Temer declara guerra a Janot de olho em defesa na Câmara
Em discurso, Temer insinuou que Janot pode ter se beneficiado financeiramente da ida de um ex-procurador para um escritório que atendeu a JBS
Reuters
Publicado em 27 de junho de 2017 às 21h55.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 22h02.
São Paulo - A declaração de guerra do presidente Michel Temer ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot , visa principalmente a Câmara dos Deputados, onde o presidente buscará enterrar a denúncia do procurador contra ele, e não deve alterar a débil situação dele perante a opinião pública.
"É um discurso voltado mais para a defesa dele no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados. Não à toa ele fez questão de estar acompanhado de vários parlamentares. Ele está se aproveitando de um sentimento meio generalizado no Congresso e no meio político de temor e de rejeição ao Ministério Público e à figura do Janot", disse Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores Associados.
Temer fez o pronunciamento nesta terça-feira ao lado de dezenas de parlamentares, a maioria deles do chamado centrão --PP, PTB, PR--, grupo a que tem recorrido para tentar reagrupar pelo menos parte da base, sob ameaça da debandada do PSDB.
Na fala, Temer insinuou que Janot pode ter se beneficiado financeiramente da ida de um ex-procurador para um escritório de advocacia que atendeu a JBS e classificou a denúncia de que é alvo no Supremo Tribunal Federal (STF) de "ficção", mote que deve ser repisado pelos defensores do presidente, e de um precedente perigoso.
"A estratégia dele é mais ou menos de desqualificar o mensageiro, que é o procurador-geral", disse o cientista político Carlos Melo, do Insper.
Fontes de dentro do Palácio do Planalto confirmaram que o tom de enfrentamento deve ser a tônica daqui para frente em uma tentativa de arregimentar o Congresso em uma batalha contra os procuradores.
"O presidente vai para o enfrentamento, não tem outra alternativa", disse uma das fontes.
Também não foi coincidência a menção de Temer aos "precedentes perigosíssimos" abertos pela denúncia do PGR.
"Quando se faz ataques assim ao presidente, atinge-se a classe política como um todo", disse outra fonte. "Pelo menos parte do Congresso parece ter entendido isso."
As fontes comemoraram a presença de cerca de 70 parlamentares ao lado de Temer no pronunciamento, após o que chamaram de "uma mobilização de última hora".
"Não é pouca coisa. Mostra que não há isolamento do presidente", disse uma das fontes.
Credores do presidente
A guerra aberta contra o chefe do Ministério Público, no entanto, deverá concentrar todos os esforços de Temer ao menos até setembro, quando acaba o mandato de Janot, e o desgaste ao presidente deve ser prolongado, especialmente com a decisão do procurador-geral de fatiar as denúncias contra Temer.
Embora a maior probabilidade atualmente seja de manutenção do presidente e de que ele consiga que a Câmara barre a denúncia feita por Janot na noite de segunda-feira, a possibilidade de ao menos três novas peças acusatórias serem entregues coloca ainda mais em xeque a capacidade de mobilização legislativa do presidente.
"Pelo menos hoje, com os olhos de hoje, dá para você imaginar como plausível que Temer tenha mais de 172 votos no Congresso. Em uma votação", disse Melo
"Uma coisa é votar uma vez só. O sujeito vota lá e aguenta depois uma pressão de seu eleitorado, mas toca a vida. Outra coisa, é uma votação em que o eleitor vai lá e te aporrinha porque você votou a favor do governo, e aí você tem que voltar para votar de novo, e as pessoas estão vigilantes sobre você e a mídia está vigilante sobre você", disse.
"E depois ainda mais uma (votação). É um teste de resistência para a base", acrescentou.
Para que a Câmara autorize o Supremo a processar o presidente, são necessários os votos de 342 deputados. Portanto, caso Temer consiga 172 votos, ele inviabiliza esse quórum favorável à denúncia.
Em um cenário em que a base aliada a Temer tenha de votar para salvar o presidente três ou mais vezes, avalia Melo, os parlamentares governistas se sentirão credores do presidente, o que o deixaria em uma situação delicada para pedir apoio a medidas impopulares como a reforma da Previdência, um dos principais pontos da agenda legislativa de Temer.
"A capacidade legislativa do governo é declinante", disse Melo, para quem, em caso de sobrevivência de Temer, 2018 será um ano "naturalmente perdido do ponto de vista Legislativo".
Para Ribeiro, da MCM, caso se mantenha no cargo, Temer ficará em posição fragilizada para tocar a agenda legislativa, principalmente as mudanças previdenciárias.
"Hoje acho improvável que passe qualquer versão da reforma da Previdência", afirmou.