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Democracia só existe com respeito e tolerância às diferenças

Depoimentos na CPI da Pandemia desta semana mostraram que a intolerância impera na Casa que deveria ser um símbolo democrático

Respeito às minorias e tolerância são princípios da democracia (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 4 de junho de 2021 às 09h11.

Por Márcio de Freitas*

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é de 1789: Todos nascem livres e permanecem livres e iguais perante a lei em seus direitos. A Revolução Francesa ecoava a Declaração de Independência dos Estados Unidos, versada sobre verdades autoevidentes dos direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade. São velhos documentos em museus que não circulam nas redes sociais desses tempos intolerantes.

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Os revolucionários da França se inspiraram na vontade geral de Rousseau para estabelecer novos paradigmas sobre o governo. O trabalhador majoritário era igual ao clero e à nobreza. Em nome do movimento igualitário, passaram-se no fio da guilhotina tanto o rei Luís XVI quanto os próprios líderes da revolução – como Danton ou Robespierre. Todos tinham a mesma cor de sangue: vermelho, provou o patíbulo.

A causa da liberdade é item essencial do pacote social do ocidente desde então. Em nome dela, a democracia ganhou força como modelo mais adequado a reger as relações entre os governantes e governados. Democracia é o regime da maioria, dos consensos alcançados pelo convencimento do eleitor para determinar quem é o governante ideal – naquele momento.

Se a maioria determina uma escolha, todos concordam em aceitar essa opção. Mesmo que parte considerável discorde dela. É um pacto social. Se após algum tempo o governante não consegue mais o consenso da maioria, as mudanças periódicas das eleições ajustam a vontade majoritária e realiza a alternância do poder. Tudo muito óbvio e conhecido.

A minoria que é governada não pode ser subjugada, nem desrespeitada de forma agressiva. A democracia pressupõe o respeito às minorias. A tolerância é regra básica desse pacto. Sem isso, não faria sentido aceitar as escolhas. Poder-se-ia cair em conflitos civis, guerras e destruição das relações internas de um país. O limite é legal.

O problema das redes sociais na democracia é recente. E passou a dar maior visibilidade às discordâncias da minoria, tanto a crítica justa e pertinente, quando nas agressões e impertinentes ofensas pessoais, transvestidas algumas vezes em manifestações políticas. E o inverso também se dá. Se antes esses fenômenos eram de botequim, avançam para uma arena midiática onde personagens com muitos seguidores têm alcance considerável.

Faz-se em certos casos verdadeiro linchamento virtual de pessoas que apenas defendem seus posicionamentos e opiniões, mesmo que minoritários, ou mesmo que racionais em meio a disputas apaixonadas. Há gritos tão exacerbados e ataques tão ferozes que suplantam qualquer nível de racionalidade. No homem, o grito é animal. Se ele prevalece no debate político, é porque a razão se perdeu completamente.

A semana teve muito da falta de tolerância nos depoimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia do Senado Federal. A médica Nise Yamaguchi mal conseguia articular uma frase completa. Pode-se discordar de suas opiniões, mas a civilidade esteve ausente em diversas manifestações dos senadores. Mesmo que seu pensamento seja minoritário, é preciso que haja respeito às posições da profissional convocada a uma casa que é instituição da democracia brasileira. Se ali não se vê exemplo, que dirá nas ruas onde o soldado da esquina pode atirar contra manifestantes ou prender o cidadão que manifeste opinião diferente…

É linda a frase, não voltairiana, de que poderei não concordar com nenhuma de suas palavras, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las (Evelyn Hall). Sem necessidade de morrer, basta a simples aceitação da diferença. Isso, na prática, já seria um enorme ganho nos tempos atuais. Em nome da liberdade que começou a se formar nos fins do século 18. Há mais de 230 anos. Claro, os fatos são muito recentes para a perfeita assimilação, mas nunca é demais ter certa esperança.

Fica acentuada a intolerância quando quem a pratica se diz representante monopolista da democracia, com legitimidade autoconcedida. Críticas à democracia existem porque a própria lógica do sistema o permite. E pela lógica absoluta (com ironia), se a maioria optar no voto pelo sistema autoritário, a minoria aceitará. Até que tenha oportunidade de virar o jogo (difícil que exista o caminho do voto, neste caso de escolha autoritária). Memória: Hitler foi eleito e apoiado até a última hora, mas o tamanho do desastre ensinou aos alemães a não tentar repetir o experimento.

É por isso que museus existem para serem revisitados. Seus documentos históricos podem ensinar muito a toda sociedade.

*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação

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