Ciro Gomes e Mandetta ensaiam aproximação (Nacho Doce/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 15 de setembro de 2021 às 08h23.
Última atualização em 15 de setembro de 2021 às 08h24.
Sem uma candidatura consolidada a cerca de um ano da eleição presidencial, os atos esvaziados no último domingo reforçaram o senso de urgência para partidos e políticos que pretendem desafiar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula, num cenário que aparece por ora consolidado segundo pesquisas de intenção de votos. A disputa interna na raia da terceira via ainda vai se desenrolar pelos próximos meses, com boa probabilidade de chegar à eleição sem a convergência em torno de um nome, mas as disputas internas nas siglas e a tentativa de conciliação entre alguns nomes tiveram novos lances.
Aproximações a nível nacional entre partidos como PSDB, DEM e PSD têm esbarrado em conflitos internos e incompatibilidades nos estados. Ainda embrionário, vem partindo de pré-candidatos na “pessoa física” o gesto mais explícito sobre uma aliança. O ex-ministro da Saúde Luiz Henique Mandetta (DEM-MS) e o pedetista Ciro Gomes têm trocado declarações de disposição de estar no mesmo palanque, mas a costura ainda depende da definição do quadro partidário.
Se tucanos e o PSD de Kassab não admitem por ora abrir mão da candidatura presidencial, isso poderia não ser um problema para o DEM, cujos principais caciques têm interesses nas disputas para governados e senador. As conversas para uma aliança, contudo, não apontam para uma convergência com o PDT de Ciro, e sim para a possível fusão com o PSL, dono de uma das maiores fatias do fundão.
Formalmente, o DEM não descarta ter como nome próprio o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), ainda filiado à sigla. Seu nome para a sucessão de Bolsonaro, porém, tem mais chances de aparecer sob a legenda do PSD. O chefe da partido, Gilberto Kassab, está perto de filiar o senador e já anuncia sua candidatura. Ao podcast “A Malu tá On”, da colunista Malu Gaspar, na última sexta-feira, Kassab explicou o plano alfinetando um adversário interno da terceira via. Ao dizer que a melhor estratégia para Pacheco é adiar por enquanto a troca de partido e a candidatura, deu como exemplo contrário o governador João Doria (PSDB-SP), que, na sua visão, tem atraído ataques e críticas públicas por ter se lançado no jogo presidencial cedo demais.
As prévias tucanas, aliás, tiveram novos lances ontem. Depois de Doria fechar o apoio de alguns estados, o gaúcho Eduardo Leite conseguiu a adesão do diretório de Minas Gerais, e conta ainda com o grupo político do ex-governador Geraldo Alckmin para obter votos no diretório paulista dominado por Doria.
O ensaio da aproximação
Dos seis presidenciáveis que assinaram em março um manifesto em defesa da democracia, visto na época como primeiro passo para a união de forças de centro em torno de uma única candidatura, os que estão mais próximos hoje são Ciro Gomes (PDT) e Luiz Henrique Mandetta (DEM). Os dois, inclusive, têm dado declarações públicas de que gostariam de estar juntos em 2022.
O pedetista convidou o ex-ministro da Saúde para participar da estreia, na semana passada, de seu novo programa na internet chamado “Ciro Games”, voltado aos jovens. Ao apresentar o convidado, o pré-candidato a presidente pelo PDT falou que eles eram adversários e provavelmente se enfrentariam na eleição.
— Quanto a você dizer que nós vamos ser adversários, isso não está claro. Vai que a gente está junto. Tem muita gente que torce — rebateu Mandetta.
Ciro, então, retribuiu em seu tom hiperbólico:
— Eu acendo uma vela para isso todos os dias, mas eu tenho que respeitar (a situação dos partidos).
O pedetista deixou nas entrelinhas que se coloca na cabeça da chapa, com o ex-ministro da Saúde no hipotético posto de vice.
Um acordo entre os dois enfrenta obstáculos. O principal deles é a relação de uma ala do DEM com o presidente Jair Bolsonaro. Mandetta reconhece divergências com Ciro na área econômica:
— Mas não são divergências insuperáveis. São dialogáveis. Você não faz união com quem é igual a você, mas com quem pensa diferente. Ele tem predicados. Mas há uma distância para se falar que isso possa vir a ser uma composição.
Doria amplia apoios nas prévias, mas Leite equilibra disputa
Após o governador paulista João Doria largar na frente nas prévias do PSDB ao receber o apoio de São Paulo, maior colégio eleitoral tucano, e ampliar com Acre, Pará e Paraná, o gaúcho Eduardo Leite equilibrou com ajuda do deputado Aécio Neves (PSDB-MG). Na segunda-feira, a executiva mineira deliberou apoio a Leite. Aécio, que trava guerra interna com Doria, tem influência na bancada federal e no PSDB mineiro. Minas é o segundo maior peso no grupo que vai escolher o candidato do partido.
Embora colecione desafetos no partido, Doria ganhou terreno nas últimas semanas, ao conquistar apoios mesmo em estados onde há pressão de eleitorado conservador identificado com o presidente Jair Bolsonaro. No Paraná, por exemplo, três deputados mudaram de opinião após apoiarem Leite.
Na semana passada, o governador de São Paulo também já havia confirmado o esperado apoio do PSDB de São Paulo, em que Leite conquistou o voto de dissidentes aliados do ex-governador Geraldo Alckmin, ex-padrinho político de Doria e hoje adversário do governador paulista. Isolado no PSDB por Doria, Alckmin planeja migrar para o PSD para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes contra o vice-governador Rodrigo Garcia, candidato a sucessor do governador. Recentemente, porém, o ex-governador deu sinais de que deve adiar sua saída do PSDB. Um dos motivos seria dificultar a vida de Doria e amealhar votos para Leite com aliados no interior paulista, onde o ex-governador tucano tem força política.
Movimentação discreta em meio a convite do PSD para a disputa
Ainda sem se apresentar na condição de pré-candidato, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vem sendo cortejado por Gilberto Kassab, que deseja vê-lo no PSD para a disputa presidencial.
Os movimentos de Pacheco ainda são discretos. Ao GLOBO, há duas semanas, tratou como “inoportuno” o debate sobre eleição neste momento — ao mesmo tempo, defendeu a necessidade de o país atacar “inimigos reais”, como a inflação e o desemprego.
Observadores do Congresso já notaram o aumento no fluxo de prefeitos de Minas Gerais recebidos por Pacheco e auxiliares — aliados também comemoram a presença do presidente do Senado em uma pesquisa de intenção de votos encomendada por um banco de investimentos, ainda que o desempenho o deixasse na parte inferior da lista.
Kassab aposta, principalmente, que o desempenho ruim da economia e as consequências trágicas da condução do presidente Jair Bolsonaro na pandemia podem deixá-lo fora do segundo turno, abrindo caminho para Pacheco pela “terceira via”.
— São circunstâncias difíceis de serem revertidas (as que envolvem Bolsonaro). Acredito que no segundo turno possa estar o (ex-) presidente Lula com a terceira via — disse Kassab ontem, em um evento em São Paulo.
Pacheco participou domingo da celebração dos 40 anos de fundação do Memorial JK, em Brasília, e do 119º aniversário de nascimento do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Na presidência do Congresso, ele vem acumulando capítulos em que tem antagonismo com Bolsonaro, como nas críticas às falas golpistas do presidente ou a devolução da MP das fake news, ontem.
Toda semana tem um novo episódio do podcast EXAME Política. Disponível abaixo ou nas plataformas de áudio Spotify, Deezer, Google Podcasts e Apple Podcasts