O presidente da ANA afirma que a crise do Cantareira se evidenciou no começo de janeiro de 2014, ainda durante o período chuvoso (Nelson Almeida/AFP)
Da Redação
Publicado em 11 de fevereiro de 2015 às 11h46.
Brasília - Um ano após o início da crise no Sistema Cantareira, o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, afirmou que "há um problema de gestão terrível" por parte do governo de São Paulo, uma vez que 22% da população ainda continua consumindo mais água hoje.
Em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de São Paulo, Andreu diz que os novos gestores paulistas da crise repetem o discurso do governador Geraldo Alckmin (PSDB) ao dizer que "é preciso atravessar o deserto de 2015". E acha que o gatilho para o rodízio já passou.
As críticas não foram bem recebidas pelo governo do Estado. "O senhor Vicente Andreu é, no mínimo, desrespeitoso com o governo que trabalha há um ano de forma ininterrupta para garantir o abastecimento de água para a população de São Paulo", afirmou o subsecretário de Comunicação do Estado, Marcio Aith. A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos optou por não comentar as declarações.
Andreu afirma que a crise do Cantareira se evidenciou no começo de janeiro de 2014, ainda durante o período chuvoso, mas que ela tomou dimensão real no mês de fevereiro, quando a vazão afluente é extremamente baixa.
"A dimensão real da crise aparece em fevereiro. Em novembro e dezembro, havia expectativa de que houvesse reversão", diz o presidente da ANA.
Questionado sobre o fato das vazões estarem abaixo da média desde agosto de 2012 e desde maio de 2013 o sistema perder mais água do que ganha, Andreu afirma que, "Em uma série de longo prazo, o comportamento de 2012 até 2014 é recorrente. Não é absolutamente inédito."
Sobre o rodízio em São Paulo ter sido vetado pelo governo Alckmin há um ano, Andreu diz não opinar sobre as questões de operação da Sabesp. "Desde aquela época, já se manifestavam duas visões opostas em termos de gestão da crise. A nossa, já naquela época, estabelecia uma metodologia com vistas de garantir a segurança hídrica, definir uma meta e operar o reservatório a partir dessa meta. E do outro lado havia a gestão feita pela Sabesp, que tem a lógica da menor demanda possível, mas sem olhar para suas consequências para o reservatório. E naquela época a Sabesp dizia que qualquer gota abaixo dos 27 m³/s implicaria racionamento na cidade de São Paulo. O que demonstra que: ou eles mentiram ou não conheciam exatamente o que podiam fazer, porque passado um ano eles conseguiram reduzir significativamente, sem racionamento, a retirada."
Para o presidente da ANA, a situação de São Paulo seria outra se medidas para combater a crise já tivessem sido adotas, "Sem discutir racionamento, se as medidas que estão sendo hoje adotadas tivessem sido há um ano, a situação já seria outra".
"A Lei de Saneamento é particularmente confusa. Na minha opinião, no caso de São Paulo, e esse precedente não deve prosperar, há interpretação errada. Para mim, é absolutamente clara: o aumento de tarifa obriga a adoção de racionamento (o que o Estado nega)", diz Andreu
Sobre o governo afirmar que a declaração de racionamento já foi feita e citar as resoluções de ANA e DAEE, restringindo o Cantareira, Andreu afirma que o Estado nunca assumiu o racionamento.
"O problema passa a ser de forma. Do ponto de vista da forma, não houve. Do ponto de visto do conteúdo, houve restrição. Mas se essa restrição levaria à escassez da disponibilidade, isso nunca foi assumido pelo governador, que vivia dizendo que não faltava água. Tem uma contradição também entre a declaração e o discurso do governo. Se o governador diz que não falta água, como você vai dar uma declaração de escassez. Esse problema foi mal administrado, seja pela incoerência do discurso e da situação, seja pela interpretação equivocada daquilo que está na Lei de Saneamento."
Acusado de disseminar o pânico (por falar da necessidade de um dilúvio), ao criticar em 2014 a falta de transparência do governo de São Paulo na crise hídrica, o presidente da ANA afirma que diferente do Estado, nunca usou "hipérboles". "Tudo que foi afirmado, independentemente do tom, infelizmente, está acontecendo."
"Até a ocorrência dos eventos atuais, a série de 84 anos explicava bem os fenômenos. A série de 2014 não guarda nenhuma correlação anterior. Que o fenômeno vai acabar, não resta dúvida. Um dia acaba. Agora, quando acaba?", diz Andreu.
Para ele, em 2014, o governador apostou todas as fichas de que o fenômeno acabaria no período chuvoso de 2015.
" Infelizmente, até agora não acabou. Qual a segurança que você tem de que ele vai acabar em 2016? Do ponto de vista do gestor, temos de trabalhar com medidas restritivas".
O presidente da ANA entende como tecnicamente insuficiente a medida da Sabesp de planejar um gatilho para o racionamento oficial,
"Rodízio se faz quando você tem água. Não dá para esperar o esgotamento. Eu acredito que o índice do reservatório que vai disparar o gatilho nós já passamos por ele. Como medida de transparência acho positivo. Tecnicamente, acho insuficiente. O problema não é o nível do reservatório, mas a quantidade de água que você vai tirar dele", e acrescenta que o correto seria uma medida já defendida pela ANA desde 2014, "de uma retirada em função de uma meta definida de como você deseja que os reservatórios fiquem".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.