Álcool: pesquisas anteriores mostraram que as abordagens baseadas simplesmente em convencer o jovem a não beber eram falhas e poderiam causar impactos negativos (Marcos Santos/USP Imagens/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 4 de julho de 2013 às 12h22.
São Paulo – Pesquisadores australianos conseguiram reduzir em 20% o consumo de álcool entre adolescentes por meio de um programa que busca conscientizar os jovens, de forma lúdica e sintonizada com a sua realidade, sobre os riscos associados ao excesso de bebida. A metodologia está sendo adaptada para as escolas brasileiras por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo Ana Regina Noto, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias (Nepsis) do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, a ideia de desenvolver a versão brasileira do School Health and Alcohol Harm Reduction Project (SHAHRP), implantado com sucesso na Austrália, surgiu após a conclusão de uma pesquisa de seu grupo, divulgada em 2010, que revelou índices alarmantes de consumo de álcool entre alunos do 8º e 9º anos do ensino fundamental.
De acordo com o levantamento, 40% dos 5.226 entrevistados de escolas privadas paulistanas haviam bebido no mês anterior ao questionário – sendo que 33% em um padrão considerado nocivo e conhecido como binge – quatro ou mais unidades de álcool para mulheres e cinco ou mais para homens em uma única ocasião.
“O que esse projeto tem de diferente é o fato de apostar na capacidade do adolescente de fazer escolhas mais seguras quando estimulado a isso. O programa incentiva o estudante a tirar suas próprias conclusões em vez de simplesmente tentar ensiná-lo a dizer ‘não’ como uma opção predefinida. Talvez por esse motivo, o SHAHRP apresenta melhores resultados quando comparado a muitos outros do gênero”, disse Noto.
Com base em evidências científicas, acrescentou Noto, o programa parte do pressuposto de que situações de uso de álcool entre adolescente ocorrem – muitas vezes com a anuência da família –, embora a venda de bebida para menores de 18 anos seja proibida por lei. “Por esse motivo, é preciso abrir espaço de conversa sobre essas situações”, disse.
“Pesquisas anteriores mostraram que as abordagens baseadas simplesmente em convencer o jovem a não beber eram falhas. Muitas vezes tinham até impacto negativo, causando aumento do consumo em vez de redução. Decidimos tentar algo diferente”, contou Nyanda McBride, pesquisadora do National Drug Research Institute, da Austrália, e uma das idealizadoras do SHAHRP.
Antes de desenvolver a metodologia, McBride entrevistou professores e especialistas em prevenção e conversou com os estudantes. O objetivo era conhecer onde, como e com quem eles costumavam ingerir álcool, bem como as situações de risco às quais estavam expostos.
“Se vocês nos disserem para não beber vamos simplesmente desligar nossos ouvidos, pois não é assim que queremos viver nossa vida, nos avisaram os jovens”, disse a pesquisadora australiana à Agência FAPESP.
McBride então desenvolveu uma estratégia de intervenção para ser aplicada nas escolas dividida em duas fases. Na primeira, voltada para estudantes de 12 a 13 anos que começam a ter contato com álcool, eram realizadas oito sessões de uma hora cada. A segunda fase, aplicada um ano depois, contava com quatro sessões de uma hora.
Além de passar informações, a missão dos professores era ajudar os jovens, por meio de jogos e atividades interativas, a desenvolver suas próprias estratégias para reduzir os riscos associados ao consumo de álcool. A metodologia foi aplicada num grupo de aproximadamente 2,5 mil estudantes. Metade fazia parte do grupo controle e foi submetida a um programa regular de prevenção de drogas.
Posteriormente, os jovens foram acompanhados por 32 meses e foram avaliados seus conhecimentos e atitudes relacionados ao álcool, a quantidade total de bebida ingerida, o padrão de consumo e os danos que eles haviam sofrido.
O consumo total de álcool no grupo que recebeu a intervenção foi 20% menor quando comparado ao controle. Além disso, o consumo no padrão binge nesse grupo foi 19,5% menor. Os jovens apresentaram um conhecimento relacionado ao álcool 10% maior e vivenciaram 33% menos danos relacionados a questões sexuais, violência, problemas com a lei, a família ou a escola.
“Continuamos medindo um ano após o término do programa e observamos que o impacto comportamental havia se mantido. A metodologia foi replicada em escolas na Irlanda do Norte com resultados muito semelhantes. Uma das chaves principais é a inclusão das experiências reais dos jovens participantes. Nosso objetivo é tornar essas experiências mais seguras”, contou McBride.
Processo de adaptação
A adaptação do SHAHRP para a realidade brasileira está sendo feita durante o doutorado de Tatiana de Castro Amato, com Bolsa da FAPESP, e sob a orientação de Noto, que também conta com um Auxílio à Pesquisa – Regular.
“Temos feito entrevistas com adolescentes desde 2012 e também com professores e coordenadores pedagógicos para conhecer a percepção que tinham sobre o consumo de álcool, os problemas associados e também para tentar definir qual seria a carga horária ideal e o professor mais indicado para realizar as atividades em sala”, contou Noto.
Uma primeira versão brasileira do programa – dividida em oito sessões de uma hora cada – foi elaborada e está sendo aplicada de forma piloto em quatro escolas particulares, sendo três na capital e uma no interior. Outras quatro escolas estão participando como grupo controle.
“Nas primeiras sessões são oferecidas informações, mas com muito convite à reflexão. Da metade do programa em diante são apresentadas situações de risco e os adolescentes têm de elaborar estratégias para lidar com os problemas”, disse Noto.
A faixa etária de 12 a 13 anos foi escolhida porque estudos epidemiológicos brasileiros indicam que é nessa idade que ocorre o primeiro contato com o álcool. “O consumo nessa faixa ainda é baixo, mas há uma tendência natural de aumento com o avanço da idade. Esperamos que o grupo que recebe a intervenção apresente menor consumo após seis e 12 meses, quando comparado ao grupo de controle”, disse Noto.
De acordo com a pesquisadora, foram inicialmente selecionadas escolas particulares porque, de acordo com as evidências científicas, quanto maior é o poder aquisitivo do jovem, maior é o consumo de álcool.
“O programa tem sido bem recebido pelos estudantes e algumas escolas já pensam em incorporá-lo ao currículo definitivamente. Também temos um convite para fazer uma adaptação para as escolas públicas de Minas Gerais e, no futuro, vamos tentar aplicar em São Paulo para jovens de outros contextos”, contou.