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Reduzir a velocidade das marginais em SP é mesmo tão ruim?

A prefeitura alega que limite menor de velocidade vai reduzir número de acidentes fatais. Será? Especialistas respondem

Marginal Pinheiros, em São Paulo (SP) (Paulo Fridman/Bloomberg)

Marginal Pinheiros, em São Paulo (SP) (Paulo Fridman/Bloomberg)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 25 de julho de 2015 às 10h16.

São Paulo – Desde a última segunda-feira, a rotina dos paulistanos que cruzam as marginais dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, foi pautada pelo olho no velocímetro e o pé no freio.

Nessas vias, a velocidade máxima para veículos leves foi reduzida de 90 km/h para 70 km/h, nas pistas expressas; de 70 km/h para 60 km/h, nas centrais, e de 70 km/h para 50 km/h, nas locais. No caso de veículos pesados, os limites caíram de 70 km/h para 60 km/h nas pistas expressas.

A Prefeitura de São Paulo alega que a medida irá prevenir novos casos de acidentes com vítimas fatais nas marginais. Ambas pistas lideram a lista de ruas mais perigosas da cidade. Só no ano passado, 73 pessoas morreram nesses locais.

A proposta, contudo, não foi bem recebida pelos paulistanos. Na última terça-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação civil pública contra a redução dos limites de velocidades nas marginais. Na sexta, a Justiça deu um prazo de 72 horas para a prefeitura explicar as razões para projeto.

A OAB defende que, com o retorno das aulas em agosto, a ação resultará em caos para o trânsito paulistano. “Medidas desse tipo não podem ser levadas adiante sem que a população seja consultada”, afirmou Marcos da Costa, presidente da OAB.

Para o professor de mobilidade urbana Luiz Vicente Figueira de Mello, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a falta de comunicação da Prefeitura sobre o assunto é, realmente, o principal problema da proposta. “Eles foram direto para a fiscalização. Faltou a parte de educação”, afirma.

Vale a pena diminuir a velocidade?

Apesar das críticas à forma como a proposta foi aplicada em São Paulo, os especialistas em mobilidade urbana consultados por EXAME.com concordam em um ponto: um limite menor de velocidade, de fato, pode levar à diminuição do número de acidentes graves.

Uma série de experiências ao redor do globo confirma isso. Na França, onde a velocidade máxima nas zonas urbanas foi reduzida de 60 km/h para 50 km/h, estima-se que cerca de 14 mil acidentes fatais e 580 mortes tenham sido evitados só nos primeiros dois anos após a aplicação da medida, de acordo com dados de um estudo recente da Embarq.

Na Austrália, um projeto semelhante freou em 40% o número de mortes de pedestres ao longo de uma década.

“Quando você diminui a velocidade de uma via, a distância de frenagem que o motorista precisa ter para parar o carro se houver um imprevisto é menor e isso diminui a repercussão dos acidentes”, diz Ronaldo Balassiano, professor de engenharia de transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Isso é física, não é problema da justiça”.

Na prática, carros mais lentos nem sempre garantem menos acidentes. O que muda, de fato, é o grau de gravidade das colisões ou atropelamentos. 

Assim, para cada redução de 5% na velocidade média, estima-se que o risco de acidentes fatais diminui em 30%.

Trocando em miúdos: se um veículo que trafega a 40 km/h atropelar um pedestre, a chance de que a vítima morra é de 35%. Se o veículo estiver rodando a 60 km/h, o risco de morte sobe para 98%, de acordo com estimativa feita Organização Pan-Americana da Saúde.

Em São Paulo, contudo, a prefeitura ainda não calculou quantas vidas estima poupar com os novos limites 

Carros mais lentos não são suficientes

Apesar de válida, a redução da velocidade dos veículos, contudo, não ataca a causa principal dos acidentes nas marginais. Das 73 pessoas que morreram nessas pistas no ano passado, 25 eram pedestres e 36 eram motociclistas.

Em outros termos, diminuir o limite de velocidade ajuda, mas não é tudo. “Nenhuma medida única é a solução do problema”, afirma Marta Obelheiro, coordenadora de projetos de saúde e segurança viária da Embarq. “As cidades e países que atingiram reduções importantes adotaram um pacote de ações”.

É o caso da cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Para melhorar a segurança de pedestres que circulavam pela região da Broadway, a prefeitura redesenhou a configuração das ruas do entorno, fechou alguns trechos da avenida para pedestres e até regulou o tempo dos semáforos, entre outras intervenções. Resultado: em um ano, o número de acidentes caiu 63%.

Evidentemente, as marginais paulistanas não têm a mesma natureza da tradicional avenida nova-iorquina. Portanto, as soluções para torná-las mais seguras também são diferentes. Mas, segundo os especialistas consultados pela reportagem, o governo (não só o municipal) deveria atacar em outras frentes para além do menor limite de velocidade.

Aumentar a fiscalização dos motociclistas é uma delas. O professor Creso Peixoto, do Centro Universitário da FEI, sugere, por exemplo, a obrigatoriedade de placas na parte dianteira das motos. “Ainda falta uma fiscalização mais intensa e uma diminuição do incentivo do uso dessas máquinas”, afirma.

Para impedir a travessia de pedestres, um caminho é mapear os pontos de interesse que rodeiam as marginais e que impelem as pessoas a correr o risco de cruzar uma pista de alta velocidade.

No entanto, construir mais passarelas ou implantar grades que impeçam este trânsito não é necessariamente a solução. Segundo Peixoto, essas ações “ajudam, mas têm baixa eficácia”. Um exemplo, segundo o professor, é a Rodovia Imigrantes que abriga ocorrências de vítimas fatais embaixo das passarelas.

O mais importante, segundo os especialistas, é investir em alternativas que estimulem os paulistanos a deixar o carro na garagem. “É difícil reduzir a velocidade em uma cidade com poucas opções de transporte público de qualidade”, afirma Peixoto. 

A intenção da prefeitura é diminuir a velocidade máxima de outros grandes eixos viários da cidade. A expectativa é de que no próximo dia 3 agosto, o limite das avenidas Jacu-Pêssego e Aricanduva caia para 50 km/h. No ano passado, 35 pessoas morreram nas duas vias.

Por ora, o prefeito Fernando Haddad (PT) afirma que as medidas estão em caráter experimental. Até lá, os paulistanos terão que aprender a conviver com as novas velocidades – que, na prática, não diferem muito da média experimentada diariamente quando os limites eram mais altos. Segundo dados da CET, antes da redução, a velocidade média nas marginais no período da tarde variava de 20 km/h a 12 km/h no sentido centro-bairro. 

Em tempo: a estimativa é de que o novo limite aumente apenas em quatro minutos o tempo de percurso pelas duas pistas. 

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