STF: acórdãos ficaram com 26 páginas a mais, em média, desde que a TV Justiça entrou em operação (Rosinei Coutinho/SCO/STF/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de novembro de 2017 às 10h27.
Última atualização em 26 de novembro de 2017 às 16h48.
São Paulo - Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) passaram a escrever votos maiores desde que as sessões começaram a ser transmitidas ao vivo pela televisão, em 2002. É essa a primeira constatação da tese de doutorado do economista Felipe de Mendonça Lopes, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo.
"Os acórdãos ficaram com 26 páginas a mais, em média, o que aumenta o tempo de leitura e prejudica a eficiência do Tribunal", disse Lopes ao jornal 'O Estado de S. Paulo'. "O motivo do aumento não é a dificuldade técnico-jurídica da questão, mas tão somente aparecer mais tempo na TV."
Na pesquisa que levou a esse resultado, o doutorando usou uma base de dados original: todos os casos de controle abstrato de constitucionalidade julgados pelo STF entre 1988 e 2015, a maior parte Ações Diretas de Inconstitucionalidade (as ADIs).
Foram 1.680 acórdãos, ou 15 mil votos, pesquisados no site do STF, sobre os quais aplicou métodos econométricos. Um deles, conhecido como "diferenças-em-diferenças", possibilita identificar se um determinado evento - a criação da TV Justiça, no caso - pode ou não ter um efeito causal sobre o objeto em estudo, o comportamento dos ministros do Supremo.
A primeira parte da tese - Televisão e Comportamento Judicial: lições do Supremo Tribunal Federal - foi concluída em setembro passado. O orientador de Lopes é o economista Rodrigo Soares, especialista em Microeconomia Aplicada, da FGV-SP, ultimamente professor da Universidade de Columbia, em Nova York.
Lopes é paulistano, tem 30 anos e é de uma família de advogados - avô, pai e mãe. Graduou-se pelo Insper, em 2010, logo ingressando na pós-graduação da Economia da FGV-SP. Em 2013, concluiu o mestrado - Independência do Judiciário: mensurando o viés político das cortes brasileiras (disponível online), orientado pelo professor Paulo Furquim de Azevedo.
Emendou com o doutorado, no qual quer tirar a limpo, com base na pesquisa, a questão específica e pouco abordada dos efeitos da televisão no comportamento dos ministros do Supremo. "Muito pouco foi escrito sobre esse viés", disse o economista. "A pergunta de partida foi: juízes de tribunais colegiados se comportam como membros de comissões especializadas - como na Suprema Corte americana, onde não há transmissões ao vivo, muito longe disso -, ou se comportam como políticos?"
Ineditismo. Em 14 de agosto de 2002, relembra Lopes, o STF se tornou o primeiro tribunal constitucional do mundo a transmitir suas deliberações ao vivo pela televisão. Não foi o primeiro a permitir câmeras em seu ambiente - a Suprema Corte do Canadá permite televisionar sustentações orais desde 1997, informa -, "mas foi o primeiro e permanece o único a permitir a transmissão ao vivo das deliberações entre juízes".
O foco preciso da pesquisa, na volumosa base de dados, foi o tamanho do voto de cada ministro ao longo do tempo, em número de páginas. "A beleza da estatística permitiu distinguir entre características pessoais dos ministros e efeitos provocados pela televisão", explicou Lopes. "O resultado é forte o suficiente para ter a certeza de que as mudanças não foram causadas pelas alterações na composição da Corte."
Vaidade. Nas contas do doutorando, o aumento médio de 26 páginas nos votos dos ministros eleva o tempo de leitura de cada voto em 45 a 50 minutos - o que é quase um terço da duração de uma sessão plenária. "Do ponto de vista da eficiência do Tribunal, esse registro de vaidade é claramente negativo", disse.
"A pesquisa mostrou que houve mudanças significativas no comportamento dos juízes do STF", diz a tese. "Como políticos, os ministros usam a televisão como publicidade gratuita e procuram maximizar sua exposição escrevendo votos mais longos - lidos em voz alta nas sessões - e se envolvendo em discussão mais longa com seus pares."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.