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Reforma política: agora vai?

Segundo analistas, o fatiamento das medidas é inédito no Brasil e facilita muito a aprovação de reformas eleitorais

CÂMARA: a reforma previdenciária é uma mudança que implica custos imediatos, concentrados em certas categorias, e benefícios difusos, incertos / Luís Macedo / Câmara dos Deputados

CÂMARA: a reforma previdenciária é uma mudança que implica custos imediatos, concentrados em certas categorias, e benefícios difusos, incertos / Luís Macedo / Câmara dos Deputados

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 15 de novembro de 2016 às 10h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.

Duas medidas pretendem atacar a fragmentação política na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que têm, respectivamente, 26 e 17 partidos entre os representantes. Na última na quarta-feira foi aprovada em primeiro turno no Senado, por 58 votos a favor e 13 contra, o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais e a instauração de uma cláusula de barreira já para as eleições de 2018 — ambas as medidas formam a PEC 36/2016. Além de proibir a condução de nanicos por excedente de votos na coligação, a nova regra exclui do Parlamento os partidos que não obtiverem ao menos 2% dos votos válidos na eleição, com mesmo percentual em ao menos 14 estados da federação. Pelo texto dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), o percentual mínimo de votação sobe para 3% em 2022.

A ideia é reduzir o número de partidos no Brasil. O Tribunal Superior Eleitoral tem 35 agremiações políticas registradas, mas por volta de outras 50 tentam cumprir as exigências para obter a licença. Considerando esses números, a linha de pensamento dos idealizadores da proposta é de que a linha programática de boa parte dessas legendas é similar, dúbia ou inexistente. A fragmentação, porém, dá poder de barganha a pequenos blocos que podem se organizar para exigir diferentes concessões da presidência, como pequenas fatias do poder e cargos no poder público.

Michel Temer, que tem traquejo com deputados e foi três vezes presidente da Câmara, conseguiu realinhar o Congresso depois de uma incessante força-tarefa de articulação política, atenção às demandas de parlamentares e distribuição de ministérios a líderes de partidos e altos congressistas. Dilma Rousseff, por sua vez, sem esse mesmo estilo de diálogo, viu-se traída por parlamentares e passou meses à beira do estado de caos enquanto corria o processo de impeachment.

“O sistema político-partidário está falido por esse fracionamento. Precisamos, nas articulações, que todos cheguem a essa conclusão. Já estão comprometidos com essa mudança o PSDB, PMDB, PDT, PSB, PSD, PP. Devem dificultar nossa vida o PCdoB e PSOL, que poderiam muito bem se juntar como federação [uma agremiação política única]”, afirma o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Se for aprovada pelo Congresso e sancionada por Michel Temer, o número de partidos com pujança para chegar à Câmara deve cair para menos da metade. Um levantamento do jornal O Globo projetou como teria sido o resultado da eleição de 2016 se estivessem presentes as novas regras. Dos 35 partidos, apenas nove restariam pelos dois requisitos. Sobrariam apenas PSDB, PMDB, PSB, PT, PDT, PP, DEM e PR. Não teriam desempenho suficiente no que toca a regra dos estados PRB, PTB, PPS e PSOL. O resto não atende nenhuma das exigências e teria cortado o direito a voto de parlamentares eleitos, acesso ao fundo partidário e inserções gratuitas de TV, entre outros benefícios das legendas no Brasil.

Para suavizar a extinção em massa e tentar a aprovação no Legislativo, está previsto no texto a possibilidade de pequenos e nanicos formarem “federações”, uma espécie de coligação nos moldes atuais para atingir o mínimo de votos, mas com exigência de que parlamentares tenham atuação política unificada — mesmo líder, bancada que vota junta e divisão do fundo partidário, por exemplo. A regulamentação do cumprimento dessa posição fica por conta da Justiça Eleitoral.

O curioso do formato é que a cláusula nunca impede a posse de políticos eleitos — para isso, existe outra nota de corte que é o mínimo de 10% do coeficiente eleitoral, como rege a Lei Nº 13.165/2015, da minirreforma eleitoral. Caso o partido não alcance os 2%, o parlamentar tem a possibilidade de trocar de partido para ser viabilizado pela cláusula sem qualquer punição. Críticos dizem que essa regra tem como único objetivo esvaziar os nanicos e reforçar os partidos maiores.

“O formato serve para criar um embaraço para existência do partido. Estamos diante de uma invenção tupiniquim para lidar com o desafio de restringir um pouco o número de partidos representados, não o de existentes ou atuantes”, afirma Jairo Nicolau, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por outro lado, para o coordenador de análise política da Prospectiva Consultoria, Thiago Vidal, mesmo que a PEC reduzisse para 11 ou 12 os partidos com representação na Câmara, o número ainda seria elevado. “Do ponto de vista ideológico, de coerência partidária e de governabilidade, não faz sentido tantas legendas. Qualquer partido hoje tem um outro que se comporta da mesma forma e poderia se aglutinar”, diz. “A melhor forma seria os partidos entenderem as semelhanças e se juntassem. Como isso não vai acontecer, sobrou a PEC”.

Algo parecido aconteceu no sistema eleitoral da Alemanha. O sistema mais conhecido de cláusula de barreira impede a posse de partidos que tenham tido menos que 5% dos votos válidos nas eleições parlamentares e três mandatos majoritários nos distritos (trata-se de um sistema distrital misto). A regra foi colocada no Código Eleitoral de 1949 para evitar representação tão difusa como nos anos 1920. Na época, quase 20 partidos chegaram a fazer parte do Parlamento alemão, que inviabilizava formação de maioria. O resultado foi uma forte crise no sistema político. Para historiadores, a instabilidade foi diretamente responsável pela ascensão do nazismo.

Atualmente, cerca de cinco partidos dominam e tem viabilidade no sistema político germânico, que é composto por 34 legendas. No retrospecto recente, os 29 partidos que compõem a taxa de impedidos de ocupar suas cadeiras é de apenas 5% do eleitorado. Nas últimas eleições, porém, a busca por alternativas à política internacional fez a taxa subir para 15%, motivada pelo sentimento de estafa com a política.

No Brasil, alguns números desta eleição de 2016 mostram que o sentimento antipolítico está crescendo também por aqui. Em 22 capitais do Brasil, a soma dos votos brancos, nulos e abstenções tem maior porcentagem do que os prefeitos eleitos nestas cidades, o que indica uma tendência de negação da política tradicional. Outros exemplos são as escolhas de João Doria (PSDB), em São Paulo, e Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte, como símbolos da negação do establishment em duas das maiores cidades do país. Considerando essa movimentação, o eleitorado pode ter opções mais restritas com a diminuição dos partidos ou mesmo jogar fora parte de seus votos em políticos que não serão eleitos.

PT, o fiel da balança

A cada eleição, o assunto de reformas torna-se pauta por episódios de distorção do nosso sistema eleitoral. As temáticas da PEC 36/2016 voltaram à tona por conta do descontrole do Congresso que levou ao impeachment de Dilma Rousseff.

Em 2006, o Supremo Tribunal Federal admitiu uma ação do PCdoB com o apoio do PDT, PSB, PV, PSC, PSOL, PRB e PPS contra a instauração de um mínimo de 5% para restrições semelhantes às votadas nesta semana. O dispositivo da Lei 9.096/95 que instaurava a restrição foi considerado “inconstitucional” pelo Supremo, por ter um efeito de dizimar a presença de “minorias” no Legislativo. O voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, foi acompanhado pelos pares por unanimidade.

Dois pontos mudam desta vez. Primeiro, há uma percepção maior entre os ministros de que a fragmentação política traz problemas sérios de condução do país. O ministro Dias Toffoli chegou a declarar em 2013 que o Supremo “errou” em vetar a cláusula. Outro ponto é que a PEC mexe no texto constitucional, em vez de ser parte do texto de uma lei eleitoral. Neste caso, só paralisaria o processo se ministros entendessem que a medida conflita com cláusula pétrea da Constituição. Juristas consultados por EXAME Hoje afirmam que a hipótese é improvável, ainda que pequenos partidos devam judicializar a questão.

“De fato, há uma perda em representatividade para minorias, mas a possibilidade de federação pode tentar trazer os pequenos para que não fiquem de fora da participação política”, afirma Thalita Abdala Aris, especialista em Direito Eleitoral e fundadora do Observatório Constitucional Latino-Americano.

O fiel da balança será o PT. Em 2006, a postura do partido era favorável à restrição. Sibá Machado, senador pelo Acre, chegou a dizer que partidos concorreram à eleição na época sabendo da existência desse instituto, que tinha sido aprovado em 1995 para entrar em vigor naquele ano. “Está na hora de o Brasil entrar em uma nova rota. É ruim para o Brasil, que ainda não alcançou a maturidade política dos Estados Unidos, uma polarização entre PT e PSDB. Temos sete ou oito partidos robustos para negociar um entendimento de governabilidade”, afirmou.

O contexto agora é outro. O posicionamento do PT dependerá de algum toque de cautela sobre o que acontecerá no futuro. Em uma primeira hipótese, o partido pode apoiar a restrição, na esperança de atrair políticos de esquerda de outros partidos para dentro dos seus quadros e voltar a ganhar relevância como grande agregador da vertente no país. Por outro lado, a crise de imagem que o partido enfrenta — em especial por envolvimento em escândalos recentes de corrupção, como o mensalão e Operação Lava-Jato — podem fazer com que os partidos mais à esquerda montem uma nova frente independente e possivelmente desidratem o partido, esvaziando-o de vez. Procurado, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) preferiu não comentar. O líder na Câmara, Afonso Florence (PT-BA) diz que “o PT na Câmara ainda vai discutir este tema” e não cogita esse tipo de crescimento.

Vai ou não?

O segundo turno da votação da PEC 36/2016 está prevista para dia 23 de novembro, quando segue, se aprovada, para o grande desafio na Câmara. Caso o texto sofra alterações, volta a ser apreciado pelo Senado, em processo sem prazo para término até que as duas Casas entrem em acordo.

Para Juliano Griebeler, cientista político e analista da consultoria Barral M Jorge, se o caldo da barreira azedar, só a mudança no sistema proporcional já mitiga parte do problema, porque é o que hoje puxa partidos menores e incentiva a fragmentação. Outro ponto a ser ressaltado é a perda de mandato para deputados e senadores que mudam de partido durante a legislatura, o que diminui o incentivo a criação de novas legendas, como aconteceu com o PSD de Gilberto Kassab. “Flexibilizar a cláusula de barreira só para aprovar na Câmara pode dar errado. Se não for para limitar de verdade, qual seria a eficácia disso?”, diz.

Paralelamente, a Câmara dos Deputados instaurou dia 25 de outubro uma comissão especial para avaliar medidas de reforma, com o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) como presidente e Vicente Cândido (PT-SP) como relator. A proposta que corre no momento na comissão pondera sobre a criação de um fundo eleitoral para financiar campanhas e o voto em lista fechada — em que partidos decidem anteriormente quais candidatos e em que ordem estão elegíveis no pleito. O Senado deve avaliar também, em breve, um projeto que proíbe a reeleição em cargos executivos.

“No passado, o Legislativo tentou votar pacotes de reforma e sempre teve derrota. Votar tudo juntos está provado que não funciona”, afirma o cientista político e professor da Universidade de Brasília David Fleischer. “Se sentirem que as novidades da reforma vão atrapalhar, então as chances de enrolação serão maiores”.

Ainda que a passos lentos, a motivação de congressistas em mudar o sistema é maior que nunca. Um líder partidário da base ouvido por EXAME Hoje afirma que, caso mudanças relevantes não saiam do papel, será vergonhoso mostrar a cara para o eleitor nas próximas eleições. Tendo em vista o nível de 22% de confiança que a população tem no Parlamento, segundo pesquisa Ibope, ele tem razão.

 

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