"Se não for pela educação, vai lutar por que?": como foi o protesto em SP
Estudantes, professores e simpatizantes foram à Avenida Paulista com cartazes bem-humorados sobre cortes na área e gafes do ministro Weintraub
João Pedro Caleiro
Publicado em 15 de maio de 2019 às 19h13.
Última atualização em 15 de maio de 2019 às 21h42.
São Paulo - A tarde desta quarta-feira (15) foi movimentada na Avenida Paulista, em São Paulo, com o protesto contra os cortes do governo Bolsonaro na área de educação e que se repetiram em 188 cidades brasileiras, incluindo todas as capitais.
Em São Paulo, a Paulista estava bloqueada em vários pontos entre a Alameda Campinas e a Rua Augusta já por volta das 13h30.
Não há estimativa oficial do número de participantes, mas a manifestação seguia até o início da noite, agora na altura do Metrô Brigadeiro e em direção à Assembleia Legislativa.
O núcleo da manifestação durante a tarde tinha balões de partidos e movimentos de esquerda, enquanto os cartazes do público focavam majoritariamente em temas relacionados à educação.
Cartazes com outros temas não relacionados, como Lula Livre, assim como manifestações partidárias e de movimentos só foram ganhar mais destaque no nível da rua no final do dia.
Grande parte dos manifestantes eram da área da educação, com grupos organizados de estudantes e professores, da EACH, da Unifesp de Osasco, e do grupo Cientistas Engajados, entre outros.
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirmou ter orientado todas as escolas estaduais a funcionar normalmente nesta quarta-feira, 15. Ainda não foi divulgado um balanço sobre o número de instituições que não tiveram dia letivo.
O ato foi convocado pela UNE (União Nacional dos Estudantes) e aconteceu simultaneamente a uma audiência do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no plenário da Câmara dos Deputados para explicar o bloqueio de recursos na pasta.
Os cortes eram o principal mote do protesto, mas outras questões da área também foram levantadas. Felipe de Lima, que está no terceiro ano do Ensino Médio e começou a ir às ruas após a vitória de Bolsonaro, reclamou do ataque às ciências humanas.
Bianca Mello, aluna do terceiro ano de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), estava em seu primeiro protesto. Ela disse que sua família sempre falou da importância da educação como forma de inserção social.
"E também são as universidades que formam os professores, então o corte acaba virando uma bola de neve", destacou.
Vários cartazes evocavam o educador falecido Paulo Freire, uma das principais referências acadêmicas brasileiras no exterior e que virou alvo de membros do governo; Bolsonaro indicou que pretende retirar de Freire o título oficial de patrono da educação brasileira.
"Se não vai lutar pela educação, vai lutar pelo que? Já se investe tão pouco em educação e ainda fazem cortes", disse Luzia Arruda, coordenadora pedagógica da prefeitura e que atua em Capão Redondo.
Ela estava com o marido, que é professor de educação física, e apontou a reforma da Previdência como a principal motivação para seu protesto; o tema era bastante citado.
Angélica Soares, técnica administrativa e professora na Unifesp, disse que estava próxima de se aposentar e que poderia dar aulas até os 65 anos, mas que protesta porque muitos não podem.
Ao lado da filha, ela disse que participa de manifestações desde 2013 e que chorou ao saber da vitória de Bolsonaro no ano passado.
Segundo ela, o clima está "pesado" na Unifesp, até porque muita gente votou no presidente, mas o que dói pessoalmente para ela é pensar que o ministro Weintraub é um dos quadros da sua universidade.
Um dos cartazes caçoava da estratégia do ministro de explicar os cortes, durante uma live do Facebook com Bolsonaro, através de chocolates.
A importância da ciência foi destacada em outros cartazes com tom bem-humorado.
Uma das manifestantes fazia referência a uma fala do presidente hoje, de Dallas, sobre os manifestantes serem "idiotas úteis" e "massa de manobra".
Outros manifestantes brincaram com a confusão que o ministro Weintraub fez, em audiência no Senado, com as palavras Kafka (o escritor tcheco) e kafta (uma comida de origem árabe).
O adesivo "Armas Não, Livros Sim" era o mais popular entre os manifestantes e havia várias referências nos cartazes e nos gritos de ordem à política de liberalização de armas do presidente, assim como os laços que vem sendo revelados entre integrantes de sua família e membros de milícias.
Um cartaz fazia referência ao episódio em que membros do Exército deram 80 tiros em um carro no Rio de Janeiro, matando duas pessoas.
Havia várias famílias com os filhos; uma das crianças tinha um cartaz com referência ao filme Frozen. Circulou recentemente um vídeo da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em que ela fala que a personagem principal fica sozinha pois é lésbica.
Também haviam referências ao filósofo Olavo de Carvalho, considerado guru do bolsonarismo e pivô de vários dos conflitos entre alas do governo, como a dos ataques aos militares.
O ex-ministro Renato Janine Ribeiro estava no protesto. Ontem, ele sugeriu a Fernando Haddad, durante um evento no Insper, que fosse criada uma frente de ex-ministros do MEC no modelo do que foi feito entre os ex-ministros do Meio Ambiente.
Haddad, derrotado por Bolsonaro no segundo turno das eleições do ano passado ficou no ato das 15h30 às 18h e foi ovacionado por manifestantes. Segundo ele, os atos são o início do questionamento do projeto de Bolsonaro: "É uma resposta à altura da provocação. Onde já se viu escolher a educação como inimiga do País?".
(Com informações do Estadão Conteúdo e Reuters)