ser cumpridas.
Essa realidade fica ainda mais visível com o crescimento das cidades, em grandes aglomerações que abrigam mais e mais pessoas, desafiando a humanidade em encontrar soluções para a geração de empregos e renda; habitação; meio ambiente; mobilidade; lazer; cultura e, ainda, contenção da violência, em suma, respeito à dignidade.
No espaço urbano temos a expressão de grandes realizações e frustrações, onde a atração exercida pelo consumo se desdobra no crescimento do comércio e dos serviços.
As atividades econômicas atraem investimentos e também a cobiça de quem quer agir na busca do lucro sem qualquer preocupação com as regras vigentes, procurando obter vantagens sem se importar com os meios. O respeito ao consumidor, às posturas municipais, à criação de empregos formais, ao pagamento de impostos é solenemente ignorado.
Interessante notar que essa postura, muitas vezes, é aceita por parte da sociedade que acha que a oferta de produtos e serviços de modo ilegal é aceitável, que não significa um problema que mereça maior atenção por parte do poder público.
Em verdade, constatamos que há sim uma perversão nessa prática relacionada com a ilegalidade, que afeta a todos. A inversão de valores contamina a nossa convivência, gerando mais e mais desigualdades, estimula a evasão de investimentos e fiscal, deteriorando as relações sociais, atraindo a violência.
Em uma visão mais restrita, é certo que o crescimento do comércio ilegal — distante de qualquer regulamentação, amplia o sentido de conturbação e desordem do espaço urbano e afasta o sentido de pertencimento do cidadão.
Áreas como as regiões da rua 25 de Março e Brás em São Paulo, e outras similares em grandes cidades brasileiras e em todo o mundo, atestam que a proliferação, sem restrições, de camelôs nas calçadas e de “shoppings” com milhares de boxes, sem respeitar normas relacionadas com a segurança, alugados para a venda de produtos ilícitos, prejudicam a compreensão de respeito ao espaço que é de todos e favorecem a ação de verdadeiras organizações criminosas que atuam desde o contrabando, falsificação e distribuição de mercadorias, até o tráfico de drogas, roubos e receptação.
A contenção dessa ocupação não inclusiva é uma obrigação das autoridades públicas e deve ser organizada de modo sistêmico e sistemático. A cidade de São Paulo tem avançado, de um lado, com as ações reiteradas de combate ao comércio ilegal, com a apreensão de mais de 3.500 toneladas de produtos ilícitos (contrabandeados, piratas, falsos e contrafeitos) e, de outro, incentivando o empreendedorismo popular, sem ilegalidade e desenvolvendo intervenções urbanas, devolvendo a “urbis” para a cidadania. Essa postura exige um forte compromisso da liderança política, pois, a prática criminosa encontra respaldo em extratos da sociedade com grande influência.
A segurança atrai a convivência nas cidades e engloba múltiplas iniciativas, políticas públicas envolvendo ações policiais e sociais, a participação da sociedade civil, apoio às medidas de inclusão e diversidade e também a racionalização da ocupação do espaço público É certo que a presença do Estado afasta a ação do crime.
Na próxima Exposição e Congresso Mundial “Smart City”, em Barcelona, serão abordados diversos aspectos que impactam a evolução das cidades para que sejam mais acolhedoras. Devemos acompanhar esses temas que têm direta relação com o nosso cotidiano e influenciam as nossas perspectivas de futuro.
Em resposta a líderes políticos que reverberam comportamentos desprezíveis, em vez de procurar servir como exemplo de retidão e respeito à lei, devemos valorizar iniciativas voltadas para a conscientização das pessoas, de estímulo à legalidade, à ética, que são necessárias para que possamos evoluir na construção de uma sociedade que valorize ganhos para todos e não vantagens para poucos. Resgatar o espaço público para as pessoas, afastando a ocupação por negócios escusos.
Não é nada fácil, percebe-se que essa postura não encontra, muitas vezes, ressonância, parece coisa de gente chata, que quer dar lições de moral. Contudo, se houver uma reflexão mais profunda, será percebida que, a esperteza, os desvios de conduta, ao serem normalizados, nos afastam da prosperidade que almejamos.
*Edson Luiz Vismonaé advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade — FNCP. Foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002)
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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