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SP prevê casas de 18 m² e auxílio de até R$ 1,2 mil para quem abrigar sem-teto

Essas iniciativas fazem parte do decreto que cria o programa Reencontro, a nova política municipal para a população de rua, que deve ser publicado nos próximos dias

Programa Reencontro: o total de sem-teto saltou 31% entre 2019 e 2021 (Alan White/Fotos Públicas)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 18 de janeiro de 2023 às 18h12.

Última atualização em 18 de janeiro de 2023 às 18h30.

Diante do aumento da população em situação de rua em São Paulo, a prefeitura investe em casas modulares, de 18m², como opção de moradia para os sem-teto. A previsão é entregar 2 mil unidades até o fim deste ano — a primeira vila foi inaugurada em dezembro no Canindé, na zona norte. Outra frente será um auxílio, entre R$ 600 e R$ 1,2 mil, para quem hospedar pessoas em vulnerabilidade social.

Essas iniciativas fazem parte do decreto que cria o programa Reencontro, a nova política municipal para a população de rua, que deve ser publicado nos próximos dias. Com a pandemia e a piora da crise socioeconômica, o total de sem-teto saltou 31% entre 2019 e 2021 — são quase 31 mil sem ter onde morar, segundo o último censo da prefeitura.

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A gestão Ricardo Nunes (MDB) destaca a área social como um dos focos do seu mandato, mas no dia a dia os cidadãos veem o problema cada vez mais evidente nas ruas — já não é incomum flagrar famílias em barracas ou sob viadutos. Entre as críticas de especialistas, está a dificuldade do poder público de criar políticas integradas, em larga escala e de longo prazo para resolver o problema.

As casas modulares são diferentes dos abrigos: a ideia é que as pessoas fiquem lá por até dois anos. O programa é inspirado no conceito Housing First, que prioriza a moradia como ponto de partida para outros direitos sociais da população de rua, como educação, saúde e trabalho. Iniciado nos Estados Unidos, o movimento inspira iniciativas na Espanha, Canadá, Japão e França.

A primeira Vila Reencontro, no Canindé, na zona norte, foi erguida no antigo clube da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), perto do Shopping D, ao custo de R$ 2,796 milhões. São 40 unidades para 160 pessoas — todas estão ocupadas.

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Casa mobiliada e com número

As casinhas têm banheiros, pias e são mobiliadas com camas, geladeiras, fogões com duas bocas e guarda-roupas. Há vasos de plantas na entrada das unidades. São estruturas metálicas, que lembram contêineres e, mesmo com o sol de rachar de sexta-feira, 13, no dia da visita do Estadão ao local, não fazia calor excessivo no interior dos ambientes.

O foco são famílias com crianças, de até quatro pessoas e que estejam usando as ruas como moradia há menos de dois anos. Quem mora ali tem de respeitar algumas regras, definidas pela Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI), gestora do serviço. É preciso chegar antes das 22h, salvo exceções médicas ou profissionais, e mostrar carteirinha de identificação na portaria.

Por enquanto, eles não podem receber visitas — ponto de lamento para o mecânico Eduardo Severino Silva, de 30 anos, que vive ali há duas semanas com a mulher, Aline Souza, de 34, e as duas filhas — a prefeitura afirma que a restrição é provisória e pode ser revista nas próximas assembleias de moradores. Por outro lado, eles têm Wi-Fi e espaço para as crianças brincarem.

O manobrista Ricardo Augusto Santos, de 43 anos, destaca que as casas têm número, o que significa um endereço para correspondência. "Quando você vive em um abrigo, sem endereço fixo, as empresas não chamam. Esse momento é de renovação para mim", diz. Antes de viver ali, Ricardo, a mulher Gilmara e as duas filhas estavam no Centro de Acolhimento Temporário do Canindé.

Quem mora ali não pode beber nem usar drogas. Se há uso abusivo, serão atendidas por outros programas, como o Redenção e o Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (SIAT), diz a prefeitura.

A experiência da administradora na organização dos acampamentos de refugiados e migrantes venezuelanos em Roraima ajudou na criação de coletivos dentro da vila. Um morador de cada casa integra os grupos responsáveis pela horta, limpeza e alimentação. A autogestão é uma novidade para população de rua. No começo, as pessoas estranharam; agora, estão se acostumando. Durante a visita do Estadão, uma das moradoras varria a área de convivência.

Questionado sobre a disparidade entre o número de casas previstas e o tamanho da população de rua — as vagas representam cerca de 25% do total de pessoas sem-teto —, o secretário de Assistência Social, Carlos Bezerra Jr., cita outras iniciativas, como o aumento das vagas nos centros de acolhida e nos hotéis, passando de 1,7 mil para 3,3 mil, e a ocupação de prédios públicos desocupados, como seis construções da Fundação Casa. "Tiramos 50 pessoas das ruas por dia", diz ele.

Diante do volume de pessoas em vulnerabilidade que chegam à cidade mensalmente — 600, nas contas do Município —, a secretaria quer criar um comitê metropolitano, com municípios da Grande São Paulo, para discutir e implementar políticas públicas para esse público.

Alvos de novo auxílio

Já o auxílio-reencontro funciona como uma ajuda financeira a quem acolher a pessoa em situação de rua. Ele oferece duas faixas diferentes: R$ 600 por pessoa acolhida ou R$ 1,2 mil por família (casal em união estável ou pai/mãe com um ou mais filhos).

Será direcionado a "locação, arrendamento ou hospedagem da pessoa em situação de rua, em unidades habitacionais completas ou parciais ou compartilhadas", segundo o texto da minuta do decreto da nova política, ao qual a reportagem teve acesso. Na prática, o foco são proprietários de pensões com vagas ociosas; donos de imóveis vazios ou até mesmo pessoas que tenham um cômodo vago em sua casa. O auxílio será oferecido por 24 meses.

Bezerra Jr. diz que essa lei ainda está na fase de regulamentação e detalhamento técnico entre as secretarias envolvidas. Depois, o documento ainda precisa do aval do prefeito, por isso, ainda há questões em aberto. Entre elas, estão a frequência de acompanhamento assistencial dos inquilinos a metodologia e a elegibilidade, o que especialistas veem como um dos principais desafios para uma ideia desse tipo. Entre os pré-requisitos para receber a mensalidade, por exemplo, está a permanência do acolhido longe do álcool e outras drogas.

Privacidade e autonomia

Para o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, seria interessante fazer ajustes no programa. "O projeto propõe autonomia, mas o local tem refeitório e uma administradora. Uma resposta mais adequada seria investir na locação social, que gera mais autonomia que um espaço institucional, com uma tutela", afirma ele, referência no debate sobre atendimento a pessoas em situação de rua.

Na Vila Reencontro, são servidas quatro refeições diárias. A prefeitura diz que a medida é apenas provisória e que as famílias serão cada vez mais autônomas.

Segundo Robson Mendonça, presidente do Movimento das Pessoas em Situação de Rua, é importante que sejam providenciadas habitações permanentes, mas as casas modulares "garantem individualidade e oferecem melhores condições que os albergues".

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