3 perguntas de ESG para Celso Athayde, da Favela Holding
Fundador da Cufa defende a criação do quarto setor, em que o lucro não é demonizado, e afirma que a favela “não é carência, é potência!”
Bússola
Publicado em 12 de maio de 2022 às 11h39.
Última atualização em 13 de maio de 2022 às 11h42.
Por Renato Krausz*
1.Você tem defendido a ideia de criação do quarto setor na economia. Como seria isso?
Celso Athayde: É uma provocação que tenho feito. Em qualquer movimento que existe, e eu já fui de vários movimentos, a gente tem vergonha de ganhar dinheiro. O Brasil inteiro é um pouco assim, mas na favela é muito pior. Não deveria. Todo mundo que trabalha sonha em migrar socialmente, todo mundo quer crescer. Essa possibilidade é vedada a quem está na favela. Ali para qualquer projeto que você desenvolva tem que dizer logo no início que o objetivo não é ganhar dinheiro. Do contrário, é malvisto.
É necessário mudar a percepção das pessoas. Pega os três setores. O primeiro setor, o Estado, não contempla a favela. Aliás, a favela só existe porque o Estado abandonou aquelas pessoas. Já o segundo setor, o mundo corporativo, sempre só olhou para a favela como um grande laboratório para seus produtos. E daí muita gente acha que o terceiro setor vai resolver os problemas. Mas nem de longe! As ONGs que lidam com a favela nem estão nas favelas de fato. Elas apenas vão lá para fazer um trabalho. E as ONGs que são da favela mal possuem documentação e têm muita dificuldade de receber recursos, porque não conseguem pagar seus impostos, embora tenham uma grande vontade de trabalhar.
Outra coisa curiosa é que as ONGs em geral não têm favela no nome. De uns dois anos para cá, até começaram a colocar, mas há quase 25 anos, quando ajudei a fundar a Cufa (Central Única das Favelas), as pessoas diziam que não deveríamos jamais colocar a palavra favela no nome. Era um absurdo a gente ir a empresas para falar de favela. Esse estigma virou uma bola de neve que queremos combater. Favela não é carência, é potência.
Por isso proponho criar o quarto setor, que vai movimentar a economia da favela e promover a geração de riqueza. Mas é o lucro responsável, o lucro que é reinvestido para causar mais impacto. As favelas têm 17 milhões de pessoas que trabalham e movimentam R$ 137 bilhões. Aí poderíamos nos relacionar com o primeiro setor por meio de PPPs, com o segundo setor em parcerias e ações de ESG com as empresas, e também com o terceiro setor, especificamente com as ONGs da favela, colaborando com a produção de riqueza.
A criação do quarto setor é sem nenhum prejuízo aos três que já existem. Ele é necessário porque os outros três não vão resolver os problemas da favela. São problemas específicos, num território específico, um território que só cresce, não apenas em área e em número de pessoas, mas também em oportunidades econômicas.
Quando montei a Favela Holding, em 2015, passei a defender a ideia de que as pessoas na favela não apenas consumissem, mas também que se preparassem para fazer a gestão daquilo que consomem, integrando a cadeia produtiva. As pessoas que estão lá precisam ter acesso a ferramentas de gestão, precisam ser qualificadas.
Montei um fundo em 2017 e passamos a investir em várias startups na favela. E começamos a incentivar as ONGs que elas precisam ganhar dinheiro. Na primeira edição da ExpoFavela, no mês passado, tivemos 20 mil inscrições de startups querendo participar. Depois de uma triagem, ficaram 350. E ainda teve gente que veio nos criticar por fazer no WTC, como se negócios de favela nunca pudessem estar ali.
2.Você falou em qualificação. As principais escolas de negócios do país já fizeram algo para levar cursos de gestão a empreendedores da favela?
Celso Athayde: Nunca. Há um gap de informação e planejamento para o empreendedor da favela. Como não tem escola de negócio em favela, ele acaba se desenvolvendo da forma que pode. Agora estamos finalmente fazendo uma parceria com uma faculdade, a Fundação Dom Cabral, por meio do Favela Fundos. Vamos lançar uma escola de negócios no próximo dia 7 de junho para esse ecossistema de empreendedores da favela. Mas tudo precisa ser adaptado por nós mesmos, para as nossas trilhas.
Veja o meu próprio exemplo: eu, que já estou nessa estrada há muito tempo e este ano vou para Davos, no Fórum Econômico Mundial, para ganhar o prêmio de empreendedor do ano em impacto e inovação, eu ainda não falo a linguagem do mercado, não falo a linguagem da ESPM, eu ainda falo favelês. Imagina os milhões de empreendedores sociais que estão na favela.
3.Com a pandemia e o boom do ESG, aumentou a preocupação das empresas com a favela?
Celso Athayde: Na pandemia, a empresa que não estivesse no Jornal Nacional entregando alguma coisa na favela seria lembrada depois como aquela não fez nada. Tem um pouco de moda no ESG, mas não importa se é por moda, por marketing ou por medo de ficar para trás, tem que fazer o que é certo.
O ESG tem olhado para os negros por uma questão de diversidade. Mas não tem olhado do ponto de vista territorial. Só que nós temos um recorte territorial, em que existe vulnerabilidades muito grandes. Existem negros no asfalto, na periferia e nas favelas. O déficit maior está na favela. Precisa olhar com um olhar mais acurado para os que sofrem mais.
Quando você inclui esse ambiente territorial, está de fato resolvendo o problema maior, com um passo mais largo para resolver também os demais problemas que existem. Porém faço mais uma ressalva: as empresas têm um departamento social para trabalhar durante o expediente, de segunda a sexta. Não estão na favela de domingo a domingo, de sol a sol. É preciso tomar cuidado para não virar o que eu chamo de caôsocial.
*Renato Krauszé sócio-diretor da Loures Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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