Brasil

Um black bloc por trás da máscara

Os manifestantes mascarados são jovens comuns de classe média e classe média-baixa que acreditam que a sociedade não pode melhorar de forma pacífica


	A black bloc Elizabeth*, de 21 anos, posa no apartamento onde mora, no Rio de Janeiro

	
		 

 (AFP)

A black bloc Elizabeth*, de 21 anos, posa no apartamento onde mora, no Rio de Janeiro   (AFP)

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Da Redação

Publicado em 6 de junho de 2014 às 17h57.

Eles cobrem seu rosto com panos ou máscaras negras, e são considerados pelas autoridades a principal ameaça à estabilidade durante a Copa do Mundo do Brasil.

Mas, por trás da máscara, os black blocs - inspirados em um movimento surgido na Alemanha no anos 80 - são jovens comuns de classe média e classe média-baixa que acreditam que a sociedade não pode melhorar de forma pacífica.

Elizabeth, de 21 anos, trabalha analisando amostras em um laboratório de um hospital. Depois de oito horas de trabalho noturno, chega exausta em seu apartamento humilde, mas bem cuidado, em uma comunidade dominada pelo tráfico na zona norte do Rio de Janeiro.

Seu salário - 1.100 reais - não a permite ser independente. Ela vive com seu pai, em uma casa com uma cozinha americana e dois quartos pequenos. Sua mãe morreu de lupus quando ela tinha 10 anos.

Sem dormir, ela prepara tudo o que precisa para uma nova manifestação no centro da cidade, a poucos dias do Mundial.

"Existem muitas pessoas, e não só os adeptos da tática 'Black Bloc', que estão se preparando para o Mundial", assegura, com expectativa, a jovem, em um raro testemunho desses manifestantes, que geralmente se recusam a falar com a imprensa.

Elizabeth é um nome fictício, para proteger sua identidade.

Simpatizante do anarquismo

A jovem sai com uma máscara antigás e óculos para proteger seus olhos, assim como roupa completamente negra e um pano para cobrir o rosto. Por trás do uniforme agressivo, entretanto, há uma menina pequena e sensível, de olhos grandes, pele morena, cabelo ruivo liso e aparelho dentário.

Elizabeth carrega quatro cartazes. Um deles mostra uma mulher abrindo sua blusa em frente a um policial e gritando: "Dispara, filho da puta!". É uma homenagem às vítimas da violência policial nas periferias.

"Sonhava desde pequena que as pessoas saíssem às ruas como agora", afirmou. Considera, no entanto, a palavra anarquista "muito forte", preferindo denominar-se "simpatizante" da ideologia, que ela acredita contrapor-se a um sistema capitalista "baseado na mesquinhez, em aproveitar-se do ser humano e explorá-lo".

Destaca que o que os black blocs pedem hoje não é uma utopia, mas sim melhor transporte, educação e saúde pública. "Porque muita gente morre na fila do hospital", explica.

No Brasil, o movimento começou há cerca de um ano, durante as manifestações de junho de 2013, que levaram mais de um milhão de pessoas às ruas de diversas cidades do país.

Nos protestos, os black blocs formam a linha de frente, e alguns levam escudos para se proteger da polícia.

Violência como reação

Elizabeth passou a atuar como black bloc em junho. "Alguns policiais estavam me agredindo, sem eu ter feito nada, e alguns black blocs me tiraram daquela situação, empurrando-os. Os que tinham que me proteger estavam me batendo, e os que são chamados de vândalos estavam me ajudando".

Como os outros black blocs, insiste que não representa ninguém, e que não se trata de um grupo, mas sim de "uma tática de ação, a que qualquer um pode se juntar".

Os ativistas destruíram diversas agências bancárias e veículos de canais de televisão e da polícia. Jogam coquetéis molotov e pedras nos confrontos, mas a jovem garante que é sempre "como reação à violência dos agentes, que batem primeiro".

Viveram seu pior momento com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, de 49 anos, atingido por um rojão acendido por um black bloc, no Rio. Atualmente, o homem está preso, junto com outro jovem, que o entregou o artefato.

"Creio que foi um erro, e lamento profundamente a morte, mas foi um acidente, não foi intencional, mas está sendo julgado como tal", lamenta Elizabeth.

A jovem só defende a violência como um método de reação, mas alerta que "não é possível controlar todo mundo".

Insiste, entretanto, que "a polícia é muito mais violenta" que os manifestantes.

Depois das passeatas de junho, os black blocs seguiram na rua e o movimento ganhou força, mas em protestos menores.

No máximo, 500 mascarados participaram das maiores manifestações no Rio e em São Paulo. Elizabeth aponta as ameaças da polícia como o maior motivo da desmobilização. Ela assegura ter sido ameaçada por quatro agentes diferentes em seu Facebook.

Além do trabalho e do ativismo, a jovem também gosta de esportes e é apaixonada por ler e escrever. Levava em sua mochila um livro sobre Goebbels, ministro da propaganda no regime nazista alemão. Afirmou querer conhecer bem a pior cara da História.

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