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Protestos geram debate sobre divisão racial e social

Manifestações expuseram divisão entre quem apoia ou rejeita a presidente Dilma Rousseff e geram um debate sobre raça e classe social que aumenta as tensões

Protesto contra o impeachment de Dilma em São Paulo: manifestações expuseram divisão entre quem apoia ou rejeita a presidente (Paulo Whitaker/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 20 de março de 2016 às 16h53.

Os protestos realizados no Brasil expuseram uma divisão demográfica entre quem apoia ou rejeita a presidente Dilma Rousseff , gerando um debate sobre raça e classe social que alimenta as tensões.

Exibindo as bandeiras vermelhas do PT, o governo Dilma tentou retomar nesta semana as ruas tingidas de verde e amarelo da bandeira nacional que predominou na manifestação de domingo passado para pedir o impeachment da presidente e o fim da corrupção política.

Mas as cores dos protestos não são, por certo, a única diferença: nas marchas antigovernamentais, havia uma presença de brancos visivelmente maior que nas de apoio a Dilma.

Esses manifestantes também têm uma situação e educação melhores do que a média dos brasileiros.

Mafa Nogueira, partidária de Dilma presente na manifestação de Brasília, descreveu quem apoia a destituição da presidente como uma elite assutada com as mudanças sociais, que estão modificando o país depois de 13 anos de governo de esquerda.

"As pessoas que estão desesperadas para que caia ese governo foi porque perderam seus privilégios", afirma o músico de 42 anos.

Segundo o governo, o PT tirou mais de 26 milhões de pessoas da pobreza e atualmente existem no país 2,8% de brasileiros em extrema pobra e 7,3% de pobres. Em 2010, essas cifras eram de 12,7% e 25,2% respectivamente.

O historiador John French diz ver uma resposta contra esta nova ordem social nos protestos antigovernamentais.

"Estão aborrecidos pelo fato de que as pessoas estão alcançando lugares a que que não deveriam chegar", disse French, um especialista em Brasil da Universidade de Duke, de Estados Unidos.

"Por exemplo, um número de pessoas pobres agora viajam de avião, algo que os irrita porque os aeroportos costumavam ser reservados às classes mais abastadas. E triplicou o número de pessoas que têm acesso à educação superior", acrescentou.

- História de desigualdade -

Os manifestantes anti-Dilma rejeitam esta caracterização.

Jefferson Banks, líder do movimento Vem Pra Rua, considera que os argumentos das divisões raciais e de classe visam a distrair dos temas que deixaram Dilma na corda bamba: um escândalo de corrupção colossal, uma severa recessão e um governo disfuncional.

"Acredito que o debate surja para causar uma segregação na sociedade. É importante para grupos antagônicos estar sempre levantando um inimigo a ser combatido. Isso tira o foco da real questão que o nosso movimento presente, e começa-se a debater outras questões: brancos e negros, pobres e ricos", afirmou.

Mas os números são eloquentes em um país conhecido por sua diversidade racial. Segundo um censo de 2010, 50% da população é negra ou parda - e uma história de desigualdade social que remonta aos tempos de escravidão, abolida em 1888.

No maior protesto contra Dilma em São Paulo, 77% dos manifestantes se declararam brancos e 77% tinham formação universitária, segundo pesquisa Datafolha.

Em nível nacional, esses números são de 48% e 13%, respectivamente.

A metade dos manifestantes ganhava entre cinco e 20 vezes o salário mínimo, mais do dobro da porcentagem de pessoas nessa faixa de rendas na cidade.

- Casa dividida -

Os protestos contra o governo têm uma base social menos ampla do que as que sacudiram o Brasil em 2013, antes da Copa do Mundo, quando os brasileiros de todos os setores saíram às ruas para reclamar melhores serviços de transporte, saúde e educação.

Na ocasião, alguns analistas políticos sugeriram que o PT era vítima de seu próprio sucesso: as melhorias em termos de renda e educação transformara os eleitores em pessoas mais exigentes.

Apesar dos protestos, Dilma foi reeleita em 2014 por um estreita margem.

Mas com a economia decadente e um escândalo de corrupção que envolve altos funcionários - o próprio Lula -, a popularidade da presidente caiu a 10%.

Segundo pesquisa divulgada no sábado, 68% dos brasileiros apoiam um impeachment contra ela, mas apenas uma parte das pessoas que a desaprovam saem às ruas para protestar.

O fato de que os atuais protestos tenham uma base demográfica mais estreita levanta suspeitas de motivações antidemocráticas.

"A corrupção é sistêmica no Brasil. A corrupção ela nao foi inventada pelo PT. Eles estão usando esse discurso da corrupção para poder esconder o verdadeiro motivo, que é retirar o PT do poder", afirma a aposentada Margarita Brega na manifestação de apoio ao governo no Rio de Janeiro.

Para Mafa Nogueira, que na passeata pró-Dilma de Brasília usava um boné com a estrela do PT, uma camisa vermelha e outra verde e amarela no ombro, "não é que as pessoas que apoiam o governo de Dilma sejam negras e pobres, e sim quem apoia o golpe são brancos e ricos. Isso é bem diferente".

Em uma atmosfera altamente polarizada, muitos brasileiros se queixam que o tom do debate tornou-se intolerante.

"As pessoas se queixam de estar perdendo amigos devido ao ódio político", afirma o analista político Michael Mohallem.

"As pessoas não ouvem umas às utras, não debatem umas com as outras", concluiu.

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Os protestos realizados no Brasil expuseram uma divisão demográfica entre quem apoia ou rejeita a presidente Dilma Rousseff , gerando um debate sobre raça e classe social que alimenta as tensões.

Exibindo as bandeiras vermelhas do PT, o governo Dilma tentou retomar nesta semana as ruas tingidas de verde e amarelo da bandeira nacional que predominou na manifestação de domingo passado para pedir o impeachment da presidente e o fim da corrupção política.

Mas as cores dos protestos não são, por certo, a única diferença: nas marchas antigovernamentais, havia uma presença de brancos visivelmente maior que nas de apoio a Dilma.

Esses manifestantes também têm uma situação e educação melhores do que a média dos brasileiros.

Mafa Nogueira, partidária de Dilma presente na manifestação de Brasília, descreveu quem apoia a destituição da presidente como uma elite assutada com as mudanças sociais, que estão modificando o país depois de 13 anos de governo de esquerda.

"As pessoas que estão desesperadas para que caia ese governo foi porque perderam seus privilégios", afirma o músico de 42 anos.

Segundo o governo, o PT tirou mais de 26 milhões de pessoas da pobreza e atualmente existem no país 2,8% de brasileiros em extrema pobra e 7,3% de pobres. Em 2010, essas cifras eram de 12,7% e 25,2% respectivamente.

O historiador John French diz ver uma resposta contra esta nova ordem social nos protestos antigovernamentais.

"Estão aborrecidos pelo fato de que as pessoas estão alcançando lugares a que que não deveriam chegar", disse French, um especialista em Brasil da Universidade de Duke, de Estados Unidos.

"Por exemplo, um número de pessoas pobres agora viajam de avião, algo que os irrita porque os aeroportos costumavam ser reservados às classes mais abastadas. E triplicou o número de pessoas que têm acesso à educação superior", acrescentou.

- História de desigualdade -

Os manifestantes anti-Dilma rejeitam esta caracterização.

Jefferson Banks, líder do movimento Vem Pra Rua, considera que os argumentos das divisões raciais e de classe visam a distrair dos temas que deixaram Dilma na corda bamba: um escândalo de corrupção colossal, uma severa recessão e um governo disfuncional.

"Acredito que o debate surja para causar uma segregação na sociedade. É importante para grupos antagônicos estar sempre levantando um inimigo a ser combatido. Isso tira o foco da real questão que o nosso movimento presente, e começa-se a debater outras questões: brancos e negros, pobres e ricos", afirmou.

Mas os números são eloquentes em um país conhecido por sua diversidade racial. Segundo um censo de 2010, 50% da população é negra ou parda - e uma história de desigualdade social que remonta aos tempos de escravidão, abolida em 1888.

No maior protesto contra Dilma em São Paulo, 77% dos manifestantes se declararam brancos e 77% tinham formação universitária, segundo pesquisa Datafolha.

Em nível nacional, esses números são de 48% e 13%, respectivamente.

A metade dos manifestantes ganhava entre cinco e 20 vezes o salário mínimo, mais do dobro da porcentagem de pessoas nessa faixa de rendas na cidade.

- Casa dividida -

Os protestos contra o governo têm uma base social menos ampla do que as que sacudiram o Brasil em 2013, antes da Copa do Mundo, quando os brasileiros de todos os setores saíram às ruas para reclamar melhores serviços de transporte, saúde e educação.

Na ocasião, alguns analistas políticos sugeriram que o PT era vítima de seu próprio sucesso: as melhorias em termos de renda e educação transformara os eleitores em pessoas mais exigentes.

Apesar dos protestos, Dilma foi reeleita em 2014 por um estreita margem.

Mas com a economia decadente e um escândalo de corrupção que envolve altos funcionários - o próprio Lula -, a popularidade da presidente caiu a 10%.

Segundo pesquisa divulgada no sábado, 68% dos brasileiros apoiam um impeachment contra ela, mas apenas uma parte das pessoas que a desaprovam saem às ruas para protestar.

O fato de que os atuais protestos tenham uma base demográfica mais estreita levanta suspeitas de motivações antidemocráticas.

"A corrupção é sistêmica no Brasil. A corrupção ela nao foi inventada pelo PT. Eles estão usando esse discurso da corrupção para poder esconder o verdadeiro motivo, que é retirar o PT do poder", afirma a aposentada Margarita Brega na manifestação de apoio ao governo no Rio de Janeiro.

Para Mafa Nogueira, que na passeata pró-Dilma de Brasília usava um boné com a estrela do PT, uma camisa vermelha e outra verde e amarela no ombro, "não é que as pessoas que apoiam o governo de Dilma sejam negras e pobres, e sim quem apoia o golpe são brancos e ricos. Isso é bem diferente".

Em uma atmosfera altamente polarizada, muitos brasileiros se queixam que o tom do debate tornou-se intolerante.

"As pessoas se queixam de estar perdendo amigos devido ao ódio político", afirma o analista político Michael Mohallem.

"As pessoas não ouvem umas às utras, não debatem umas com as outras", concluiu.

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