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“Resistência é um substantivo feminino”, diz Tabata Amaral

Em artigo exclusivo para a EXAME, a deputada federal defende que as mulheres foram sim as mais afetadas pela pandemia, mas também vêm sendo grandes protagonistas nessa luta

 (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

(Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 8 de março de 2022 às 10h02.

“Cientistas do Brasil fazem sequenciamento do novo coronavírus em tempo recorde.” Essa manchete é de fevereiro de 2020 e circulou dois dias após um homem, que retornava da Itália, ter se tornado a primeira pessoa a ser diagnosticada com covid-19 no Brasil. Em meio ao desespero que ia tomando conta da nossa população, sentimos um pouco de esperança e orgulho.

A "surpresa” veio nas manchetes seguintes. A equipe responsável pelo sequenciamento genético do vírus era formada quase que inteiramente por mulheres. Graças à liderança das cientistas Jacqueline Goes e Ester Sabino, pudemos entender melhor a evolução da pandemia no país, antes mesmo da Itália, onde o vírus circulava há mais tempo.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, decidi reverberar histórias como essa para combater o que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie definiu como o "perigo da história única".

Sim, é verdade que as mulheres vêm sendo as mais impactadas pela pandemia. Como mostrou um relatório publicado na semana passada na revista científica The Lancet, fomos mais afetadas do que os homens no que diz respeito ao desemprego, acesso à educação e violência de gênero. Ficamos mais pobres e a exaustão de triplas jornadas passou a ser cada vez mais a regra para nós mulheres, com horas escassas sendo divididas entre o trabalho, o cuidado dos filhos, dos mais velhos e dos enfermos, e serviços domésticos.

Precisamos e devemos falar do aprofundamento da desigualdade de gênero, até para que possamos criar e aprovar legislações que nos permitam avançar na direção oposta, mas não podemos nos limitar a isso. Chimamanda dá a palavra: o perigo da história única é simplificar todo um grupo, assim como seus indivíduos, a uma única narrativa, ignorando a complexidade inerente a todos. Estamos mais vulneráveis – mas também mais protagonistas.

Na área da saúde, seguimos em peso na trincheira da guerra contra o vírus, representando, por exemplo, 85% dos profissionais de enfermagem. A enfermeira Mônica Calazans, primeira brasileira a ser vacinada, é um símbolo da luta de milhares de mulheres. Apesar de pertencer a um grupo de risco, Mônica saiu inúmeras vezes de sua casa na Zona Leste de São Paulo para trabalhar por 12 horas na UTI exclusiva para covid-19, mesmo tendo que cuidar de sua mãe idosa e passar pela angústia de ver seu irmão mais novo, após ser infectado, ficar internado por 20 dias.

Vanda Ortega, técnica de enfermagem indígena, da etnia Witoto, apesar de ter apenas 33 anos, nos deu uma lição de liderança no combate à covid-19. A ausência do Estado na garantia dos direitos mais básicos, como água encanada, energia elétrica, acesso à educação e saúde, não a impediu de arrecadar recursos via doação e montar um hospital de campanha em sua comunidade, em Manaus. Os povos indígenas foram os mais vitimados pela pandemia, e não fosse por ela, teríamos uma tragédia ainda maior.

Desempenhando papeis igualmente importantes, destacaram-se mulheres como a médica Margareth Dalcomo, a epidemiologista Carla Domingues, a cardiologista Ludhmila Hajjar e as infectologistas Cristiana Toscano e Luana Araújo. Esta última, que foi nomeada para ocupar o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 – mas teve sua nomeação barrada poucos dias depois, – fez um discurso corajoso na CPI da Pandemia, com duras críticas ao "tratamento precoce".

Nesta mesma Comissão Parlamentar de Inquérito, apesar de não serem titulares e terem de enfrentar constantes interrompimentos e falas machistas, as senadoras foram destaque. Foi Simone Tebet (MDB-MS), ao lado do senador Alessandro Vieira (Cidadania-DF), quem extraiu do então depoente, o deputado Luís Miranda (DEM-DF), o nome da pessoa citada por Bolsonaro como mentor da corrupção envolvendo a vacina Covaxin. A ela se somaram Leila Barros (PSB-DF), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Kátia Abreu (PP-TO), para citar apenas alguns exemplos.

Falando sobre políticas mulheres, diversos estudos apontam que nós fomos mais efetivas no combate à covid-19. Líderes como Jacinda Ardern, Tsai Ing-wen e Angela Merkel deram exemplo para todo o mundo. No Brasil, um estudo de pesquisadores da USP, do Insper e da Universidade de Barcelona mostrou que cidades com prefeitas tiveram 44% menos mortes causadas pelo coronavírus. O número de hospitalizações seguiu a mesma tendência.

Já no setor privado, diante da inércia do governo, a presidente do Grupo Mulheres do Brasil e do Conselho do Magazine Luiza, Luiza Trajano, criou o movimento Unidos pela Vacina. Em pouco tempo foram arrecadados milhões de reais que foram utilizados para apoiar governos locais com o transporte e o armazenamento das vacinas, por exemplo.

O 8 de março é, principalmente um dia de luta. E eu acredito que honrar as conquistas e trajetórias das nossas mulheres nos dá força e coragem para enfrentarmos as muitas batalhas que ainda temos pela frente. As citadas nesse texto são apenas algumas das muitas brasileiras que realizaram grandes feitos nestes dois últimos anos. A verdade é que, na luta contra a pandemia e contra o machismo, somos milhões fazendo história.

*Tabata Amaral, 28 anos, é deputada federal (PSB-SP), cientista política e astrofísica. Fundou o Vamos Juntas e é cofundadora dos movimentos Mapa Educação e Acredito.

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