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STF dá sinal verde para manter em vigor novo marco legal do saneamento

A decisão representa uma vitória para o modelo de prestação de serviços idealizado pelo Congresso e pelo governo

Estátua da Justiça em frente ao STF, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)

Estátua da Justiça em frente ao STF, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 2 de dezembro de 2021 às 19h20.

Última atualização em 2 de dezembro de 2021 às 19h34.

Elaborado para reverter a cobertura insatisfatória dos serviços de água tratada e esgotamento sanitário no Brasil, o novo marco legal do saneamento foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em julgamento nesta quinta-feira, 2, os ministros da Corte rejeitaram, por sete votos a três, quatro ações que buscavam derrubar a lei, em vigor desde julho de 2020.

A decisão representa uma vitória para o modelo de prestação de serviços idealizado pelo Congresso e pelo governo, cujo principal pilar é permitir uma entrada mais forte de empresas privadas no fornecimento dos serviços de água e esgoto à população. Para isso, a lei determina que as prefeituras só podem contratar empresas para prestar essa atividade por meio de licitação. Até então, os municípios podiam fechar contratos diretamente com as empresas estaduais de saneamento. Com isso, as estatais passaram a dominar o setor nas últimas décadas.

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O formato, no entanto, foi considerado fracassado ao deixar relevante parte da população desatendida. Hoje, 16% da população não tem fornecimento de água potável e quase metade não é atendida com rede de esgoto. Pelas metas do novo marco, até 2033 as empresas precisam garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%.

Com a abertura ao setor privado, o Congresso e o governo esperam superar o déficit de investimento que marcou o saneamento no Brasil. Há cálculos que apontam a necessidade de até 750 bilhões de reais para garantir a universalização dos serviços no país. Desde que o novo marco foi sancionado, já foram realizados cinco leilões no setor, todos considerados bem-sucedidos, com atração de 37,7 bilhões de reais em investimentos, segundo a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).

Para dezembro, estão previstas outras seis licitações, que prometem gerar mais 8,1 bilhões de reais em investimentos. Eles acontecem em Dois Irmãos do Tocantins (TO), Xique-Xique (BA), Goianésia (GO), Teresópolis (RJ), em Alagoas e no Rio de Janeiro.

Segundo a Abcon, numa análise nacional, o montante a ser investido a partir dos leilões já realizados vai provocar um impacto direto e indireto na economia de mais de 66 bilhões de reais oriundo do aumento na demanda de diversas cadeias produtivas que compõem a expansão dos serviços de água e esgoto. Além disso, o cálculo é de que os recursos gerem mais de 600.000 postos de trabalho ao longo das próximas décadas, com arrecadação tributária de cerca de 4,1 bilhões de reais.

Contestação

Relatadas pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, as ações que contestam o marco legal na Corte foram apresentadas pelo PDT, pelo PCdoB, pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). Um dos primeiros a acionar o STF contra a lei foi o PDT. Para a sigla, o texto afronta a Constituição Federal e prejudica as companhias públicas estaduais de saneamento.

Um dos pontos questionados pelos partidos e pelas estatais é a obrigação imposta aos municípios para licitar os serviços de saneamento. Eles queriam que o STF permitisse o retorno dos ‘contratos de programa’, fechados sem licitação.

Para a maioria dos ministros da Corte, no entanto, o modelo escolhido pelo Congresso é válido e não contraria as normas constitucionais. Além disso, os integrantes da Corte destacaram que o formato de prestação de serviços concentrado nas estatais não foi eficiente para a população, vide os números de desatendimento.

Votaram para manter o marco legal integralmente os ministros Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Já os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski se posicionaram pela derrubada de alguns trechos da lei.

"O status quo que já vinha há muito tempo estabilizou o país em padrões muito insatisfatórios. Portanto, incentivos à concorrência mediante licitação e atração de capitais privados é mudança do paradigma adotado até aqui, com o qual estamos infelizes", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso. "É indispensável a superação do preconceito contra a iniciativa privada", disse.

"Transcorridas quatro décadas, essa configuração empresarial continua sendo a principal forma de disponibilização dos serviços, que nós temos assistindo essa absoluta ineficiência", disse Fux na leitura de seu voto na semana passada.

Os ministros também argumentaram que a obrigatoriedade de licitação não gera danos às estatais, como foi argumentado. Eles observaram que as empresas públicas estão liberadas para participar dos leilões. Portanto, não haveria favorecimento às companhias privadas a partir do novo marco. "Não se pode demonizar o lucro dos empreendedores nem afirmar que os serviços só podem ser adequadamente prestados pelo Estado", afirmou o ministro Kassio Nunes Marques.

O ministro Alexandre de Moraes também corroborou com a regra do marco que exige a regularização dos contratos atuais como condição para que eles possam continuar em vigor. "Não é possível que aceitemos que contratos que não estão produzindo o efeito correto se mantenham como estão", afirmou Moraes. Pela lei, os contratos em vigor que não possuírem as metas estipuladas pelo marco terão até 31 de março de 2022 para viabilizar essa inclusão.

Autonomia

A posição do plenário, no entanto, não foi unânime. O ministro Edson Fachin foi o primeiro a votar contra a obrigatoriedade de licitação definida pelo marco, apesar de acompanhar o relator em outros aspectos. Para Fachin, essa exigência feita pela lei viola a autonomia municipal, uma vez que as prefeituras são as titulares dos serviços de saneamento. "Em meu modo de ver, violando a autonomia municipal, estamos curando a doença [déficit no atendimento do saneamento] matando o doente", afirmou o ministro. A posição foi acompanhada pela ministra Rosa Weber.

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