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Procuradores cogitam regras em acordos de leniência, dizem fontes

Membros do MPF estariam discutindo sobre a criação de regras mais claras para garantir uma posição negociadora melhor em futuros acordos

Rodrigo Janot: grupo que valida os acordos de leniência estaria liderando as conversas (José Cruz/Agência Brasil/Agência Brasil)

Rodrigo Janot: grupo que valida os acordos de leniência estaria liderando as conversas (José Cruz/Agência Brasil/Agência Brasil)

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Reuters

Publicado em 4 de julho de 2017 às 15h13.

São Paulo - A reação negativa aos acordos de delação e leniência oferecidos à família bilionária que controla a processadora de carnes JBS está levando membros do Ministério Público Federal a iniciar discussões sobre a criação de regras mais claras para garantir uma posição negociadora melhor em futuros acordos, disseram três pessoas familiarizadas com o assunto.

As conversas sobre "um conjunto básico de padrões e parâmetros" para se negociar multas encontram-se em um estágio muito inicial, segundo duas das fontes.

Um grupo de procuradores do MPF e da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República, que valida os acordos de leniência, estão liderando as conversas, acrescentaram.

Tal arcabouço poderia acelerar a aprovação dos acordos de leniência, que evitam que as empresas sejam proibidas de fazer negócios com o governo e que geralmente ocorrem na sequência de um acordo de delação com admissão de culpa. Uma condição essencial é que as regras não tirem a independência dos procuradores para negociar o melhor acordo possível, acrescentaram as fontes.

Como há mais acordos de delação em potencial sendo negociados na Operação Lava Jato, aumentou o temor público de que a falta de regras claras ameace uma justiça igual para todos.

O acordo de leniência de 10,3 bilhões de reais com a holding J&F da família Batista causou revolta devido ao que muitos brasileiros viram como penalidades suaves e falta de transparência.

Muitos questionaram o acordo de delação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que decidiu não prender os irmãos Joesley e Wesley Batista mesmo depois de ambos admitirem ter subornado quase dois mil políticos.

"A construção de instrumentos que permitam aos procuradores negociar a melhor leniência possível torna o processo mais transparente e previsível", disse uma das fontes. "Fixar regras é uma tarefa complicada, porque se exagerarmos podemos engessar os procuradores nas negociações", acrescentou.

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR deve discutir os acordos de leniência dos Batista nas próximas duas semanas, antes que o negócio seja analisado pela 11ª Vara Cível da Justiça Federal em Brasília, disse uma das pessoas.

O gabinete de Janot não quis comentar, e tampouco a Procuradoria-Geral da República, que aprova as multas. Uma empresa de relações públicas que representa os irmãos Batista e sua holding J&F Investimentos não quis comentar.

Embora procuradores tenham dito que a multa para os Batista e a J&F tenha sido um recorde mundial, advogados questionaram por que os termos desse acordo diferiram muito de outros acordos de leniência.

Os procuradores deram 25 anos para a família pagar a multa e a atrelaram ao índice de preços ao consumidor, reduzindo expressivamente seu valor presente líquido (VPL). De acordo com cálculos da Thomson Reuters, o VPL da multa é de 5,45 bilhões de reais - 47 por cento menos do que seu valor nominal.

Em comparação, a multa de 3,9 bilhões de reais que a empreiteira Odebrecht concordou em pagar ao longo de 22 anos será reajustada pela taxa Selic, atualmente bem acima da inflação.

Um procurador está investigando se a multa de leniência dos Batista e da J&F prejudicou os interesses dos contribuintes, e outros procuradores que investigam os negócios da família com bancos estatais se queixaram de que a multa de leniência é baixa demais, segundo uma das fontes.

"A credibilidade dos acordos e multas futuras depende da seriedade com que seja imposta um regra geral para negociar os acordos de leniência. As negociações precisam ser transparentes, com regras que reforçam a transparência", disse Modesto Carvalhosa, advogado de São Paulo especializado em questões ligadas à corrupção.

Os irmãos Batista construíram a JBS a partir de um pequeno matadouro no centro-oeste para se tornar a maior processadora de carnes do mundo em uma década, com o auxílio de conexões políticas que lhes permitiram acesso a empréstimos estatais baratos.

Entre 2008 e 2015, a JBS participou de cerca de 74 fusões e aquisições, totalizando 30 bilhões de dólares, segundo dados de inteligência da Thomson Reuters. Simultaneamente, J&F diversificou suas atividades para setores de moda e calçados, laticínios, celulose e bancário.

Janot defendeu seu acordo de delação com a J&F e exaltou a força das provas que os Batista ofereceram, incluindo documentos, fitas e fotos.

Uma das fontes, que trabalhou em acordos de leniência prévios, disse que as penalidades financeiras se baseiam em critérios qualitativos, tais como o volume, profundidade eperenidade das provas. A decisão dos irmãos de oferecer provas antes de qualquer tentativa de processá-los também entrou no cálculo, disseram as pessoas a par do assunto.

O acordo com a Odebrecht foi consideravelmente diferente. Seu então presidente, Marcelo Odebrecht, estava preso há um ano quando concordou em cooperar -- depois de uma operação da polícia ter revelado um departamento dedicado ao pagamento de propina dentro de sua empresa.

Em seu depoimento, Joesley Batista acusou o presidente Michel Temer de agir para obstruir uma investigação de corrupção e entregou gravações que apoiam esta alegação. Temer vem negando ter cometido qualquer irregularidade.

"Se você trouxer provas contra um presidente, o incentivo a querer fazer delação é muito grande", afirmou uma das fontes.

Mas a inexistência de regras pré-definidas para calcular uma multa pode ter dado aos irmãos "uma vantagem indesejada durante as conversas de leniência", segundo a fonte.

A J&F e os Batista estão envolvidos em cinco investigações diferentes. As acusações contra Temer causaram o agravamento da crise política e colocaram e risco a aprovação de reformas tidas como essenciais para a recuperação da economia brasileira, como a reforma da Previdência.

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