CPI da Pandemia e sua primeira disputa: mais Brasília ou mais Brasil
Um grupo quer mexer a coisa em Brasília, outro quer espalhar a coisa pelo país trazendo governadores para o palco da comissão
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2021 às 18h47.
Última atualização em 29 de abril de 2021 às 19h05.
Os requerimentos apresentados numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) são os primeiros indícios oficiais de por onde a investigação caminhará ou onde a apuração quer chegar — se as forças internas permitirem ao trabalho parlamentar chegar a algum lugar. A CPI da Pandemia já tem mais de 300 ofícios dos senadores requerendo informações, documentos e depoimentos.
Esses pedidos permitirão formar a base documental para construir o relatório para eventuais responsabilidades. Lembrando que nesta quinta-feira o país registrou oficialmente mais 400.000 vítimas da pandemia. Um país com menos de 2,8% da população mundial ser detentor até agora de mais de 13% das mortes mundiais é realmente algo que merece estudos e análise, até para não se repetir a tragédia no futuro. Mas a CPI não tem função didática. É política.
E é por isso que todos os pedidos da oposição apontam para uma mesma direção: o governo do presidente Jair Bolsonaro. Convocam seus ministros, solicitam oficialmente vídeos ao Facebook, pedem documentos da Anvisa e do Ministério da Saúde, notas fiscais, contratos, relatórios de órgãos de fiscalização, além de tudo relacionados à pandemia no Amazonas, até agora o maior descalabro desde a chegada da variante mais letal do coronavírus em terras tupiniquins, a cepa P1 do Sars-CoV-2.
Os aliados do Palácio do Planalto centram fogo em convocar governadores, buscam notas fiscais de compras para enfrentar a pandemia com o dinheiro federal enviado pelo Tesouro Nacional aos estados, pedem testemunhos de secretários estaduais e da subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, classificada como aliada do governo Bolsonaro.
É a tática de misturar para confundir, ou do abraço do afogado. Quem estava imaginando assistir de camarote e batendo um sambinha na caixa de fósforos pode acabar sob o holofote, mesmo que não tivesse intenção de pegar fogo junto com o circo. É o gasto refrão do começo conhecido, mas final de suspense, que nem Ulysses Guimarães aguenta mais.
Ou seja, um grupo quer mexer a coisa em Brasília, onde governa Jair Bolsonaro. Outro quer espalhar a coisa pelo país, trazendo governadores como João Doria (SP), Helder Barbalho (PA), ex-secretários estaduais do Amazonas, Distrito Federal e Ceará. Volta-se à frase de campanha: mais Brasil, menos Brasília. Com o sinal podendo ser invertido, dependendo da posição política em relação ao governo e de qual alvo está mirando o integrante da comissão.
É fogo cruzado, com as tropas já acomodadas nas trincheiras por pelo menos 90 dias. De um lado e de outro. As duras discussões das sessões iniciais da CPI já apontam o clima pesado que está por vir. E as convocações atraem para a cena de guerra até o Ooder Judiciário, com convite para o decano do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello. Claro, há tiros de festim e de aviso. Muita gente apontando para o alto. É do rito político. E quem dança de um lado, hoje, pode sambar do outro amanhã… Tudo a seu tempo.
No entanto, sob o papelório de requerimentos não há solidariedade às vítimas. Há disputa pelo poder. Em estado bruto. São profissionais que exercem esse jogo, com conhecimento do terreno em que pisam… E que desejam ocupar. Há a disputa pelo castelo maior, o Palácio do Planalto. Atingir Bolsonaro é objetivo de uma maioria de integrantes da CPI. E não há muita dissimulação nisso.
Mas há também briga pela hegemonia no próprio Senado, casa onde Bolsonaro colheu duas vitórias ao apoiar nomes que controlam a Casa durante seu governo. Em 2019, o eleito para a presidência do Senado foi Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ele manteve-se fiel ao governo, apesar de não ter enfrentado uma crise como a atual. E fez seu sucessor, o mineiro Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que segurou a CPI sob críticas e ataques oposicionistas até que o Supremo Tribunal Federal determinasse a instalação.
Acontece que esses dois venceram o MDB, de Renan Calheiros (AL) e Eduardo Braga (AM). Sequer o partido do movimento conseguiu se unir para lançar um candidato nas duas disputas, isso depois de controlar a casa desde a década de 1990, com José Sarney (MA) e o próprio Renan Calheiros dando as cartas no Senado. Foram varridos para os cantos do Congresso nos primeiros anos de Bolsonaro.
Política é virtude, e fortuna. Renan Calheiros teve a sorte de se fazer relator, num momento em que pode ajudar o projeto eleitoral de 2022 do qual parece se aproximar, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Será preciso que o governo de Bolsonaro tenha virtudes suficientes para evitar que esse movimento tenha sucesso. É esse jogo maquiavélico que assistiremos nos próximos meses.
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