Batalha contra a discriminação começa primeiro dentro de cada um. (Lyubov Ivanova/Getty Images)
Bússola
Publicado em 27 de julho de 2022 às 12h00.
Por Rachel Filipov*
Eu tive um chefe alemão que vivia com gracinha para cima de mim. Um dia ele colocou a mão na minha saia e falou algo do tipo: “vocês brasileiras são bem warm, né?”. Uma vez viajei para Portugal a trabalho e quando falei minha profissão para o taxista ele riu, sem acreditar que eu era engenheira: estava convencido de que eu era prostituta. Em outro momento um cliente argentino me perguntou quanto eu cobrava pela noite. Também já tive que ouvir de um colega paquistanês que ele não queria mais que eu discordasse dele, porque ninguém gostava de discutir com uma menina de 20 anos (eu já estava nos meus trinta e tinha mais de 13 anos de carreira).
Branca e de classe média, no Brasil eu vivia em uma posição de privilégio que não me permitia sentir na pele o preconceito. Apesar de sempre ter enfrentado os desafios de ser mulher no mercado de trabalho, foi só quando comecei a atuar fora do país que o rótulo de latina passou a pesar no dia a dia. Ouvir frases abusivas e ter a inteligência menosprezada só porque você é imigrante são apenas algumas das situações comuns que os brasileiros enfrentam no mercado internacional.
Passar de privilegiada a minoria me levou a enxergar com outros olhos o quanto as discussões sobre diversidade precisam fazer parte do ambiente empresarial. A solução para combater a discriminação, no entanto, não está em ações isoladas da área de Recursos Humanos: ela precisa começar muito antes, dentro de cada time e dentro de cada um.
Nós escolhemos nossos amigos, e normalmente eles são pessoas parecidas conosco. Compartilhamos uma paixão, uma religião, um código postal. É normal confiar em quem se parece mais conosco em algum aspecto e, os grupos tendem a se formar assim: predominantemente homogêneos. Mas, apesar disso, não podemos escolher nossos colegas de trabalho. Nos últimos tempos, tenho me perguntado: não é uma bela oportunidade desperdiçada? Passamos quarenta horas por semana lidando com pessoas muito diferentes de nós. Quanto estamos aprendendo com as diferenças, experiências e lutas uns dos outros?
Apesar deste tema estar se tornando cada vez mais popular, poucas empresas conseguiram criar uma cultura genuína que celebre as diferenças dos funcionários e lute pela igualdade. E não estou me referindo ao impacto positivo da diversidade nos negócios. Estou falando sobre o impacto das diferenças no local de trabalho para nos tornarmos pessoas melhores. A falta de empatia e a ignorância são elementos críticos do preconceito. Em um estudo publicado no periódico científico Translational Psychiatry, os pesquisadores descobriram que a empatia tem uma contribuição genética. A meu ver, esta é uma das conclusões mais preocupantes do nosso tempo.
Isso significa que é mais improvável que crianças nascidas de pais não empáticos mudem. Elas provavelmente nunca testemunharão comportamentos empáticos em sua família e será mais difícil para elas aprenderem a importância de ter empatia. Como isso se relaciona com o trabalho? Bem, muitas dessas "ex-crianças" agora são adultos que podem andar no elevador algumas vezes por semana com você e seu colega de trabalho negro, ou homossexual, ou estrangeiro. Eles também podem estar participando dos mesmos treinamentos e lendo os mesmos e-mails corporativos. Então, e se o local de trabalho se tornasse uma plataforma educacional para ele ou ela?
O RH e as Comunicações Corporativas têm um papel fundamental nesse processo, é claro. Eles podem promover a gestão da mudança, permitir que as conversas aconteçam e gerenciar os planos de negócios para a igualdade. Mas eles devem dirigir isso sozinhos? Provavelmente não. Como fazemos isso acontecer? Não pretendo simplificar demais essa complexa questão social e não tenho todas as respostas, mas acredito que nós, pessoas que se importam, precisamos deixar os líderes de nossas empresas saberem que estamos interessados em explorar esse potencial e queremos que as coisas mudem.
Criar um ambiente seguro de discussão, com grupos menores que inspirem confiança, pode ser um bom ponto de partida, porque antes de começarmos a tentar resolver os problemas, precisamos entender do que estamos falando. Instigar situações em que as pessoas sintam-se à vontade para falar e promover debates é um grande passo para que a gente consiga entender as dores e desafios dos nossos colegas e criar planos para resolvê-los.
Quando fui convidada para ser embaixadora da diversidade e inclusão para o time de marketing na Manhattan Associates, um dos lugares com mais diversidade em que já trabalhei, senti a grande relevância dessa missão. Agora, meu propósito vai além de influenciar escolhas e aumentar nosso pipeline. Estou trazendo para o trabalho em uma multinacional, com pessoas de várias nacionalidades, cores, religiões e histórias uma missão pessoal que carrego há muito tempo, dando a esse propósito uma dimensão muito maior e uma base muito mais genuína.
A discussão sobre diversidade começa, portanto, dentro de cada um de nós. Os caminhos são muitos, e cada empresa, time, pessoa precisa encontrar o seu. O principal é começar a buscá-los, e já! Citando Marc Benioff, todos somos uma plataforma para a mudança.
*Rachel Filipov é Senior Marketing Manager na Manhattan Associates
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