Projeto dá visibilidade aos principais leitores do Brasil: os presidiários
Detentos chegam a ler nove vezes mais que a média dos brasileiros; veja o mini documentário sobre projeto
Luiza Calegari
Publicado em 28 de abril de 2018 às 06h30.
Última atualização em 4 de maio de 2018 às 10h50.
São Paulo — O brasileiro médio lê quatro livros por ano, segundo a última pesquisa "Retratos da leitura no Brasil", encomendada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada em 2016. Um presidiário do Distrito Federal, único local até hoje no qual foi feito esse tipo de levantamento, chega a ler três livros por mês, ou 36 livros por ano — nove vezes a média do brasileiro.
Em alguns estados, a leitura de cada livro, comprovada por uma resenha, desconta quatro dias da pena a que o detento foi condenado, na chamada remição.
A partir deste incentivo, Elisande de Lourdes Quintino, da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), conduz um projeto de leitura e produção de resenhas, chamado " Leitura Liberta ", no Complexo Penitenciário de Hortolândia, no interior de São Paulo.
A editora Carambaia, especializada na publicação de livros desconhecidos do mercado editorial brasileiro, encontrou aí a oportunidade de levar suas obras aos "maiores leitores do Brasil".
Em parceria com o projeto de Elisande e com a Artplan, distribuíram seus títulos entre os presidiários, e publicaram as resenhas produzidas em seu site.
Além da produção das resenhas, a editora ainda fechou uma parceria com a Videocubo para a produção de um mini documentário sobre a importância da leitura para os detentos.
Para o vídeo, o diretor da Videocubo, Diogo Dias de Andrade, explicou que preferiu deixar de fora os relatos que mostravam os motivos da prisão dos detentos, na tentativa de humanizá-los, e para mostrar que as vidas das pessoas que cometeram crimes não se resumem ao ato que as levou à prisão.
O diretor de Trabalho e Educação do Centro de Progressão de Pena de Hortolândia, Marcos Antonio de Medeiros, conta que a estratégia funcionou: um dos detentos saiu da sessão de gravação emocionado, contando para ele que nunca se imaginou "dando opinião sobre um livro".
O ilustre desconhecido
O livro preferido dos presos, neste projeto, foi "Homens em Guerra", do autor húngaro Andreas Latzko. A obra foi um dos primeiros títulos lançados pela Carambaia, e narra a percepção de um autor que participou da Primeira Guerra Mundial.
Depois dela, Elisande Quintino narra que foi "convocada" pelos próprios detentos para analisar "O menino do pijama listrado", de John Boyne, outro livro com temática de guerra, desta vez passado na Segunda Guerra Mundial.
Fabiano Curi, diretor-executivo da Carambaia, conta que a seleção dos livros para o projeto levou em conta grandes temas universais que poderiam ressoar com a experiência pessoal dos presidiários, como o isolamento e a violência.
Depois do contato com a leitura e das aulas para produção de resenhas, no projeto coordenado por Quintino, vários detentos já vieram procurá-la pedindo ajuda para publicarem suas histórias de vida, contadas por eles mesmos.
Leia trechos das resenhas e assista ao documentário:
Corações cicatrizados, de Max Blecher
Memórias de um empregado, de Federigo Tozzi
Homens em guerra, de Andreas Latzko
Veja o mini documentário produzido para o projeto: