BEATRIZ SANCHEZ: / Arquivo pessoal
Da Redação
Publicado em 8 de março de 2017 às 16h07.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Carol Oliveira
No Brasil, menos de 10% das parlamentares são mulheres e mais de 1.000 municípios não têm sequer uma representante presente em suas Câmaras municipais. Segundo a organização de direitos humanos Anistia Internacional, mesmo países do Oriente Médio — como Jordânia, Iraque, Paquistão e Arábia Saudita — têm mais mulheres congressistas que o Brasil. É tentando mudar esse cenário que tramita no Congresso a PEC 134/2015, que busca reservar parte das cadeiras do Legislativo para candidatas mulheres. Uma lei de 2009 também passou a punir partidos que não tivessem 30% de representação feminina em suas candidaturas.
A cientista política Beatriz Rodrigues Sanchez, do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP, estuda a participação das mulheres na Câmara brasileira. Em entrevista a EXAME Hoje, ela falou sobre os desafios da bancada feminina e de políticas que podem ajudar a aumentar a representatividade.
No momento de aprovar projetos de lei, faz diferença que a congressista seja mulher?
Dependendo do tema, importa ser mulher. Por exemplo, em pautas de violência contra as mulheres, a bancada feminina teve consenso e atuou massivamente para promover projetos. A Lei do Feminicídio e a Maria da Penha também foram frutos da atuação da bancada feminina. Mas ainda assim, pautas consideradas mais radicais, como aborto e casamento gay, dividiram a bancada feminina. Nesses casos, partido e religião são mais influentes do que o gênero da parlamentar. Isso tem relação com o machismo estrutural. As mulheres são criadas sem ter proximidade com temas de opressão feminina e isso afeta sua relação com essas pautas no futuro.
Qual o perfil das parlamentares brasileiras?
No que diz respeito à religião, o perfil das parlamentares é bem parecido com a das mulheres brasileiras (65% são católicas). Quanto à escolaridade, houve diferença: a maior parte das parlamentares possui superior completo (80%), ao contrário das mulheres brasileiras (12,5%).
O Brasil não tem tido retrocessos na questão do direitos das mulheres, mas também não estamos tendo muitos avanços no Congresso. Por que pautas como aborto, violência obstétrica e representatividade no mercado de trabalho não estão sendo mais discutidas pelos parlamentares?
Essas pautas não avançam porque não têm apoio da bancada conservadora. Nesse caso, como as demandas do movimento feminista enfrentam grande oposição desses setores majoritários, esse tipo de projeto não avança. Para isso avançar, precisaríamos tanto de homens quanto mulheres que tivessem uma consciência de gênero maior.
O fato de termos tido uma presidente mulher alterou alguma coisa na dinâmica das discussões no Congresso sobre direitos das mulheres?
Em termos de questão simbólica teve uma importância, porque mulheres puderam perceber que elas também podem se candidatar, também podem atuar na política. Mas em termos mais práticos de aprovação de políticas públicas e projetos de lei de igualdade de gênero, foi bastante limitado. A pauta da legalização do aborto, por exemplo, não andou no governo Dilma. Outro exemplo foi a demanda de que questões de gênero fossem incluídas nos planos municipais de educação, e Dilma vetou por pressão da bancada evangélica.
Durante o governo Dilma, foi aprovada a lei do Feminicídio, que torna crime hediondo o assassinato de mulheres no ambiente familiar. No ano passado, a Lei Maria da Penha completou dez anos. Mas, apesar desses avanços no combate à violência, os crimes contra mulheres têm crescido no Brasil. Isso mostra que falta ao Congresso habilidade para pensar a questão de forma mais estrutural?
O que aconteceu com a aprovação da lei Maria da Penha foi que o número de denúncias aumentou bastante. As mulheres começaram a perceber que têm de denunciar. Mas, de fato, falta muito. Quando as mulheres vão prestar queixa, elas são maltratadas, as pessoas menosprezam os relatos, e isso faz com que o processo seja desconfortável para as vítimas. O que o Congresso pode fazer é garantir que essas medidas punitivas sejam de fato implementadas. E isso tem muito mais relação com os legislativos municipais e estaduais, que podem garantir a criação e o bom funcionamento de delegacias da mulher e dos centros de atendimento, do que com o Congresso Nacional, que está mais distante da realidade local.
E como é a participação feminina nas Câmaras municipais e estaduais?
Se a gente for comparar a porcentagem de mulheres nas câmaras locais, ela é maior que no Congresso Nacional. Na cidade de São Paulo, por exemplo, temos 20% de mulheres vereadoras, contra apenas 9% de deputadas no Congresso Nacional. Duas das candidatas eleitas em 2016 em São Paulo são abertamente feministas, isso é um avanço. Mas considerando que as mulheres são mais de 50% da população e do eleitorado, existe uma sub-representação. As cidades do interior, por incrível que pareça, acabam elegendo mais mulheres que nas capitais. Isso porque no interior as campanhas são mais baratas e as mulheres não precisam de muito dinheiro para se eleger. Na capital, as campanhas são caras, e os partidos dão menos dinheiro para as campanhas das mulheres. Então, elas ficam mais dependentes de financiamento e têm mais dificuldade.
Além do financiamento de campanha, quais as maiores dificuldades que uma mulher enfrenta na atuação política?
Na distribuição dos deputados dentro das comissões no Congresso, por exemplo, os partidos destinam mulheres para temas considerados “femininos” e vistos como de menor importância, enquanto homens ganham cadeiras de maior prestígio, como economia e política externa. Isso acontece mesmo entre os partidos de esquerda. Também há violência contra a mulher dentro dos espaços de atuação política. Tivemos a deputada Maria do Rosário ouvindo do deputado Jair Bolsonaro que ela não merecia ser estuprada. E coisas mais básicas, como o fato de até pouco tempo atrás não existir banheiros femininos dentro da Câmara – as mulheres tinham que sair do recinto e ir num banheiro em outro andar.
Como funciona a cota para mulheres no Congresso?
Em 1995, uma lei desse tipo foi aprovada pela primeira vez, reservando 30% das candidaturas para mulheres. Em 2009, a lei passou por uma reforma, fazendo com que os partidos que não cumprissem a lei começassem a ser punidos, com tempo de TV e recursos cortados. Agora, o que tramita no Congresso (a PEC 134/2015) é uma demanda da bancada feminina que prevê reserva de 30% das cadeiras para mulheres, não de candidaturas.
Em alguns países, como França, Suécia e Argentina, está em discussão a paridade, com mulheres ocupando 50% das vagas. Nesses países, o sistema eleitoral é de lista fechada, então o eleitor vota na lista do partido e não nos candidatos individualmente. A ideia é que os partidos dentro da lista alternem um homem e uma mulher e garantam a metade. No Brasil, o movimento feminista exige que a reforma política inclua a lista fechada, mas estamos longe de alcançar isso. Os únicos dois países no mundo que têm mais de 50% de mulheres no parlamento são Ruanda e Bolívia. As pessoas acreditam que os países mais desenvolvidos são mais igualitários, mas não necessariamente.
Nos Estados Unidos, o maior protesto contra o governo do presidente Donald Trump foi a Marcha das Mulheres, no dia 21 de janeiro. No Brasil, no ano passado, as mulheres tomaram as ruas contra o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. É uma tendência que movimentos feministas se tornem cada vez mais protagonistas de pautas políticas?
É importante reconhecer que o movimento feminista não surgiu agora e foi importante pra conquista do sufrágio feminino em 1932. Eu acho que as redes sociais e as novas tecnologias têm possibilitado uma conexão maior entre as mulheres e as novas gerações estão vindo com uma consciência mais forte. O engajamento das mulheres nesses movimentos é um indício positivo de que elas estão mais atentas às questões políticas. Isso favorece que mais mulheres sejam eleitas e aumenta a influência no legislativo para promover a formulação de leis que respondam às demandas das mulheres.
Uma pesquisa do Ipea divulgada esta semana mostra que as mulheres trabalham 30 horas a mais por mês do que os homens, mas a Reforma da Previdência quer igualar os anos trabalhados por homens e mulheres. Essa questão da dupla jornada está sendo efetivamente discutida?
Eu acho que as pessoas não estão olhando com recorte de gênero para a reforma da Previdência. A questão da dupla jornada e da aposentadoria têm muita relação com a participação política das mulheres. A divisão de gênero do trabalho faz com que as mulheres ainda sejam responsáveis pelas tarefas domésticas e cuidado com os filhos e, por isso, elas têm menos tempo para exercer atividade política. Não se trata de interesse. São necessários projetos de lei que atuem diretamente sobre a divisão sexual do trabalho. Projetos de lei que incentivam a licença paternidade, por exemplo, teriam influência direta, porque fariam com que a divisão do trabalho fosse mais igualitária.