O retrospecto revela o risco do governo petista subestimar a aliança com o centrão e fiar-se na “frente ampla democrática” (Michel Jesus/Agência Câmara)
Bússola
Publicado em 14 de novembro de 2022 às 08h15.
O PT está diante de um enigma, e de decifrá-lo talvez dependa a taxa de estabilidade do governo quando assumir definitivamente a cadeira no terceiro andar do Palácio do Planalto. A dúvida é quem deve ser o objeto de desejo preferencial nas alianças para garantir que o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva termine no prazo regulamentar, dado o cenário não apenas de polarização, mas de chamados a desconhecer a legitimidade da eleição.
O leitor pode encontrar aqui algum exagero, mas nunca é demais lembrar que dos seis presidentes eleitos desde a transição de 1984-85 dois foram depostos, então é bom colocar as barbas de molho. Até porque, dados os sinais recentes vindos da transição, não é improvável o novo governo enfrentar turbulências econômicas que levem a perda de substância e o coloquem na dependência de uma base parlamentar sólida.
Qual é o problema? Na verdade são dois: 1) uma aliança do PT com a esquerda e o “centro democrático” é aritmeticamente insuficiente para segurar a onda no Congresso Nacional; e 2) o "centrão" esteve maciçamente com Jair Bolsonaro no governo e na eleição. Há aliás um terceiro aspecto: sempre que os presidentes recentes estiveram na berlinda, quem impulsionou a tentativa de derrubá-los foi o centro democrático, e não a direita conservadora.
Foi assim quando a Constituinte tentou amputar dois anos do mandato de José Sarney. Também foi assim no impeachment de Fernando Collor, na desestabilização de Itamar Franco (só estancada quando entregou o governo a Fernando Henrique Cardoso), nas atribulações de Lula com as acusações de corrupção, no impeachment de Dilma Rousseff e nas crises de Michel Temer. Em todos esses momentos o centrão ou segurou a onda ou teve de ir a reboque.
O retrospecto revela o risco de o governo petista subestimar a aliança com o centrão e fiar-se na “frente ampla democrática”. Sem contar outro aspecto: se conseguir fechar alianças simultâneas, formais ou informais, com ambos os campos que se reivindicam “de centro”, reduzirá a possibilidade de ficar refém de um deles. Quando a maioria depende de uma minoria para sobreviver, transforma-se de fato em minoria e esta passa a ser a maioria política.
A necessidade de uma sólida base parlamentar acentua-se por outro motivo: a assimetria político-ideológica entre a orientação de esquerda do Executivo e a maioria de direita eleita para o novo Legislativo. Foi mais natural para o Congresso que se encerra alinhar-se a Bolsonaro do que será para o novo/velho alinhar-se a Lula. Em outras palavras, o custo político de formar a base foi menor para Bolsonaro do que vai ser para Lula.
Também por isso será impraticável para o novo presidente repetir o modelo bolsonarista, em que os partidos são na prática excluídos da Esplanada, e a disciplina parlamentar é comandada a partir do próprio Legislativo com a utilização ativa do Orçamento por parte de seus comandantes, com razoável autonomia. Lula 3o. terá de voltar a abrir certos espaços que foram fechados aos partidos.
A nova política morreu (alguém se lembra da última vez que ouviu falar nisso?). Viva a velha política.
*Alon Feuerwerker é Analista Político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedIn | Twitter | Facebook | Youtube
Veja também
COP27: Conservação deve unir educação e geração de renda, diz VP da Caixa
Priscylla Spencer: Líder, está preparado para partilhar seus sentimentos?