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A disputa pelo passado

Por que presidentes brasileiros caem ou precisam passar o mandato às voltas com campanhas pelo impeachment?

Dilma enfraqueceu-se e foi derrubada praticamente de dentro da composição governamental. (Mario De Fina/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 5 de fevereiro de 2022 às 13h21.

Por Alon Feuerwerker*

Volta e meia retorna o debate sobre a derrubada do governo Dilma Rousseff, com a natural disputa de narrativas. Consolidar uma narrativa ou um discurso, plasmá-los no senso comum, confere uma vantagem moral importante na guerra psicológica que inevitavelmente acompanha as disputas sociais e políticas. Então que siga o jogo.

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Mas a queda de Dilma, a exemplo do que ocorrera antes com o presidente Fernando Collor, talvez seja um campo de observação útil em termos prospectivos. Em outubro deveremos eleger um presidente, ou reeleger o atual. E sempre vale a pena especular um pouco sobre os fatores que estabilizam ou desestabilizam um primeiro mandatário.

Afinal, antes de Jair Bolsonaro a “taxa de mortalidade política” dos eleitos desde a volta das diretas eram estonteantes 50%. Não parece muito normal.

Por que presidentes brasileiros caem ou precisam passar o mandato às voltas com campanhas pelo impeachment? Dizer “por falta de apoio político” mais parece uma tautologia. Pois a pergunta poderia ser refeita, mantendo sentido idêntico, para “por que os presidentes brasileiros perdem tão facilmente apoio político?”.

Consolidou-se um certo senso comum de que o governo Dilma Rousseff era politicamente estreito, e portanto o antídoto para a desestabilização é a frente ampla. Essa conclusão parece hegemônica hoje no PT. Não discuto a conclusão, mas a premissa está errada.

O governo Dilma tinha ampla participação formal de aliados. E que viraram adversários sem nem ter de sair do governo. Quem teve de sair foi a presidente. E debitar essa virada ao “temperamento” de Dilma também parece algo subjetivo.

A política organiza-se em torno de interesses materiais e da correlação de forças. Claro que com lutas, fricções e flutuações. Mas a base objetiva costuma ter peso decisivo. Políticos são animais selvagens lutando pela sobrevivência na selva.

Não são animaizinhos fofos atrás de um afago.

Dilma Rousseff caiu porque em certo momento não aceitou abrir mão de poder quando a correlação de forças se tornou extremamente desfavorável a ela, devido às escolhas econômicas e ao brutal contraste entre o discurso na campanha de 2014 e a vida real na sequência.

Não aceitou apoiar Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara dos Deputados, perdeu a eleição para ele e depois não aceitou trocar o papel “decorativo” com o vice Michel Temer. E bloqueou um acordo de sobrevivência mútua com Cunha. E não detinha comando sobre os aparelhos estatais de coerção, que eventualmente poderiam fazer os adversários recuar.

Tampouco reunia massa crítica nos instrumentos de condução da opinião pública.

Repetindo. O governo Dilma não era “estreito”. Ela enfraqueceu-se e foi derrubada praticamente de dentro da composição governamental. As escolhas somaram-se às condições objetivas, com o resultado conhecido.

Se em outubro os adversários do PT vencerem e consolidarem um período de hegemonia de direita o governo Dilma continuará a ser visto como o momento em que a esquerda errou e abriu caminho aos opositores. Se Lula ganhar, abre-se a estrada para Dilma ser repaginada como a mulher positivamente inflexível que não aceitou negociar os princípios.

Em 2022, o passado também está em disputa.

*Alon Feuerwerkeré Analista Político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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