Lei Seca: Em janeiro de 2008, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou uma medida provisória proibindo a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais (Jon Hicks/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 19 de maio de 2022 às 16h47.
Última atualização em 19 de maio de 2022 às 17h03.
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para manter trechos da Lei Seca e do Código Brasileiro de Trânsito que têm por objetivo evitar que os motoristas dirijam embriagados. Oito dos 11 ministros foram a favor da tolerância zero com álcool na direção, e da aplicação de sanções como multa de R$ 3 mil e suspensão do direito de dirigir por 12 meses a quem se recusa a fazer o teste do bafômetro.
Também está em julgamento a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas estradas federais na zona rural. Nesse ponto, também já há maioria: o placar está 7 a 1 pela manutenção da regra.
O julgamento começou na quarta-feira, com o voto do presidente do STF, o ministro Luiz Fux, que também é o relator das três ações que tratam do tema. A análise dos processos foi retomada nesta quinta-feira. Já votaram os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Rosa Weber.
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Em janeiro de 2008, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou uma medida provisória proibindo a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais. O texto foi incrementado pelo Congresso, que aprovou também a proibição do consumo de qualquer gota de álcool para poder dirigir, no que veio a ser chamado de "Lei Seca". Normas posteriores vieram a tornar mais dura a punição a quem se recusa a fazer o teste do bafômetro ou outra forma de atestar que não está embriagado.
Nunes Marques foi a favorável à derrubada da proibição do comércio nas estradas, mas se posicionou pela manutenção das demais regras. Ele lembrou que, embora haja tolerância zero ao álcool na direção, a lei estabelece que, até determinado nível, há apenas infração administrativa. A caracterização de crime de condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ocorre a partir de determinada concentração. Nunes Marques também disse que a aplicação de sanções à recusa do teste do bafômetro é medida adotada em países civilizados.
— Não vejo qualquer inconstitucionalidade na norma principalmente por suposta ofensa ao direito de não se incriminar ou ao direito de ir e vir. A sanção à recusa de se submeter ao teste de alcoolemia visa garantir o direito de fiscalização de polícia, que, de outro modo, ficaria sem meios para induzir a submissão de eventual infrator. Como não é possível a imposição física do teste ou perícia por ofensa à dignidade da pessoa humana, se não houvesse nenhuma sanção para a recusa a tais medidas de fiscalização, o poder de polícia restaria destituído completamente de autoridade — disse Nunes Marques.
Sobre a venda de bebidas em estradas, Nunes Marques disse que não haver estudos que justifiquem a medida, que ainda por cima atinge pequenos estabelecimentos comerciais na zona rural.
— Não existe qualquer tipo de estudo que tenha justificado racionalmente a medida. O fato que realmente induz os acidentes desse tipo consiste em o motorista dirigir veículo sob o efeito de bebida alcoólica, mas o local da aquisição da bebida talvez não seja relevante.
Alexandre de Moraes acompanhou Fux na íntegra, ou seja, foi favorável à manutenção de todas as regras que estão em julgamento:
— Afastar esses mecanismos de controle é afastar o poder de polícia, simplesmente relegar a lei à total ineficácia, com resultados drásticos tanto do ponto de vista de vidas, de sequelas relacionadas a lesões graves, quanto do ponto de vista econômico.
Barroso também:
— As incontáveis vidas salvas que foram salvas por essa legislação justificam sua manutenção.
Na quarta, Fux destacou que em 2007, ano anterior à Lei Seca, o Brasil chegou a ter 66.836 mortes no trânsito.
—Essas normas são proporcionais. Assim como outras diversas nações, o Estado brasileiro atesta os estudos e comprovações científicas ao estampar no ordenamento jurídico o entendimento de que não existem quantidades objetivamente seguras para o consumo do álcool e, dessa maneira, tem como margem zero a fixação do índice de alcoolemia. Dessa forma, não importa a quantidade ingerida — disse Fux na quarta.
Sobre a recusa do bafômetro, Fux disse que há punições administrativas, e não penais. Assim, não há violação do direito de não produzir provas contra si mesmo.
— Caso o condutor alcoolizado possa se evadir do local de fiscalização sem realizar qualquer teste capaz de comprovar seu estado, a atestação de seu estado de embriaguez restará impossibilitada. A fim de se desincentivar essa conduta, é necessário que a recusa produza algum efeito. Caso contrário, a previsão normativa seria simplesmente inócua — afirmou o presidente do STF na quarta.
Ele chegou a cogitar liberar a venda de bebidas alcoólicas, mantendo apenas a regra que impede um motorista de dirigir alcoolizado, mas depois mudou de opinião e manteve a proibição.
— Muito embora tenha me preocupado com os pequenos comerciantes que vendem bebidas nas rodovias, cheguei à conclusão de que efetivamente não se deve mexer naquilo que está dando certo, em especial no tocante a normas de proteção à vida, saúde, segurança — afirmou Fux na quarta.
Das ações em julgamento, a mais abrangente é a da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), apresentada em 2008. A entidade diz que nunca foi a favor da não punição dos "irresponsáveis que dirigem embriagados", mas vê vários problemas na Lei Seca, avaliando-a como inconstitucional. Destacou, por exemplo, que em outros países, como nos Estados Unidos e dentro da Europa, é permitido o consumo de álcool até certo limite. Assim, não é razoável punir "indiscriminadamente" quem não oferece qualquer risco à sociedade.
"Nestes países, a concentração permitida é bem mais elevada do que era no Brasil mesmo antes da atual tolerância zero – equivalente ao de países muçulmanos –, e nem por isso eles convivem com os drásticos índices de acidentes e mortes que afligem nosso país, como sofismam os prós Lei Seca", destacou a entidade em uma manifestação entregue ao STF em 2013.
Hoje, há algumas decisões judiciais contra a aplicação de sanções a quem se recusa a fazer o teste. No pacote de ações em julgamento, por exemplo, há um recurso do Departamento de Trânsito (Detran) do Rio Grande do Sul que chegou ao STF em agosto de 2019 contra uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do estado anulando um auto de infração. O processo tem repercussão geral, ou seja, o que for decidido nesse caso específico deverá ser observado por juízes e tribunais de todo o país. Segundo dados compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há mais de mil processos no Brasil à espera de uma definição.
A outra ação que está sendo analisada foi apresentada em 2008 pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). Ela é focada na proibição da venda de bebidas alcoólicas nas estradas federais. A entidade questionou primeiro a medida provisória de Lula, e depois a parta da Lei Seca que trata do tema. A CNC destacou que o comércio de bebidas alcoólicas é uma atividade lícita e que sua proibição viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, afetando também o direito de propriedade.
"É de se destacar que a Medida Provisória não atinge necessariamente os motoristas transgressores, pois aqueles que costumam regularmente ingerir bebidas alcoólicas, não deixarão de fazê-lo. Vão apenas sair das rodovias federais e irão beber nos bares, restaurantes e churrascarias situadas em cidades próximas às estradas, nas quais a venda daquelas bebidas não é vedada. Isso cria o risco de incentivo ao mercado clandestino ou paralelo de bebidas alcoólicas, repetindo a lastimável experiência da 'Lei Seca' norte-americana", diz trecho da ação da CNC apresentada em 2008.