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Devedor contumaz tira R$ 14 bilhões de impostos do setor de combustíveis

Bússola entrevista Carlo Faccio e Karine Cuesta para entender esse cenário que lesa a sociedade com negócios ilícitos e práticas não ortodoxas

Negócios ilícitos precisam ser tipificados para o combate (Natee Meepian / EyeEm/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 4 de novembro de 2022 às 19h30.

O setor de combustíveis é o maior arrecadador de tributos para os estados e o Governo Federal. Porém, atualmente, o governo deixa de arrecadar anualmente R$ 14 bilhões em impostos, por inadimplência e sonegação de agentes não ortodoxos do setor.

Empresas fantasmas ou de fachada protelam pagamentos e adotam estratégias para perpetuar seus negócios ilícitos, são os chamados devedores contumazes, que necessitam ser devidamente caracterizados e tipificados.

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Propostas parlamentares estão sendo estruturadas para diferenciar e punir estes grupos de empresários e empresas mal-intencionadas, como o caso da PLS 284/17 e da PL 1646/19. O Instituto Combustível Legal (ICL) e o Ministério Público firmaram convênio para compartilhar conhecimento para o combate aos crimes de adulteração de combustíveis e sonegação de impostos.

A Bússola conversou com exclusividade com Carlo Faccio, diretor executivo do Instituto Combustível Legal (ICL), e a coordenadora do grupo de atuação especializada no combate aos ilícios tributários do Ministério Público do Rio de Janeiro (Gaesf), Karine Cuesta, para entender esse cenário.

Bússola: Como podemos aperfeiçoar o combate à sonegação fiscal? A aprovação de proposta do legislativo – caso do PLS 284 – reduziria a prática ilegal no segmento de combustíveis?

Carlo Faccio: Estamos debatendo com o legislativo e o executivo o avanço necessário para aprovação e sanção de propostas parlamentares, como a PLS 284/17, que diferencia e combate a atividade do devedor contumaz. Termos legislações punitivas reduzirá de forma significativa a atuação do devedor contumaz, tanto do segmento de combustíveis, como para outros setores que sofrem com esta prática nociva. Não podemos deixar que os grupos criminosos se utilizem das fragilidades do sistema tributário e de fiscalização para lesar o erário e toda a sociedade em R$ 14 bilhões todo ano.

Karine Cuesta: Para um combate mais eficaz à sonegação, é importante o aperfeiçoamento do sistema de fiscalização, incluindo a edição de atos normativos que estabeleçam balizas mais claras e instrumentos eficientes de atuação aos órgãos de controle e ao Judiciário, como, por exemplo, a caracterização e o tratamento do contribuinte que, dolosamente, utiliza a inadimplência reiterada como modelo de negócio ou como forma de obter vantagem concorrencial. Hoje, não temos uma legislação federal que defina claramente um devedor contumaz e, portanto, referidos projetos de lei têm a importância de trazer o tema ao debate e suprir essa lacuna. Alguns Estados já possuem legislação sobre isso, mas os critérios são diferentes, variando de 3 até 8 meses de inadimplência, o que pode gerar insegurança jurídica.

Bússola: Quem perde com a atuação do devedor contumaz e a sonegação tributária nesse contexto?

Carlo Faccio: A sociedade perde como um todo. No final de cada ano, mais de R$ 14 bilhões são desviados do sistema tributário pelos devedores contumazes. Recursos estes que poderiam ser investidos em saúde, educação e segurança, e que vão para o bolso de grupos organizados ou quadrilhas espalhadas por todo o país, que utilizam estes desvios de bilhões na lavagem de dinheiro, destruindo o bom empresário. Além disso, este dinheiro retroalimenta o sistema ilícito, que potencializa outras fraudes de qualidade e quantidade, como a adulteração e/ou mistura de gasolina, diesel e etanol.

Karine Cuesta: Esse volume de recursos sonegados já demonstra os severos impactos negativos desses ilícitos sobre as políticas públicas e o equilíbrio fiscal dos entes federativos, uma vez que reduz a arrecadação e a capacidade do estado em promover ações que concretizem direitos fundamentais dos cidadãos. Outro ponto negativo é a distorção na economia pela concorrência desleal dos devedores contumazes, que prejudica empresas responsáveis com suas obrigações tributárias, estimula outras formas de sonegação, dificulta investimentos, afetando, ao final, o consumidor e nosso desenvolvimento econômico. Saliente-se, ainda, o aumento dos custos do estado com as estruturas de fiscalização e do Judiciário com as inúmeras execuções fiscais, onerando todos os contribuintes.

Bússola: O que mais pode ser feito pelo legislativo e pelo executivo para combater este cenário?

Carlo Faccio: Devemos seguir com uma agenda forte para promover a simplificação tributária, precisamos de um sistema tributário mais simples, transparente e compreensível pela sociedade, que contribuirá para estancar perdas na arrecadação de impostos do setor de combustíveis. O ICL também tem se envolvido no esclarecimento de temas críticos do setor para mitigar os problemas, participando de forma efetiva de audiências públicas, além da produção de workshops para subsidiar agentes do legislativo, executivo e judiciário.

Karine Cuesta: Há medidas de diferentes complexidades que precisam ser adotadas. Desde uma reforma tributária mais ampla, que melhore o sistema como um todo, até a atualização normativa para aperfeiçoar o combate à sonegação fiscal em todas as esferas de responsabilização, como é o caso da caracterização e definição de tratamento administrativo para o devedor contumaz. No âmbito do executivo, deve-se investir nas estruturas de fiscalização, como a inteligência fiscal, que é capaz de identificar as fraudes estruturadas e a macrodelinquência fiscal, assim como estimular a união de esforços com outras instituições como o Ministério Público, a PGE, a secretaria de segurança pública, o que atualmente pode ser feito por meio dos Comitês Interinstitucionais de Recuperação de Ativos- CIRA.

Bússola: Esta é uma guerra perdida ou é possível virar este jogo contra a sonegação e os devedores contumazes?

Carlo Faccio: Este é um jogo que vamos vencer. Vamos seguir com um trabalho integrado com os Ministérios Públicos e das Forças Tarefas, como do Rio de Janeiro, além de outros poderes e entidades, para que o devedor contumaz seja devidamente diferenciado e que receba devida punição. Não podemos permitir que sejam utilizados elementos protelatórios, por empresas fictícias ou de fachada, com o propósito de não honrar seus compromissos com o erário.  Todos perdem, caso dos empresários e da sociedade.

Karine Cuesta: É possível reduzir a prática desses ilícitos. Estudos da OCDE apontam alguns exemplos muito bem-sucedidos a partir do enfrentamento de questões que estão na causa do problema, como, por exemplo, legislações tributárias complexas ou com lacunas que oportunizam um planejamento tributário abusivo.

No âmbito da fiscalização, pode-se afirmar que o Ministério Público, por meio de seus grupos de atuação especializada, está empenhado no combate à sonegação fiscal e a todos os seus efeitos deletérios, fazendo um trabalho em colaboração com as Secretaria de Fazenda do Estados e demais órgãos de controle para proporcionar a adequada arrecadação dos créditos tributários devidos, a identificação de grupos criminosos, o combate à lavagem de dinheiro e também para viabilizar um ambiente concorrencial mais justo e leal.

Porém, a eficiência desse trabalho conjunto, sem dúvida, poderá ser aprimorada pela modernização da legislação de atuação do fisco e das estratégias de apuração dos ilícitos tributários.

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