Spread positivo na avaliação do Brasil: Lucas de Aragão projeta 2024
OPINIÃO | Relação entre o Executivo e o Legislativo deve permanecer volátil, com o governo enfrentando dificuldades em medidas provisórias
Colunista
Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 12h32.
Última atualização em 26 de dezembro de 2023 às 17h27.
Ainda durante as eleições de 2022, escrevi alguns artigos sobre a percepção estrangeira em caso de vitória do presidente Lula . Havia acabado de voltar de uma rodada de conversas com investidores internacionais. Era uma fotografia do momento, mas que capturou bem a sensação térmica que permeou a relação entre governo e investidores estrangeiros no primeiro ano de mandato. Um otimismo moderado e uma certeza de que o figurino institucional do país seguraria ímpetos mais à esquerda, um temor do mercado financeiro. Ainda assim, havia receio sobre retrocessos recém-aprovados pelo Congresso, pouco apego ao fiscal e intervencionismo excessivo.
Não existe um caso de amor entre o governo Lula e o mercado, mas a realidade acabou sendo melhor do que a expectativa, principalmente em relação ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad . Isso refletiu na bolsa brasileiro e no câmbio.
Investidores internacionais são frios e não ancoram suas decisões apenas em gostar ou não de um político. O fator primordial é olhar se o país está barato e se há um spread entre expectativa e realidade. A percepção em janeiro era de que o Brasil estava barato. Agora, em dezembro, é quase consenso entre os investidores de que a realidade acabou sendo melhor do que a expectativa. Mesmo com o governo, em muitos momentos, se esforçando para tentar parecer pior do que é, escorregando em narrativas velhinhas e que ninguém mais dá bola.
Se o fluxo estrangeiro na bolsa foi alto, investidores que olham a economia real, com investimentos diretos estrangeiros (IED), preferiram esperar um pouco mais. Afinal, são recursos que precisam de mais tempo para amadurecer. Existia um temor de que o governo poderia alterar marcos regulatórios vistos com bons olhos lá fora. O governo chegou a tentar mudar o Marco do Saneamento, mas a tentativa foi pessimamente recebida pelo Congresso Nacional, forçando o governo a recuar.
Está cada vez mais claro que a autonomia do Congresso Nacional continuará crescendo. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada nesta semana, traz mais um capítulo deste movimento imparável. O relator, Danilo Forte (União/CE), apresentou uma novidade importantíssima que foi pouco comentada. As emendas agora têm cronograma para serem liberadas. A mudança acaba com uma importante ferramenta do governo: timing na liberação de emendas impositivas, principalmente em semanas de votações decisivas. Prelúdio de um 2024 onde o governo continuará no banco do passageiro em pautas que precisam do Parlamento.
A relação entre o Executivo e o Legislativo continuará volátil. O governo terá dificuldade em medidas provisórias, principalmente em assuntos complexos. Vetos continuarão sendo derrubados. O hiper-presidencialismo dos anos 1990 e 2000 acabou. Vitórias terão de ser construídas a partir da boa vontade de líderes partidários e principalmente dos presidentes legislativos, Arthur Lira (PP/AL) e Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Se no passado a maioria era construída pelo governo, hoje é por Lira e Pacheco. E em muitos assuntos, principalmente econômicos e regulatórios, eles pensam diferente do PT.
As principais tentativas do governo de aprovar projetos continuarão vindo do Ministério da Fazenda, sempre diluídas por um Congresso de centro e com mais boa vontade em escutar o mercado. Foi assim com os principais projetos de Fernando Haddad: Carf, Fundos Exclusivos, Fundos Offshore, Arcabouço Fiscal e Subvenção do ICMS. Em todas essas votações, relatores de partidos do Centrão alteraram o texto, deixando-os mais palatáveis ao mercado financeiro.
Conversando com assessores do presidente Lula e ministros do PT fica claro que a percepção dentro do Palácio do Planalto é de conforto. O aumento de arrecadação garante robustez aos programas sociais. A maior aceitação de Haddad garante que não haverá um cancelamento do governo pelo mercado, como ocorreu com Dilma. No meio ambiente, tema caro ao mundo, a postura do governo é percebida como suficiente para não gerar dramas. A soma dessas variáveis resulta em uma popularidade confortável. Longe de ser uma “Brastemp” do governo Lula I e II, mas confortável.
Ainda que o governo não apresente grandes novidades estruturais com potencial de mudar o Brasil, a percepção palaciana é que no médio prazo e com olho em 2026, jogar meio parado não traz grandes riscos, pelo menos eleitoralmente.
Com a oposição ainda sem nome definido, inflação entrando nos eixos, desemprego baixo, crescimento acima do esperado, um presidente que segura um terço do eleitorado no gogó, e um centrão que pode apoiar a reeleição, o governo acredita que chegarão fortes em 2026.
Não é uma avaliação errada, mas é arriscada. O PT ainda carrega uma grande rejeição na sociedade e um segundo turno em 2026 contra qualquer candidato pode se transformar em uma dramática decisão de campeonato.
O otimismo moderado do mercado é ancorado nesse cenário de curto e médio prazo sem chacoalhões excessivamente intervencionistas. Já o setor produtivo e fundos que investem no mais longo prazo continuam ansiosos por um país que discuta de maneira mais profunda grandes temas estruturais: infraestrutura, educação, produtividade e segurança jurídica. Até lá, continuam buscando ilhas de oportunidades em um país gigante, que consome e que ainda é mais organizado que nossos pares emergentes mundo afora.
A política não é binária. Nada na vida é. Não é sobre o Congresso ser ou não ser fiscalista ou gastador. Ou sobre Haddad ser ou não ser pragmático. A percepção hoje é que o Congresso é mais fiscalmente responsável do que no passado. E que Haddad é mais pragmático do que a maioria do mercado esperava em janeiro de 2023.
Em um cenário de um Congresso mais fiscalmente responsável modulando as pautas econômicas de um Haddad mais pragmático do que o esperado, o otimismo internacional continuará existindo, ainda que com cautela.