Wellington Dias diz que regra flexível do teto ajudou Piauí a crescer
Criação de lei com limite de despesas atrelada a meta de investimentos foi essencial para crescimento do estado, que praticamente dobrou o IDH desde 2003, diz governador em entrevista exclusiva
Carla Aranha
Publicado em 12 de dezembro de 2021 às 07h00.
Última atualização em 13 de dezembro de 2021 às 09h27.
Um dos nomes mais antigos do Partido dos Trabalhadores ( PT ), Wellington Dias, de 59 anos, governador do Piauí, estuda sua candidatura ao Senado enquanto faz um balanço de quase uma década no comando do Palácio Karnak, em Teresina, uma imponente construção neoclássica do final do século 19. Dias foi eleito para o governo do estado pela primeira vez em 2002, tendo ocupado o cargo por mais três vezes, em 2006, 2014 e 2018.
Nos últimos anos, os investimentos em educação, saneamento e saúde ajudaram a tirar o Piauí da miséria, embora 43% da população ainda viva em situação de pobreza, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A educação é o grande alicerce do desenvolvimento”, diz. “Mas as melhorias nessa área não seriam possíveis se não tivéssemos criado políticas como uma regra flexível do teto de gastos, atrelada a uma meta de investimentos, que poderia funcionar muito bem em todo o Brasil".
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Dias recebeu EXAME para uma entrevista exclusiva em sua residência em Teresina, logo depois de voltar de uma viagem a Brasília. Presidente do Consórcio Nordeste, que articulou uma série de ações para mitigar os efeitos da pandemia, Dias tem estado em evidência desde o início de 2020. Passado o pior da crise provocada pela covid, ao menos aparentemente, o governador tem se dedicado a articulações políticas para o cenário eleitoral de 2022, em que permanece como forte aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e ao desenho de um plano de políticas públicas de longo prazo para o Piauí.
Naturalmente discreto, Dias evita comentários sobre a política enquanto discorre sobre o programa de parcerias público-privadas (PPPs) do estado, que permitiu avanços significativos em áreas como o saneamento básico e a infraestrutura de transportes, e o modelo de teto de gastos atrelado a metas de investimento. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O Piauí galgou posições em indicadores relativos ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sustentabilidade e conectividade. O que faltou melhorar e qual balanço o senhor faz de seu governo, que pode chegar ao final em abril caso o senhor se candidate mesmo ao Senado?
Tenho uma sistemática de não antecipar o período eleitoral. Combinei aqui com os partidos que vamos abrir discussões sobre formação de chapas e eleições só em 2022. Aqui no Piauí, trabalhamos projetos de longo prazo. Um dos graves problemas do estado era a falta de planejamento, então adotamos um projeto voltado ao desenvolvimento social e econômico em uma perspectiva de 2003 a 2022. Foi feito um estudo técnico com a participação de vários órgãos públicos e do setor privado, o Plano de Desenvolvimento da Bacia do Parnaíba.
O Piauí era o patinho feito do Brasil, isso em 2002, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,4, que é muito baixo. O plano compreende 92 metas em várias áreas, como educação, segurança, infraestrutura, saúde e saneamento com um olhar para o ser humano. O plano foi bem-sucedido. Passamos para um IDH de 0,6 em 2010 e agora, em 2020, devemos ter alcançado 0,7, que é alto desenvolvimento. E já aprovamos uma continuidade do plano com metas até 2030 e 2050. O objetivo é ultrapassar o IDH 0,8.
É mais uma política de estado do que de governo, certo? Qual a garantia de que os novos governantes darão continuidade a esse plano?
O plano deixou de ser de governo para ser um projeto de estado. Ele foi aprovado na Assembleia como um plano de metas de longo prazo. Eu fui eleito em 2003 e reeleito em 2010. Meus sucessores deram continuidade.
Qual foi a importância das parcerias público-privadas especialmente em áreas como saneamento?
Para dar resultado, o plano precisava de alternativas para viabilizar investimentos. Então, a gente buscou garantir o equilíbrio fiscal, o que incluiu reduzir o endividamento. Só a dívida do estado era 180% da receita anual. A previdência chegou a consumir algo como 14% da receita corrente líquida. A folha de pagamento chega a 73% da receita.
A primeira providência foi passar o pente fino nas despesas?
A conta não fechava. Tivemos que ajustar a estrutura do estado. Havia, por exemplo, muitas pessoas não concursadas. Fizemos uma redução de 35 mil pessoas. Passamos também a ter um sistema de controle de água, energia.
Esse saneamento das contas públicas ajudou a aumentar a credibilidade do estado junto à iniciativa privada e atrair investimento?
Sim. Antes, a data da folha de pagamento do estado saía no jornal, tal a desorganização das contas. Em 2005, foi uma novidade apresentarmos uma tabela anual de salário, para o servidor saber o dia que receberia seu pagamento mensalmente e o ano todo. Neste ano, conseguimos pagar as pessoas dentro do mês, pela primeira vez na história do Piauí. A previsibilidade das receitas e despesas garante também que a economia possa se organizar, pois o estado é o maior pagador, o que ajuda atrair a iniciativa privada. Também fizemos uma lei do teto de gastos.
Como ela funciona?
O teto é vinculado a uma obrigação de investimento. O estado só pode realizar reajuste da folha de pagamento, por exemplo, se atingir uma meta de investimento. Isso obriga o governante a organizar as despesas de custeio, inclusive de precatórios.
O teto é flexível?
Sim. Qual é a lógica da lei do teto federal? Não consigo ver. Já existe um limite para gastos previsto em lei. A meta de investimento permite que a sociedade tenha, por parte do governante, uma obrigação de resultado. Na pandemia, precisamos contratar mais pessoal, tanto para saúde como vigilância sanitária e segurança, entre outras. E era possível fazer isso mesmo que não tivesse a regra da calamidade por conta da flexibilidade da nossa legislação.
O senhor tem conversado em Brasília sobre o teto de gastos, não?
Sim. Às vezes se coloca que ter uma regra para endividamento, a nível federal, é uma solução mágica. O Brasil tem diferenciados níveis de desenvolvimento. O lugar com renda mais baixa depende mais dos serviços públicos. Mas o ponto principal é que aqui a gente trabalhou investimentos centrado em alternativas. Combinamos também investimentos do estado com aqueles da União. Não temos dívida com a União, por isso podemos fazer operações de crédito sem o aval do governo. E o limite chega a 5 ou 6 bilhões de reais por ano. Hoje, temos um endividamento na casa de 40% da receita corrente líquida. Somos hoje o maior estado com carteira de modelagens de PPPs.
E qual tem sido o resultado das PPPs?
Em saneamento, avançamos muito. Em Teresina, onde o saneamento era muito ruim, universalizamos o serviço de água. E o Piauí vai ser o primeiro estado a alcançar uma rede de fibra ótica, que deve chegar a 224 municípios até abril. Também estamos avançando na telemedicina. Já é possível fazer cirurgias no interior do estado com acompanhamento do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Tudo isso é viabilizado por meio de PPPs. Adotamos esse modelo inclusive para melhorias em estradas.
O senhor tocou em um bom ponto. Não é preciso melhorar a infraestrutura das estradas para escoar com menos perdas a produção de grãos no estado, que hoje responde por 10% do PIB do Piauí?
É verdade. Também temos uma PPP nessa área, na rodovia Transcerrados, que liga um reserva de calcário no município de Antônio Almeida a outra reserva em Santa Filomena. Essa estrada corta os platôs que têm investimentos. A rodovia deve estar pronta até o final de 2023. Mas temos a necessidade de fazer os ramais da Transcerrado. Estamos fazendo uma rodovia que liga Baixa Grande do Ribeiro, um dos polos da soja, até a Transcerrados. Ainda tem dificuldade? Tem. Mas hoje já há uma condição bem melhor.
E qual é o tamanho do desafio do combate à pobreza no estado, em que 70% das crianças de até cinco anos vivem em famílias imersas nessa condição?
Eu vivi na pobreza. Minha família tem uma origem pobre. Sou descendente de índios. Minha mãe ainda mora em uma área isolada no município de São Miguel da Fidalga. Na região, não tinha energia, banheiro ou água potável. No início dos anos 2000, tínhamos 1,5 milhão de pessoas sem luz, vivendo à base da lamparina. Só tínhamos ensino médio em 46 municípios. Hoje, temos o ciclo completo da educação em todos os municípios.
Mas cerca de 40% da população do Piauí ainda vive em situação de pobreza, não?
Sim. Mas uma parte dessas pessoas vivia na miséria e passou para uma situação de pobreza e uma parte evoluiu para a classe média. A educação é o grande alicerce do desenvolvimento. O IDH do Piauí em relação à expectativa de vida, renda e educação evoluiu. A renda, por exemplo, passou de 2.400 reais per capita para 17.000. Na educação, o IDH era 0,3. Era onde o estado era mais atrasado. À medida que evoluímos na educação, o IDH mudou.