Doações: 19 milhões de brasileiros passam fome, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) (Ednubia Ghis/Fotos Públicas)
Agência O Globo
Publicado em 25 de maio de 2022 às 13h13.
O risco de fome aumentou ao redor do mundo diante dos impactos econômicos da pandemia de Covid-19, mas a situação se tornou particularmente grave no Brasil: a parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou sua família, durante algum período nos últimos 12 meses, subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, patamar recorde da série histórica iniciada em 2006. É também a primeira vez que o nível de insegurança alimentar no Brasil supera a média mundial.
É o que aponta pesquisa elaborada pelo economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais FGV Social. O estudo foi realizado com base no processamento de dados coletados entre agosto e novembro pelo Gallup World Poll, instituto que aplica questionários padronizados desde 2006 em 160 países e fornece evidências comparáveis em escala global sobre temas como saúde, educação, moradia e qualidade de vida.
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Considerando a média de 120 países, a insegurança alimentar aumentou 1,5 pontos percentuais no mundo contra 6 pontos percentuais no Brasil, ou seja, a piora do risco de fome foi quatro vezes maior no país.
Neri explica que a situação de insegurança alimentar se agravou nos últimos anos em meio à pandemia, mas o quadro já era dramático desde a crise econômica que provocou recessão entre 2014 e 2019, quando também houve uma escalada da desigualdade de renda.
O resultado dessa conjuntura é o retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU em níveis ainda mais alarmantes. O Brasil havia deixado essa condição em 2014, quando a proporção de pessoas em famílias com falta de dinheiro para alimentação era de 17%. Em 2021, porém, atingiu o ponto mais alto da série histórica anual, iniciada em 2006, quando o indicador alcançava 20% dos brasileiros.
Em 2014, o Brasil figurava com níveis de insegurança alimentar inferiores a 75% em uma lista de 141 países pesquisados. Em 2021, porém, atingiu um nível que 52% desses países.
Os mais pobres sentem mais dificuldade para colocar comida na mesa. A pesquisa mostra que o a insegurança alimentar entre os 20% mais pobres no Brasil saiu de 36% em 2014 para 53% em 2019, chegando a 75% em 2021 - um aumento de 22 pontos percentuais em dois anos. Já os 20% mais ricos experimentaram queda de insegurança alimentar de três pontos percentuais (de 10% em 2019 para 7% em 2021).
Na comparação com a média global de 122 países em 2021, os 20% mais pobres no Brasil registram 27 pontos percentuais a mais de insegurança alimentar, enquanto os 20% mais ricos apresentam 14 pontos percentuais a menos.
A dificuldade para garantir alimentação também é maior entre as mulheres. Enquanto houve queda de 27% da insegurança alimentar para 26% entre homens brasileiros entre 2019 e 2021, houve um aumento de 14 pontos percentuais do risco de fome entre as mulheres - de 33% para 47%. Como resultado, a diferença entre gêneros na insegurança alimentar em 2021 estava 6 vezes maior no Brasil do que na média global.
"A pandemia impactou mais as mulheres que foram mais afetadas no mercado de trabalho, possivelmente porque carregam, em geral, responsabilidade maior no cuidado dos filhos e da família, atividade relativamente mais demandada durante o isolamento social. (...) As mulheres de 30 e 49 anos, onde o aumento [da insegurança alimentar] foi maior, tendem a estar fisicamente mais próximas das crianças, gerando consequências para o futuro do país, uma vez que a subnutrição infantil deixa marcas permanentes físicas e mentais para toda vida de um indivíduo", explica Marcelo Neri, no estudo.
A desigualdade sobre a insegurança alimentar brasileira também pode ser vista pela ótica da escolaridade. Em 2014, a falta de dinheiro para comprar comida entre os brasileiros com o ensino fundamental chegava a 24%. Em 2019, era 38%. Em 2021, saltou para 52%.
Já entre os brasileiros com ensino médio, a insegurança alimentar passou de 10% em 2014 para 27% em 2019, chegando a 31% em 2021. No ensino superior, por outro lado, houve uma melhora na parcela de brasileiros com algum grau de insegurança alimentar. O percentual caiu de 13% em 2019 para 8% em 2021.