Temer diz que debate sobre AI-5 é desnecessário e não vê risco democrático
Ex-presidente afirmou que é importante registrar os recuos, citando que Eduardo Bolsonaro foi a público "até humildemente" pedir desculpas
EFE
Publicado em 27 de novembro de 2019 às 17h03.
Última atualização em 27 de novembro de 2019 às 17h05.
Madri — Em viagem internacional à Espanha, onde participou nesta quarta-feira do fórum Tribuna Efe, o ex-presidente Michel Temer disse que o Brasil vive um momento de "normalidade democrática", não vê risco de contaminação dos protestos que ocorrem em países como Chile e Bolívia e acredita que a saída de Lula da prisão acentuou a polarização na política nacional.
"A todo momento ouço vozes de mau agouro dizendo 'é preciso uma nova Constituição'. Ou de que 'é preciso tomar cuidado porque vai cair a democracia'. Não há a menor possibilidade disso", disse Temer em entrevista à Agência Efe, que organizou o fórum realizado na Casa América, em Madri.
O ex-presidente comentou fatos recentes da política brasileira, como uma eventual nova edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), como sugeriu o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
"Vejo uma desnecessidade absoluta. Toda vez que houver grandes conflitos, e fiz isso várias vezes, você chama as Forças Armadas. Não precisa de um novo instrumento constitucional ou institucional para convocá-las. Só causa um debate inútil", declarou.
Confira a entrevista:.
Efe: Quais as implicações da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política brasileira?
Temer: Eu que sempre preguei a tese da pacificação, da unidade do país, imaginei que (Lula) sairia sem mágoas. Ficou tempo na prisão, perdeu até familiares, o que é doloroso. Mas imaginei que, por sabedoria política, pregaria não radicalização. É diferente a radicalização da polarização. A polarização está no campo das ideias. A radicalização é algo de raivosidades, ódios entre as pessoas. Acho que não foi útil para ele. E nem é para a politica brasileira que fique a velha história do "nós contra eles". De um lado, o presidente (Jair) Bolsonaro, e de outro, Lula. É preciso que todas essas lideranças encontrem um meio termo para pacificar as relações sociais. Isso é que útil para o Brasil.
Efe: Lula chegou a dizer que "um pouco de radicalismo faz bem à alma". Esse tom inflamado pode fazer o Brasil mergulhar em uma convulsão social igual às vistas em Chile e Bolívia, por exemplo?
Temer: Não creio. Nossas instituições estão muito solidificadas. Esses movimentos vistos na América do Sul não vão se verificar no Brasil. Penso que Lula deve começar a falar que a polarização, a do campo das ideias, pode fazer bem, agora a radicalização faz mal ao país. Tenho a compreensão de que logo ele compreenderá isso porque, antes de vir à Espanha, conversei com muitas pessoas, algumas ligadas a ele, que estão sugerindo aquilo que fiz ao longo do tempo: buscar uma certa unificação do país. Tenho a impressão de que o ex-presidente pode mudar o discurso.
Efe: O Ato Institucional número 5 (AI-5) voltou ao debate público após o ministro da Economia, Paulo Guedes, fazer alusão a uma declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro a respeito. O senhor vê a possibilidade de um golpe militar no Brasil?
Temer: É importante registrar os recuos havidos. O filho do presidente, quando verificou a gravidade, veio a publico até humildemente pedir desculpas. No caso do ministro Guedes, que conduz muito bem a economia brasileira, também recuou. Aliás, (Guedes) não fez uma afirmação de que era necessário o AI-5. Disse que talvez não se surpreendam se alguém pedir o AI-5. Agora, vejo uma desnecessidade absoluta. Toda vez que houver grandes conflitos, e fiz isso várias vezes, você chama as Forças Armadas. Não precisa de um novo instrumento constitucional ou institucional para convocá-las. Estão para garantir a lei e a ordem. Só causa um debate inútil.
Efe: Por "desnecessidade absoluta" o senhor se refere às declarações em si ou a um possível pedido do AI-5?
Temer: Em primeiro lugar, acho que não deveria haver as declarações. Porque criam isso, perguntas sobre as declarações, um certo transtorno, que não é útil ao país. Segundo, se pensarmos se vale a pena ter uma espécie de um ato qualquer assemelhado ao AI-5: de jeito maneira. Não é preciso e não se faz necessário, em face do atual sistema constitucional brasileiro.
Efe: Essa discussão ofusca debates que são urgentes à melhora de vida dos brasileiros, como a redução da pobreza e da desigualdade?
Temer: Atrapalha. Mas o governo está trabalhando. O governo Bolsonaro vai muito bem. Todo o governo chega e quer destruir o anterior. No caso do Bolsonaro, está dando sequência a tudo que eu fiz, que foi um governo reformista, com uma reforma laboral, trabalhista, do Ensino Médio, teto dos gastos públicos e recuperação das estatais. Quando entra um debate dessa natureza (AI-5), prejudica esses atos importantes mencionados na pergunta.
Efe: Vê um ambiente de normalidade democrática no Brasil?
Temer: Sem dúvida. Não tenho nenhuma preocupação. A todo momento ouço vozes de mau agouro dizendo "é preciso uma nova Constituição", ou "é preciso tomar cuidado, porque vai cair a democracia". Não há a menor possibilidade disso. Volto a dizer sobre a solidez das instituições nacionais, que repudiarão qualquer espécie de gesto mais agressivo de quem quer que seja.
Efe: Qual sua avaliação sobre o projeto de lei de excludente de ilicitude, do presidente Bolsonaro, que favorece a atuação de agentes de segurança em situações de risco como protestos?
Temer: Não vejo muita necessidade para isso. Especialmente porque a Constituição já estabelece a chamada "Garantia da Lei e da Ordem" (GLO), que permite a convocação das Forcas Armadas. Fiz isso em inúmeras ocasiões para conter rebeliões em presídios e resolver a questão da segurança pública em vários Estados, até por chamamento dos governadores. Agora, chamar a GLO para retirar aqueles que invadem terras (por exemplo), você também tira um pouco a própria competência do governador e da polícia militar. Cabe aos Estados, à polícia local, a desocupação em cumprimento à ordem judicial. (...) Isso (o projeto) ainda não foi concluído. Passará pelo Congresso Nacional. Não sei como vai decidir. Penso que talvez também veja a desnecessidade.
Efe: O senhor foi preso duas vezes neste ano. É acusado de receber propina de obras da usina de Angra 3 e responde a outros inquéritos. Em entrevista recente, disse que, sob o ponto de vista jurídico, não teme voltar à cadeia, mas reconheceu o medo de um "certo arbítrio". Acredita que pode ser vítima de uma análise parcial da Justiça?
Temer: Pode ultrapassar os limites da lei. Muito recentemente, foi editada uma lei contra o abuso de autoridade. Quem tem autoridade no nosso sistema é a lei. E toda vez que se ultrapassa os limites da lei, se abusa da autoridade. (...) As pessoas acham que são autoridades próprias como se fossem uma centelha divina que o tivesse colocado na Presidência, no Supremo, na Promotoria. Quando, na verdade, éramos autoridades constituídas, que a única autoridade é o povo. E o povo se manifesta por meio do Legislativo.
Efe: Qual o lugar que o senhor ocupa e quer ocupar na política brasileira?
Temer: Recuperação do país no plano econômico, com a melhora do PIB, inflação e juros. E como alguém que iniciou as reformas, um governo reformista.