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A roleta da família brasileira

Jardel Sebba  No ano que se completam sete décadas da proibição dos cassinos no Brasil, poucas vezes se percebeu um ambiente tão propício para reabri-los. Duas propostas de regulamentação dos jogos de azar no país estão em discussão no Congresso Nacional. Ainda em Brasília, diante de um momento de crise financeira aguda, o Palácio do […]

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Da Redação

Publicado em 27 de agosto de 2016 às 08h31.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

Jardel Sebba 

No ano que se completam sete décadas da proibição dos cassinos no Brasil, poucas vezes se percebeu um ambiente tão propício para reabri-los. Duas propostas de regulamentação dos jogos de azar no país estão em discussão no Congresso Nacional. Ainda em Brasília, diante de um momento de crise financeira aguda, o Palácio do Planalto sinaliza que vê com bons olhos o potencial de arrecadação que esta indústria pode trazer aos cofres públicos, estimado entre 15 e 20 bilhões de reais anuais.

A presidente afastada Dilma Rousseff já havia se manifestado a respeito no começo de seu segundo mandato, e o presidente interino Michel Temer parece ser ainda mais entusiasta do assunto. Na versão 2016, a proposta apontada como a mais provável a concretizar a regulamentação dos jogos de azar no Brasil está atrelada à indústria do turismo. “O Ministério do Turismo enxerga na possibilidade de legalização dos jogos, mais especificamente na abertura de cassinos em hotéis ou resorts, uma oportunidade para ampliar a competitividade do setor turístico brasileiro e aumentar os fluxos turísticos doméstico e internacional no país, promovendo o desenvolvimento socioeconômico do Brasil com a geração de emprego, renda e inclusão social”, disse a EXAME Hoje o ministro do Turismo, Alberto Alves.

O “mais especificamente” da fala de Alves é o essencial da discussão em curso hoje. Há um projeto na Câmara tramitando pelas comissões e outro, mais próximo da aprovação, em pauta no Senado. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP/PI), o Projeto de Lei 186 de 2014 prevê, entre outras coisas, que o modelo a ser adotado no país seja o de hotéis-cassinos, ou seja, que aproveitem as estruturas de turismo já existentes nesta indústria, que comemora a associação.

Um problema muito maior discutido em Brasília é a legalização dos bingos, que pode ou não caminhar em conjunto com a dos cassinos. Para analistas e promotores, permitir a reabertura de milhares de bingos país afora seria abrir as portas para a lavagem de dinheiro. Cassinos, em menor número e atrelados a opções de turismo já existentes, seriam mais facilmente fiscalizáveis. Bingos, como ficou claro ao longo dos anos 90, não. Ou seja: da forma como está posta a discussão hoje, os cassinos e os bingos podem ter caminhos diferentes – e talvez antagônicos – no Brasil.

O ministro, assim como presidentes de associações, têm ressaltado o papel dos cassinos nesse debate. “O jogo, da maneira como está sendo encaminhado, é perfeitamente lógico e cabível na estrutura do setor de turismo do Brasil. Ele é um grande gerador de empregos e um grande arrecadador de tributos”, ressalta o presidente do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade (Cetur) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Alexandre Sampaio, que faz questão de sublinhar que o endosso do setor só veio quando eles perceberam no projeto um viés de desenvolvimento voltado para o turismo.

Segundo Sampaio, deve haver uma integração internacional entre os investidores deste novo mercado. “Considerando a magnitude que demanda um investimento desses, o investimento deve vir de resorts ou de grupos hoteleiros nacionais ou estrangeiros. Mas eu acredito que, devido à complexidade dessa discussão e dos meandros da legislação brasileira, nenhum grupo estrangeiro vai se aventurar num empreendimento sozinho”, analisa Sampaio.

“O investimento deve ser compartilhado, com o empresário brasileiro tendo o espaço e o equipamento e o montante maior vindo de fora, especialmente para a parte da segurança, que é a mais cara”, confirma o presidente da Associação de Resorts do Brasil (ABR), Luigi Rotunno.

Estima-se que cerca de 200.000 brasileiros saiam do país para jogar, e que 70% dos visitantes do Conrad Resort e Cassino, por exemplo, em Punta del Este, sejam brasileiros. “Vamos ser grandes concorrentes dos destinos de jogo na Argentina e no Uruguai, com certeza. Nem tanto de Las Vegas, porque lá não se vai só pelo jogo, mas pela experiência”, avalia Rotunno, que calcula o investimento de resorts que já têm o espaço disponível para cassinos entre 5 e 10 milhões de reais.

Foco nos resorts 

O que o modelo proposto pela PL no Senado prevê não tem como intenção apenas uma associação comercial, mas funciona também como uma carta de intenções à sociedade. “O cassino instalado dentro de um resort ou de um hotel de alto nível subentende-se que é uma atividade de lazer, enquanto fora dessa estrutura ele pode ser interpretado de outra forma”, reforça Rotunno. A imagem do jogo perante a sociedade é um capítulo fundamental nessa saga. Especialmente se recordarmos como ele foi proibido por aqui.

Os setenta cassinos em atividade no país foram fechados pelo presidente Eurico Gaspar Dutra em abril de 1946. Uma indústria que empregava 40.000 pessoas encerrou suas atividades da noite para o dia, oficialmente, em função da “degradação ao ser humano” que promovia. A explicação mais convincente para a decisão foi a influência do catolicismo fervoroso da esposa do presidente, não à toa conhecida como dona Santinha, embora isso nunca tenha deixado oficialmente o campo da especulação. Fato é que, tendo passado setenta anos, pouco ou nada do modelo antigo é referência nas novas diretrizes do jogo de azar no país, mas a importância de passar uma, digamos, boa imagem permanece como ponto fundamental para que os cassinos sejam bem aceitos de volta.

Nestes setenta anos, no entanto, ninguém ficou sem jogar por aqui. Oficialmente, por meio das loterias federais, ou extra-oficialmente, por meio dos bingos (que deixaram de ser legais em 2004) ou do jogo do bicho. Ano passado o total movimentado pelo mercado do jogo legal no Brasil, que reúne loterias da Caixa, loterias estaduais e turfe, somou algo entre 14 e 15 bi de reais, enquanto estima-se que o jogo ilegal tenha movimentado 19,8 bi.

Segundo a American Gaming Association, um estudo do departamento de economia da Universidade de Oxford indicou que o setor contribuiu com 240 bilhões de dólares para a economia norte-americana em 2013. O mesmo estudo indica 38 bilhões de dólares só em impostos e 1,7 milhão de empregos diretos e indiretos. Números nada desprezíveis para qualquer mercado.

“O Brasil teve em 2014 um PIB de 5,521 trilhões de reais. Se considerarmos 1% o potencial mercado do jogo no Brasil, ele é de 55,2 bilhões de reais anuais”, calcula o presidente da ONG Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL), Magno José Santos de Sousa. “A média da tributação mundial do jogo gira em torno de 30%. O Brasil poderá arrecadar anualmente cerca de 16,5 bilhões de reais em tributos com este setor, sem contar com as outorgas, licenças e taxas, que elevariam esta arrecadação para 18 bilhões”, completa, esclarecendo que esses números pressupõem a legalização de todas as modalidades de jogo. O presidente do IJL calcula ainda que a regulamentação trará 450.000 pessoas para o emprego formal, que hoje trabalham com o jogo clandestino, e criará algo em torno de novos 100.000 empregos diretos.

Jornalista e professor universitário, Sousa estuda o assunto há 15 anos e fundou, em 2013, o IJL com ex-empresários e pessoas relacionadas ao setor que defendem a legalização. O instituto fez uma comparação com dados de 2012 da arrecadação do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) nas áreas de bebida, fumo e automóveis com a projeção da arrecadação do jogo legalizado. Naquele ano, bebida arrecadou 3,147 bi de reais, fumo 4,077 bi e a indústria de automóveis, 4,126 bi. Segundo o IJL, 5,94 bi viriam só da tributação em 30% das operações clandestinas, quando legalizadas.

Ainda assim, ele não acredita que esse dinheiro possa ser visto exclusivamente como a salvação do poder público. “Não acho que o dinheiro do jogo vai resolver o problema do governo. O grande feito do que for arrecadado com o jogo é não permitir que essa atividade passe mais setenta anos na clandestinidade, sem que a sociedade tenha uma contrapartida”, teoriza. “Jogo e loteria são formas lúdicas de pagar imposto, só que um imposto pago de forma voluntária”, completa.

Sousa ainda tem dúvidas se o modelo proposto pelo projeto no Senado é o ideal. “Acabei de voltar de cidades que tiveram cassinos no passado, Caxambu, São Lourenço, Lambari, e o fechamento abrupto dessas casas causou muitos danos no passado. As pessoas esperam até hoje a volta dos cassinos, e talvez esses lugares devessem recebê-los novamente”, conta. Segundo ele, o ideal seria o equilibro entre os hotéis e modelos avulsos. “Eu gosto muito do exemplo do Cassino Lisboa, que tem cinco restaurantes, cinema, teatro, mas acho que a gente precisava buscar um híbrido entre esse tipo de espaço e um outro, avulso, que tivesse como objetivo revitalizar áreas degradadas”, resume.

Além do jogo nunca ter deixado de existir, algo repetido por todos os envolvidos é que há muito não há quem consiga explicar o motivo dele ainda ser proibido no Brasil – Dona Santinha, que Deus a tenha, faleceu em 1947, ano seguinte à proibição. Nos países do G-20, por exemplo, só Arábia Saudita e Indonésia acompanham a proibição brasileira – dois países muçulmanos, vale ressaltar. Hoje a preocupação em torno da prática diz menos respeito a Deus e mais a jogadores compulsivos e lavagem de dinheiro, o que fez com que os projetos tenham sido discutidos com cuidado no Senado, garantindo as devidas proteções. Mais do que ser contra ou a favor, a discussão hoje é como regulamentá-lo da melhor forma. “Nós só temos duas opções: jogo legal ou ilegal. A opção ‘não jogo’ inexiste”, lembra o presidente do IJL.

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