Cármen Lúcia: "ninguém aguenta viver numa sociedade em que as próprias instituições dão um mau exemplo de viver em conflito" (José Cruz/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de novembro de 2017 às 08h19.
Brasília - Motivo de disputa entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e Polícia Federal (PF), a competência para firmar acordos de colaboração premiada deverá ser julgada em dezembro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A presidente da Corte, Cármen Lúcia, informou ao Estadão/Broadcast que pautará a ação em que a PGR tenta obter a exclusividade para assinar delações. Segundo o Estado apurou, a maioria da Corte deverá avalizar a possibilidade de a PF fechar delações.
O suspense em relação à definição da Corte sobre o tema emperra o andamento de delações já firmadas pela PF, como a do operador do mensalão Marcos Valério e do marqueteiro Duda Mendonça, feitas sem a participação do MPF.
Indagada pela reportagem sobre a disputa entre PF e MPF, Cármen defendeu o diálogo entre as instituições. "Não sei da disputa da casa dos outros, mas, se houver, acho que a tendência é mesmo conversar. O que a Constituição põe expressamente, quanto aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, é que a harmonia há de prevalecer para que a sociedade tenha um pouco de paz e de sossego. Ninguém aguenta viver numa sociedade em que as próprias instituições dão um mau exemplo de viver em conflito", disse Cármen.
O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no STF, já avisou que vai aguardar a discussão do assunto pelo plenário para decidir se homologa ou não o acordo de Duda Mendonça.
A ação direta de inconstitucionalidade a ser julgada pela Corte, que então definirá a jurisprudência, tem como relator o ministro Marco Aurélio Mello, que já sinalizou ser a favor de a PF firmar delações.
"Como disse no plenário (na discussão sobre a homologação da delação da JBS), para mim, delação nada mais é que um depoimento. Agora, é interessantíssimo. Começa um depoimento frente à polícia, e se o investigado quiser adiantar fatos, o delegado vai dizer 'para, para, para, aqui não'?", questionou Marco Aurélio após encontro com o então diretor-geral da PF, Leandro Daiello, há três meses.
Em agosto, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse à reportagem que "não há dúvida" de que a polícia possui legitimidade para fechar os acordos.
"Em face da própria lei que cuida do instituto da colaboração premiada, não há dúvida de que a autoridade policial dispõe, sim, de legitimidade plena para também celebrar o acordo de colaboração premiada, ouvido sempre o Ministério Público", afirmou o decano.
Outros quatro ministros ouvidos reservadamente concordam com a possibilidade de a PF firmar os acordos. Um deles diz que não vê problemas de a PF fechar delação considerando que o Ministério Público Federal supervisione o processo.
Durante a cerimônia de transmissão de cargo ocorrida no último dia 20, o novo diretor-geral da PF, Fernando Segovia, reconheceu que "há hoje uma infeliz e triste situação de uma disputa institucional de poder" entre a corporação e o Ministério Público Federal.
"Mas confio muito no espírito de maturidade institucional e profissional dos membros dessas instituições, que, neste momento, têm a oportunidade de escrever um novo capítulo em sua história, deixando de lado a vaidade e a sede de poder, buscando um equilíbrio e entendimento em nossas ações em prol de toda a nação brasileira, pois o único que se beneficia com essa disputa é o crime organizado", comentou Segovia.
Em manifestação encaminhada ao STF durante a gestão de Leandro Daiello, a PF alegou que, caso seja afastada do emprego das delações premiadas, o sistema de freios e contrapesos será desregulado e cidadãos investigados poderão ser expostos a abusos.
Para a PF, o MPF pretende atuar como "Estado-investigador", órgão de controle externo da atividade policial e como magistratura, ao modular penas e prever benefícios não contemplados em lei. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.