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Políticos têm as mãos manchadas de sangue, diz promotor sobre barragens

“Você está andando por Minas Gerais e está correndo um risco", disse o promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin em entrevista a EXAME.

Membros do resgate sujos de lama em Brumadinho (MG) (Adriano Machado/Reuters)

Membros do resgate sujos de lama em Brumadinho (MG) (Adriano Machado/Reuters)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 3 de fevereiro de 2019 às 06h00.

Última atualização em 3 de fevereiro de 2019 às 06h00.

O promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, que acompanha o caso do rompimento da barragem em Mariana, em Minas Gerais, falou a EXAME sobre as medidas tomadas após aquela tragédia e sobre o que deixou de ser feito. Três anos após o desastre outra barragem se rompeu em Brumadinho (MG), deixando pelo menos 110 mortos.

Segundo ele, a legislação sobre o tema não melhorou, pelo contrário. “Não tivemos nenhum avanço nos últimos três anos. Eu diria que alguns dos nossos políticos estão com as mãos manchadas de sangue. Eles contribuíram para esse desastre”, diz.

Aos moradores de Brumadinho, ele aconselha se manterem unidos e observarem as estratégias da mineradora Vale. “O presidente da Vale está parecendo perdido, mas é uma estratégia de defesa. Não é interesse pelas vítimas e dos responsáveis pelos desastres. Tudo o que ele falar é estratégia de empresa”, diz.

Leia os principais trechos da entrevista:

Quais foram as medidas tomadas? Foram as medidas suficientes para a época?

Logo de início, percebemos que o desastre tinha deixado uma marca profunda na sociedade. Entramos primeiro com uma ação cautelar de bloqueio de bens de 300 milhões de reais da Samarco e foi deferido. Esse foi o grande primeiro bloqueio de bens de uma mineradora no Brasil. Foi uma medida pioneira e que está sendo repetida. Nós percebemos que esse bloqueio de bens foi a nossa melhor moeda de troca em toda a negociação. Só liberamos o recurso se for para as vítimas, nunca para eles.

Em outubro, do ano passado, fizemos um acordo para indenizar às vítimas e respeitando algumas regras. A que eu acho mais importante foi a inversão do ônus da prova. Em um processo civil normal, quem tem que trazer a prova é o autor. Com a inversão, e ele declarasse que tinha 20 cabeças de gado, o juiz ia ter que aceitar esse argumento. A não ser que a empresa provasse que ele não tinha. Ou seja, a palavra da vítima passou a ter uma força ainda maior. Justamente porque ela estava em uma situação de vulnerabilidade.

Como foi feita a contabilização das vítimas?

Foram 3 000 vítimas em Mariana, sem contar a bacia. Dessas 3 000, 1 000 ficaram desabrigadas e as outras tiveram algum prejuízo por conta do desastre. Essas pessoas desabrigadas foram realocadas em hotéis e em casas alugadas -- Bento Rodrigues, Paracatu e algumas comunidades rurais de Mariana.

Foram sete distritos atingidos em Mariana. Apesar da mineração ficar longe, todas foram afetadas. As principais foram Bento Rodrigues e depois Paracatu de Baixo.

Em relação as indenizações, quanto foi pago para as vítimas?

Para quem perdeu parente, foi pago inicialmente 100 000 reais para as famílias. Para quem perdeu casa, foi pago 40 000 de antecipação. Quem perdeu casa de lazer, de fim de semana, recebeu 20 000 reais antecipados. Foram 19 vítimas e um aborto, que uma ex-moradora de Bento Rodrigues que estava grávida. Por isso, considero 20 vítimas fatais.

Quais são os próximos passos? Vocês tiveram as reuniões em outubro e os assentamentos estão sendo feitos. Existe mais alguma coisa a ser feita?

Existe. Por exemplo, os acordos de indenização ainda não foram cumpridos. Os cadastros começaram a ser entregues na semana passada e, com base nesse cadastro, as vítimas vão começar a negociar individualmente. Cada família vai sentar com a Fundação Renova, que vai analisar e fazer uma proposta.

A pessoa não é obrigada a aceitar. Se ela recusar, vai entrar na Justiça, liquidar e vai se aproveitar da cláusula de ônus da prova para convencer o juiz que tinha mais direitos a receber. Estamos nessa fase.

As obras de terraplanagem em Bento Rodrigues já foram concluídas. As de Paracatu ainda não começaram, estão no licenciamento. Quanto às indenizações finais, começaram a ser entregues agora. Esperamos que até o fim do ano, todas as famílias tenham tido alguma proposta. Cada família vai decidir se vai aceitar ou não e se vai para a Justiça. O nosso papel agora é acompanhar tanto o reassentamento quanto a indenização.

No caso de Brumadinho, o que vai acontecer? Temos mais trabalhadores do que moradores e seria uma reincidência, já que a Vale também é controladora da Samarco. Dá para falar que nada mudou?

Em primeiro lugar, a nossa legislação não melhorou. Há vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativo de Minas Gerais, como o projeto Mar de Lama Nunca Mais, que proibiria esse tipo de estrutura e garantiria mais segurança nas barragens. Mas nada foi feito. Quer dizer, não houve interesse político em dar mais segurança em relação às barragens.

Pelo contrário. O Estado de Minas Gerais publicou uma norma para agilizar o licenciamento. E ninguém questiona o secretário de Meio Ambiente. Foi o responsável pela outra barragem e o Romeu Zema manteve ele de novo. A primeira pessoa que deveria ser afastado é o secretário de Meio Ambiente. Os dois piores desastres ambientais acontecem na gestão dele e nada é feito? Não tivemos nenhum avanço nos últimos três anos.

Eu diria que alguns dos nossos políticos estão com as mãos manchadas de sangue. Eles contribuíram para esse desastre. Pensam só de maneira econômica. É uma junção de ignorância técnica, jurídica e social. Aí junta a falta de ética. Temos um cenário terrível no nosso legislativo. Eles não têm interesse nenhum em aprovar leis. Esse desastre poderia ter sido evitado.

Estamos arriscando ter outros desastres, já que temos 400 barragens?

Você está andando por Minas Gerais e está correndo um risco. A qualquer momento você pode estar andando e uma barragem estourar. Existe uma gigante em Ouro Preto, outras em Tabeira, todas da Vale. Praticamente todo o estado é uma área de risco extrema, infelizmente. A qualquer momento, elas podem estourar. No caminho até Belo Horizonte tem uma barragem gigante. Pode ser que ela estoure.

O senhor teria algum conselho para as vítimas? O que elas podem fazer?

A melhor coisa é, como em Mariana, pressionar o tempo inteiro as autoridades. Alguns dias depois do fato, houve uma desmobilização das equipes de busca. Eles tinham encontrado 12 ou 13 corpos. As pessoas fizeram um protesto e vieram para o Ministério Público. No fim das contas, se pensarmos bem, que foram mais de 40 milhões de metros cúbicos, uma extensão enorme, de 100 quilômetros, e ainda encontrar 18 restos mortais, eu acho que foi um bom trabalho.

Sabemos que a família que não encontrou está arrasada, mas não dá para descartar o empenho deles. O último corpo foi encontrado a mais de 100 quilômetros. Isso mostra o empenho em localizar. É difícil, são vários metros de rejeito, e torcemos que eles consigam. As famílias têm que cobrar de todos.

O presidente da Vale está parecendo perdido, mas é uma estratégia de defesa. Não é interesse pelas vítimas e dos responsáveis pelos desastres. Tudo o que ele falar é estratégia de empresa. Ele está sendo orientado por uma equipe enorme. As pessoas não percebem os detalhes das coisas. O que eles querem emplacar na opinião pública é que foi um acidente. Que tinha um atestado. É uma maneira de tentar manipular a opinião pública. Ainda tem um movimento de "volta Samarco". É doloroso para uma pessoa que perdeu tudo, que perdeu um familiar, ver o vizinho pedindo a volta da empresa que matou a sua mãe, o seu filho e o seu neto.

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