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Vítimas da chuva em Franco da Rocha e Baixada ainda 'vivem' tragédias

Mesmo quem conseguiu se afastar das áreas de risco socioambiental e tenta se reerguer economicamente sofre com o peso do aluguel

Deslizamentos: cenário de destruição ainda persiste, principalmente no Parque Paulista, região mais atingida pelas chuvas (CBMSC/Divulgação)

Deslizamentos: cenário de destruição ainda persiste, principalmente no Parque Paulista, região mais atingida pelas chuvas (CBMSC/Divulgação)

Estadão Conteúdo
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Agência de notícias

Publicado em 1 de março de 2023 às 09h58.

Famílias desabrigadas pelas enchentes e deslizamentos de terra causados pelas chuvas que afetaram o litoral sul em 2020 e Franco da Rocha, na Grande São Paulo, no ano passado, ainda esperam uma solução definitiva de moradia. Hoje, elas pagam aluguéis que, em geral, são maiores que o auxílio moradia emergencial de R$ 608 que recebem. No litoral, moradores mudaram de endereço, mas ainda vivem em zonas de risco. Na Grande São Paulo, pessoas que tiveram casas demolidas ou interditadas esperam novas moradias ou indenizações há mais de um ano.

A cuidadora de idosos Laura Almeida, de 52 anos, perdeu a casa no Morro do São Bento, em Santos, no dia 3 de março de 2020 - ela decorou a data. Desempregada à época, usou o auxílio-moradia concedido a munícipes que tiveram as casas consideradas inabitáveis pela Defesa Civil, para se mudar. O único aluguel que cabia no seu bolso era na Vila Progresso, no Morro da Nova Cintra, outra região com risco de deslizamento. "Ninguém sabe para onde vai. Vivo um dia de cada vez porque o futuro é incerto. Não temos apoio", diz.

Esse também é o drama da costureira Mariana Junqueira. Depois de sobreviver às chuvas no morro do Tetéu, a moradora de 40 anos alugou quarto, cozinha e banheiro em outro endereço, no Morro Nova Cintra, ainda sob risco de novos desmoronamentos. "Queria morar num lugar sem preocupação de sair correndo por causa do desabamento de terra a qualquer momento."

Laura e Mariana estão entre as 458 famílias vítimas dos deslizamentos nos morros de Santos em 2020. Considerando-se Guarujá e São Vicente, outras cidades afetadas, pelo menos 43 pessoas morreram. Três anos depois, os sobreviventes esperam uma saída. "As moradoras cobram uma solução definitiva. Elas pagam aluguel, mas o auxílio não é suficiente. E a maioria continua em áreas de risco", afirma a advogada Gabriela Ortega, integrante da Rede Nacional de Advogadas Populares (Renap).

Mesmo quem conseguiu se afastar das áreas de risco socioambiental e tenta se reerguer economicamente sofre com o peso do aluguel, como a esteticista Kelly Simões, de 45 anos. Depois de perder um terreno com quatro casas, incluindo seu salão de beleza, ela alugou um apartamento no Saboó, região livre das chuvas.

Para ajudar nas despesas, entre elas o aluguel de R$ 1.200, ela teve de vender o carro. Kelly lembra que a tragédia aconteceu poucos dias antes do início das medidas de isolamento social por força da covid-19, o que pressionou ainda mais as famílias. "Não sei o que responder sobre perspectivas."

Para quem viveu a tragédia, as imagens dos deslizamentos em São Sebastião, nas últimas semanas, são um gatilho para novos momentos de dor e desespero. A dona de casa Priscilla Correia, de 38 anos, conta que a tragédia de São Sebastião é a reprise do que viveu com o marido e os dois filhos no Morro do Pacheco, em Santos. "Vejo na TV exatamente o que aconteceu com a gente". Priscilla conta que sua casa está interditada à espera de uma obra municipal que ainda nem começou no Morro do Pacheco. Ela quer reformar a casa e vendê-la. Os dois filhos não querem mais viver lá.

Franco da Rocha

A interdição ou demolição das casas em risco de desmoronamento posterior significa uma dor dividida em vários capítulos para as famílias. Em Franco da Rocha, cidade da Grande São Paulo que registrou a morte de 18 pessoas pelas chuvas dos dias 29 e 30 de janeiro do ano passado, a empreendedora Karina Macedo recebeu a notícia de que sua casa seria demolida ontem. Emocionada, ela encaminhou vídeo da ação da retroescavadeira sobre a construção com mais de 30 anos. Hoje, ela e outras 69 famílias devem participar de mais uma reunião com a prefeitura para definir a nova moradia. Os planos são de um empreendimento na Vila dos Comerciários com início da construção previsto para este ano. Karina fala em "descaso" do poder municipal. "Não houve indenização."

Moradores que perderam suas casas por ali - como na tragédia de Santos - também aguardam que uma porta se abra. "Ainda não há solução", como explica o líder comunitário Felipe Lima. Diante da indefinição, alguns voltaram para imóveis interditados próximos do local do desastre. Na frente dessas casas há um "X" na parede, pintado pela Defesa Civil. Uma auxiliar de limpeza de 39 anos que prefere não se identificar afirma que permanece ali porque não consegue pagar aluguel em outro lugar com o auxílio dos R$ 608,94 custeados pelo poder municipal. Outros moradores justificam o retorno com a preocupação com saques dos imóveis vazios. Na Rua São Carlos, algumas casas não têm mais janelas.

Felipe Lima calcula que cerca de 20% antigos dos moradores retornaram.

O cenário de destruição ainda persiste, principalmente no Parque Paulista, região mais atingida pelas chuvas. O medo persiste. A prefeitura e associações de moradores estimam que 2 mil famílias vivem em situações de risco hoje

Embora seja constituída, em sua maioria, por imóveis em situação regular, com IPTU em dia, a periferia de Franco da Rocha possui várias construções irregulares, muitas erguidas há cerca de 30 anos. Uma delas é a da aposentada Maria do Socorro Avelino Silva de 57 anos. Sua casa foi interditada porque o barranco pode cair. Ela conta que passa por lá, de vez em quando, apenas para impedir os furtos. Depois de um ano, ela paga aluguel - mora com o filho para diminuir despesas. Diz que voltaria para a casa antiga desde que a prefeitura fizesse as obras de contenção. Na frase seguinte, repensa o que diz e afirma que não sabe se dormiria bem à noite.

Governos

A prefeitura de Franco da Rocha informa que oferece o Auxílio Moradia Emergencial de R$ 608,94 para 350 famílias, que continuará sendo pago até que tenham solução de moradia definitiva, e também vai indenizar os imóveis particulares cuja desapropriação foi necessária. O município prevê a construção de 692 unidades habitacionais para moradores de áreas de risco. O poder municipal conta com o apoio do governo estadual em duas obras: um muro de contenção na Rua São Carlos e dois piscinões.

Já a prefeitura de Santos informa que há 4.224 unidades habitacionais que serão destinadas à demanda dirigida e famílias moradoras em áreas de risco socioambiental. O poder municipal informa também que as 458 famílias vítimas dos deslizamentos nos morros, em março de 2020, estão recebendo, ininterruptamente, Auxílio Moradia Emergencial por meio de convênio com o governo estadual.

O Estado, por sua vez, informa que firmou convênios com municípios da Baixada Santista para contenção de encostas, no valor de R$ 48 milhões. Em Franco da Rocha, a Secretaria de Desenvolvimento Social do governo estadual doou R$ 98.438,16 referentes a Benefícios Eventuais. Também foram construídas 1.160 casas por meio do Casa Paulista, em parceria com a União.

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