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É a vacina, estúpido!

Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas mais debatidos entre os poderes em Brasília

Vacina contra covid-19 (Siphiwe Sibeko/Reuters)

Vacina contra covid-19 (Siphiwe Sibeko/Reuters)

Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 20h38.

A vacina é a esperança de um passaporte viabilizador da normalização de todas as atividades humanas em 2021 e 2022. A partir da imunização da grande maioria das pessoas em todos países, a economia retomará seu fluxo comum em vendas, compras, serviços, produção industrial e agropecuária. Ao injetar anticorpos em massa nos indivíduos, o coletivo voltará ao eixo, movimentando o planeta que andou tocando Raul Seixas demais em 2020 (o dia em que terra parou).

Quem se associar a esse movimento de "cura" estará surfando numa onda de reconhecimento público em ano crucial para o futuro. Basta olhar certos vultos do passado que permanecem no imaginário e nas lições das escolas para saber que se perpetuarão nominando prédios e ruas. Oswaldo Cruz, Sabin e Pasteur são exemplos. Políticos também podem ter ganhos nestes casos, mas eles pensam objetivamente em como traduzir isso em apoio popular e votos em eleições próximas.

“Para eleições, meu caro, eu olho com terror”, escreveu o segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, em carta ao terceiro, Thomas Jefferson. Ser alvo de avaliação popular, com todas variáveis possíveis a interferir durante processo eleitoral, é realmente de causar terror em alguns seres humanos. Com possibilidade de derrota, pois, ao final, só um vence quando se trata de eleição majoritária. Aos derrotados, as contas da campanha para descascar…

No Brasil, o processo de imunização começará no próximo ano e deve levar meses, seja pela quantidade de vacinas, ou porque algumas exigem duas doses, ou por eventuais mutações do Sars-Cov-2. E 2022 é ano eleitoral para governadores e presidente da República, além de deputados e senadores.

Este ano o coronavírus já botou muita gente dentro de casa, jogou a economia no subsolo da recessão e matou quase 200 mil pessoas. Quem ajudar o povo a se livrar desse pesadelo, poderá ser carregado nos ombros em direção à urna. A vacina poderá ser o elixir do voto.

O principal jogador com as cartas desse baralho, no país, tem sido o governador de São Paulo, João Doria. Ele substituiu o lema de James Carville, o marqueteiro de Bill Clinton dos anos 1990, “é a economia, estúpido!”, por "é a vacina, estúpido!”.

O movimento tem lógica, mas também tem riscos, como se viu na reunião de governadores com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, esta semana. Doria anunciou que pretende começar a vacinar os paulistas em 25 de janeiro. E o fez antes de aprovação pela Anvisa e dos registros finais das diferentes tentativas de imunizante. Forçou e conduziu o debate, obrigando o governo do presidente Jair Bolsonaro, que não tem se mostrado empolgado com as vacinas, a sair do terreno da acomodação.

Mas há detalhes que Doria não controla. Um desses pontos é como ultrapassar as divisas de São Paulo para oferecer a vacina a moradores de outros estados, já que essa atribuição é do Ministério da Saúde. Ele pode vender a outros governadores, mas isso já levantou resistências e criou mal-estar dos colegas de outros estados, também críticos à demora do Ministério da Saúde em liderar esse processo. Neste tema, tem gente vendo Doria assumir a presidência ainda sentado na cadeira de governador.

Há ainda o fator da quantidade prometida. Doria garantiu que o Butantã está apto a produzir um milhão de doses diárias. São promessas uma sobre a outra. Gerar expectativa frustrada e não atender à esperança despertada em milhões de pessoas pode provocar uma reação negativa proporcional. Doria pode terminar canonizado, ou satanizado. Depende dos resultados. E a tarefa não é simples.

A vanguarda vacinal de Doria acabou gerando anticorpos no ambiente político, que empurrou o governo federal para a frente do debate. A inércia parece ter acabado.

Então temos outro risco. Doria pode ter acordado o gigante adormecido em berço esplêndido. O Ministério da Saúde tem o conhecimento e os mecanismos de distribuição e mobilização para campanhas de vacinação no país. É sua atribuição legal. Se conseguir recuperar o tempo perdido, grande parte dos brasileiros pode ser imunizada com as campanhas integradas entre governo federal, estados e municípios. Não haveria um salvador, um pai da criança, mas muitos dividiriam os louros desse momento histórico.

Neste caso, o governo Bolsonaro poderia também surfar nessa onda, se, ao final, se vacinar contra o negacionismo e entrar no jogo que os brasileiros querem ver no término da partida - vacina para todos.

É possível? Sim, basta lembrar que o auxílio emergencial turbinado foi uma ação do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, com a oposição, para faturar usando os recursos do Tesouro Nacional. Bolsonaro pagou para ver, usou a Caixa Econômica Federal para distribuir dinheiro e viu sua popularidade aumentar durante a pandemia.

Doria arriscou. Pode até não ganhar os votos que espera com suas ações, mas muitos brasileiros podem acabar por se vacinar antes do previsto em razão dessa disputa política. Se, nessa briga, o povo ganhar, melhor.

*Analista Político da FSB.

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