Risco de retrocesso da nova classe média preocupa
Novas políticas públicas precisam consolidar ascensão social dos últimos anos
Da Redação
Publicado em 6 de agosto de 2011 às 14h21.
São Paulo - A possibilidade de que os 39,5 milhões de pessoas que ascenderam à classe C na última década retrocedam para os estratos D e E da população preocupa governo, analistas políticos e economistas. Batizados de a nova classe média, esses milhões de novos consumidores - que correspondem à população da Argentina - injetaram dinamismo à economia brasileira e contribuíram para a expansão de novos negócios e investimentos no País. Além do apelo econômico, essa classe emergente também é vista como estratégica no aspecto político, pois seu apoio será fundamental para definir a eleição do próximo presidente da República.
"O desempenho econômico de um governo é o principal fator que turbina qualquer aprovação política e, consequentemente, o respaldo da maioria da população", afirma Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e pesquisador da PUC e FGV de São Paulo. Na avaliação de Teixeira, é essa mesma classe média que ascendeu nos últimos anos que terá papel determinante em eleições majoritárias como a de sucessão presidencial em 2014. O governo de Dilma Rousseff está atento a este fato, tanto que a nova classe média será tema de debate na segunda-feira (8) em Brasília. O seminário "Políticas Públicas para Uma Nova Classe Média" contará com a presença de especialistas e autoridades, dentre elas a presidente Dilma.
De acordo com Ricardo Paes de Barros, titular da Secretaria de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) - órgão que está organizando o seminário - o objetivo do evento é discutir o perfil desse estrato da população "de forma a traçar políticas públicas específicas para o setor e impedir que a nova classe média regrida para a pobreza". Mas a preocupação maior do governo, segundo o secretário, é dar um "segundo empurrão" à nova classe média para que ela não recue. De acordo com o secretário, o primeiro empurrão foi dado pelo governo Lula e a nova administração deverá seguir nessa linha de atuação.
Um dos fatores de maior preocupação do governo é o risco de essa nova classe média perder fôlego pelas mesmas razões econômicas que a ajudaram na ascensão, já que ela é uma das mais vulneráveis à chamada volatilidade dos mercados. Economistas apontam que um dos pilares que permitiram a ascensão dessa classe foi o câmbio apreciado. Na avaliação de Luís Eduardo Assis e Marcelo Kfoury, ambos ex-integrantes dos quadros do Banco Central, muito do êxodo das famílias das classes D e E ocorreu em razão do processo de desvalorização do dólar frente ao real. Isso barateou os bens de consumo e facilitou o acesso das famílias a esses produtos.
Para Kfoury, hoje chefe do Departamento Econômico do Citibank, se por um motivo ou outro o dólar voltar a recuperar valor frente ao real, o poder de compra dessas famílias pode cair e a inadimplência, subir. Em cerca de dez anos, o dólar se desvalorizou em mais de 56%. No mesmo período, a classe média cresceu 13,7%. Com o dólar barato, o governo se viu menos pressionado. "Com o dólar mantendo a inflação baixa, o governo pôde soltar a economia para crescer", diz Eduardo Assis, ex-diretor de Política Monetária do BC. Ele lembra que, de 2009 para 2010, a taxa de câmbio média caiu quase 12%. Para 2011, mesmo com um cenário volátil, ele prevê que o câmbio médio anual continue a ajudar na contenção de preços.
Iniciativas - O governo admite estar preocupado com a possibilidade de um regresso da classe C para os estratos D e E, mas não concorda que o câmbio foi o principal motor do enriquecimento e aumento do bem-estar dessas pessoas no País. As autoridades governamentais citam várias iniciativas, como a política de valorização do salário mínimo e a elevação da massa de salários e da renda, entre outras medidas. O analista político da Tendências Consultoria Integrada Rafael Cortez concorda com essa avaliação. Segundo ele, a apreciação cambial foi muito importante para catapultar milhões de pobres à classe média, mas não foi a única responsável por este feito na última década, em especial nos últimos 21 meses, quando 13 milhões de pessoas ascenderam à classe C.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 94 milhões de pessoas compõem o total da chamada classe média brasileira, o que corresponde a 50,5% da população. "Há dois outros indicadores nesta conta: o aquecimento do mercado de trabalho, com a formalização de empregos combinada com a política contínua de ajuste real do salário mínimo no governo Lula, e o próprio crescimento do PIB", lista Cortez.
Para o professor e pesquisador de Desigualdade Social da Universidade de Juiz de Fora (UFJF) e doutorando em Sociologia pela Universidade de Berlim, Roberto Dutra, a responsabilidade pela ascensão social no Brasil na última década deve ser creditada ao aumento da renda do trabalho.
"Claro que a apreciação cambial impulsiona o consumo, mas a base econômica que sustenta o processo são o crescimento do emprego e o aumento da renda do trabalhador", diz o professor. "Num passado recente, a moeda nacional esteve muito mais apreciada do que agora e a ascensão social ficou travada", complementa Dutra, que será um dos palestrantes no seminário da SAE.
Educação - O titular da Secretaria de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), Ricardo Paes de Barros, disse, em entrevista exclusiva à Agência Estado, que uma das maiores preocupações do governo com a nova classe C está na definição de políticas públicas que assegurem a essas pessoas não apenas a manutenção do poder aquisitivo que adquiriram, mas também a inserção em novos patamares de progresso. "Algumas pessoas saíram da pobreza e chegaram à classe média baixa e, agora, querem continuar progredindo. Mas, com isso, elas vão se expor aos riscos de mercado", afirma Barros, complementando que os 39,5 milhões de pessoas que compõem a nova classe C estão inseridos agora em um ambiente econômico diferente do que estavam antes.
Segundo o secretário, nos últimos seis anos a renda per capita dos 20% mais pobres cresceu mais de 8% ao ano. "Ou seja, o Brasil conseguiu manter o processo de redução da extrema pobreza também em 2008 e 2009, anos péssimos para o mundo", afirmou. "Portanto, a nossa grande preocupação é saber como vamos gerar um ambiente econômico e um conjunto de medidas públicas que irão permitir que o progresso que estas pessoas tiveram no passado possa ser reproduzido com o esforço, trabalho e perseverança de cada um", frisou.
O analista político da Tendências Consultoria Integrada Rafael Cortez alerta que, apesar de a demanda ter aumentado com a melhora de vida dessas pessoas, o novo status social não pode ser considerado consolidado. "Os efeitos mais estruturais, como escolaridade, que aumenta a capacidade de o indivíduo ter bons postos de trabalho e ficar menos tempo desempregado, por exemplo ainda não estão garantidos. É um processo meio contínuo e por isso deve ser uma preocupação legítima e constante das autoridades governamentais", salientou.
Para o professor e pesquisador de Desigualdade Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e doutorando em Sociologia pela Universidade de Berlim, Roberto Dutra, o que falta para que as famílias e as pessoas possam manter-se na nova classe média é conseguir converter este sucesso econômico em qualificação e conhecimento capazes de garantir estratégias mais seguras no mercado de trabalho. "Ou seja, falta a conversão do capital econômico e da disposição para trabalhar e investir no futuro em capital cultural. É o acesso ao conhecimento técnico e universitário que permite consolidar as posições sociais", destacou o professor da UFJF.
Em relação ao risco de um retrocesso da classe da nova classe média, Dutra advertiu: "Vivemos no meio de uma crise econômica mundial e ninguém pode garantir que o pior não vai acontecer. Um processo de consolidação das posições sociais dos que ascenderam para a classe C pressupõe que a economia continue crescendo e gerando empregos. Mas daí a fazer previsões é uma enorme ingenuidade."
São Paulo - A possibilidade de que os 39,5 milhões de pessoas que ascenderam à classe C na última década retrocedam para os estratos D e E da população preocupa governo, analistas políticos e economistas. Batizados de a nova classe média, esses milhões de novos consumidores - que correspondem à população da Argentina - injetaram dinamismo à economia brasileira e contribuíram para a expansão de novos negócios e investimentos no País. Além do apelo econômico, essa classe emergente também é vista como estratégica no aspecto político, pois seu apoio será fundamental para definir a eleição do próximo presidente da República.
"O desempenho econômico de um governo é o principal fator que turbina qualquer aprovação política e, consequentemente, o respaldo da maioria da população", afirma Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e pesquisador da PUC e FGV de São Paulo. Na avaliação de Teixeira, é essa mesma classe média que ascendeu nos últimos anos que terá papel determinante em eleições majoritárias como a de sucessão presidencial em 2014. O governo de Dilma Rousseff está atento a este fato, tanto que a nova classe média será tema de debate na segunda-feira (8) em Brasília. O seminário "Políticas Públicas para Uma Nova Classe Média" contará com a presença de especialistas e autoridades, dentre elas a presidente Dilma.
De acordo com Ricardo Paes de Barros, titular da Secretaria de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) - órgão que está organizando o seminário - o objetivo do evento é discutir o perfil desse estrato da população "de forma a traçar políticas públicas específicas para o setor e impedir que a nova classe média regrida para a pobreza". Mas a preocupação maior do governo, segundo o secretário, é dar um "segundo empurrão" à nova classe média para que ela não recue. De acordo com o secretário, o primeiro empurrão foi dado pelo governo Lula e a nova administração deverá seguir nessa linha de atuação.
Um dos fatores de maior preocupação do governo é o risco de essa nova classe média perder fôlego pelas mesmas razões econômicas que a ajudaram na ascensão, já que ela é uma das mais vulneráveis à chamada volatilidade dos mercados. Economistas apontam que um dos pilares que permitiram a ascensão dessa classe foi o câmbio apreciado. Na avaliação de Luís Eduardo Assis e Marcelo Kfoury, ambos ex-integrantes dos quadros do Banco Central, muito do êxodo das famílias das classes D e E ocorreu em razão do processo de desvalorização do dólar frente ao real. Isso barateou os bens de consumo e facilitou o acesso das famílias a esses produtos.
Para Kfoury, hoje chefe do Departamento Econômico do Citibank, se por um motivo ou outro o dólar voltar a recuperar valor frente ao real, o poder de compra dessas famílias pode cair e a inadimplência, subir. Em cerca de dez anos, o dólar se desvalorizou em mais de 56%. No mesmo período, a classe média cresceu 13,7%. Com o dólar barato, o governo se viu menos pressionado. "Com o dólar mantendo a inflação baixa, o governo pôde soltar a economia para crescer", diz Eduardo Assis, ex-diretor de Política Monetária do BC. Ele lembra que, de 2009 para 2010, a taxa de câmbio média caiu quase 12%. Para 2011, mesmo com um cenário volátil, ele prevê que o câmbio médio anual continue a ajudar na contenção de preços.
Iniciativas - O governo admite estar preocupado com a possibilidade de um regresso da classe C para os estratos D e E, mas não concorda que o câmbio foi o principal motor do enriquecimento e aumento do bem-estar dessas pessoas no País. As autoridades governamentais citam várias iniciativas, como a política de valorização do salário mínimo e a elevação da massa de salários e da renda, entre outras medidas. O analista político da Tendências Consultoria Integrada Rafael Cortez concorda com essa avaliação. Segundo ele, a apreciação cambial foi muito importante para catapultar milhões de pobres à classe média, mas não foi a única responsável por este feito na última década, em especial nos últimos 21 meses, quando 13 milhões de pessoas ascenderam à classe C.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 94 milhões de pessoas compõem o total da chamada classe média brasileira, o que corresponde a 50,5% da população. "Há dois outros indicadores nesta conta: o aquecimento do mercado de trabalho, com a formalização de empregos combinada com a política contínua de ajuste real do salário mínimo no governo Lula, e o próprio crescimento do PIB", lista Cortez.
Para o professor e pesquisador de Desigualdade Social da Universidade de Juiz de Fora (UFJF) e doutorando em Sociologia pela Universidade de Berlim, Roberto Dutra, a responsabilidade pela ascensão social no Brasil na última década deve ser creditada ao aumento da renda do trabalho.
"Claro que a apreciação cambial impulsiona o consumo, mas a base econômica que sustenta o processo são o crescimento do emprego e o aumento da renda do trabalhador", diz o professor. "Num passado recente, a moeda nacional esteve muito mais apreciada do que agora e a ascensão social ficou travada", complementa Dutra, que será um dos palestrantes no seminário da SAE.
Educação - O titular da Secretaria de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), Ricardo Paes de Barros, disse, em entrevista exclusiva à Agência Estado, que uma das maiores preocupações do governo com a nova classe C está na definição de políticas públicas que assegurem a essas pessoas não apenas a manutenção do poder aquisitivo que adquiriram, mas também a inserção em novos patamares de progresso. "Algumas pessoas saíram da pobreza e chegaram à classe média baixa e, agora, querem continuar progredindo. Mas, com isso, elas vão se expor aos riscos de mercado", afirma Barros, complementando que os 39,5 milhões de pessoas que compõem a nova classe C estão inseridos agora em um ambiente econômico diferente do que estavam antes.
Segundo o secretário, nos últimos seis anos a renda per capita dos 20% mais pobres cresceu mais de 8% ao ano. "Ou seja, o Brasil conseguiu manter o processo de redução da extrema pobreza também em 2008 e 2009, anos péssimos para o mundo", afirmou. "Portanto, a nossa grande preocupação é saber como vamos gerar um ambiente econômico e um conjunto de medidas públicas que irão permitir que o progresso que estas pessoas tiveram no passado possa ser reproduzido com o esforço, trabalho e perseverança de cada um", frisou.
O analista político da Tendências Consultoria Integrada Rafael Cortez alerta que, apesar de a demanda ter aumentado com a melhora de vida dessas pessoas, o novo status social não pode ser considerado consolidado. "Os efeitos mais estruturais, como escolaridade, que aumenta a capacidade de o indivíduo ter bons postos de trabalho e ficar menos tempo desempregado, por exemplo ainda não estão garantidos. É um processo meio contínuo e por isso deve ser uma preocupação legítima e constante das autoridades governamentais", salientou.
Para o professor e pesquisador de Desigualdade Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e doutorando em Sociologia pela Universidade de Berlim, Roberto Dutra, o que falta para que as famílias e as pessoas possam manter-se na nova classe média é conseguir converter este sucesso econômico em qualificação e conhecimento capazes de garantir estratégias mais seguras no mercado de trabalho. "Ou seja, falta a conversão do capital econômico e da disposição para trabalhar e investir no futuro em capital cultural. É o acesso ao conhecimento técnico e universitário que permite consolidar as posições sociais", destacou o professor da UFJF.
Em relação ao risco de um retrocesso da classe da nova classe média, Dutra advertiu: "Vivemos no meio de uma crise econômica mundial e ninguém pode garantir que o pior não vai acontecer. Um processo de consolidação das posições sociais dos que ascenderam para a classe C pressupõe que a economia continue crescendo e gerando empregos. Mas daí a fazer previsões é uma enorme ingenuidade."